JORNAL ESTRANGEIRO DESTACA O SUS E ESQUECE A SAÚDE DA POPULAÇÃO
Dando sequencia à análise das práticas de gestão do SUS, como
as feitas no artigo anterior sobre o destaque dado pela OMS sobre o SUS e das
suas contradições em relação à deficiência de assistência decorrente da falta
de investimento no setor da saúde pública, vamos comentar um documento
divulgado pelo The New England
Journal of Medicina. No artigo anterior foram mostrados os dados
orçamentários do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) do
próprio governo e da World Haealth Statistics 2014, sobre os valores de
investimentos nos últimos 10 anos.
Chamaram-nos atenção os comentários e a publicação sobre o
SUS no milenar periódico The New England
Journal of Medicina, que desde 1812 divulga pesquisas e os avanços
da Medicina mundial. O artigo, publicado em 12/06/2015 por James Macinko e
Matthew J. Herris faz um trajeto histórico do SUS desde a sua fundação no Ceará
na década de 90 até a implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF),
considerando esse programa como um fato "notável" na saúde publica
mundial. O que nos parece na prática é o que o jornal enaltece as teorias
contidas nas normas e preceitos da legislação, oriundos da Constituição Federal
de 1988, como a questão da universalização da saúde, dizendo que nossa prática
pode ser aprendida e difundida a nível mundial. Contudo, ignora a verdadeira
realidade da saúde local.
No entanto, apesar do destaque ao nosso sistema oficial de
saúde, os pesquisadores citados elogiam o sucesso do programa ESF e, ao mesmo
tempo, tecem comentários de que o "atendimento básico a comunidade
funcionaria se feito de maneira adequada", exigindo "um planejamento sólido, visão de
longo prazo, compromisso político e financiamento". Aqui nesses pontos
o artigo se contradiz ao elogiar a nossa prática cotidiana, vivenciada pela
população que cada vez fica mais desassistida, devido à falta de gestão e
investimento. Apesar da publicação cientifica ser importante e de prestigio
mundial, a avaliação positiva do SUS e da saúde brasileira não acompanha a
realidade das comunidades locais que possuem os serviços básicos deficientes e
de outras que não possuem nenhum serviço de saúde, como na Amazônia e no
agreste nordestino.
A maior constatação que comprova essa discrepância da
avaliação do periódico e da realidade da gestão da saúde pública brasileira são
os cortes históricos nos gastos e as quedas de investimentos na última década,
como mostrados no artigo anterior, justamente no período avaliado pelo
semanário internacional. "Essa perda acumulada ao longo de pouco mais
uma década ultrapassa a casa de R$ 120 bilhões", como destaca o
editorial do Jornal Medicina do CFM, de abril/15,como o título "A saúde no
Vermelho". Como o Brasil pode servir de modelo para o mundo e para países
mais pobres se os próprios legisladores e gestores, que criaram o SUS, são os
primeiros a legislar em causa própria, retirando dinheiro do SUS e exigindo
verbas para emendas parlamentares? Mas foi o que fez o Governo Federal que
acatou o chamado Orçamento Impositivo, reduzindo e atropelando o orçamento da
saúde e as solicitações populares contidas na Emenda Constitucional 29 ,chamada
"Saúde + 10".
Enquanto o artigo do jornal estrangeiro afirma que o ESF foi
elaborado para "atender vários aspectos da assistência pela saúde
básica e reflete as melhores práticas de atendimento", não é isso que
se constata nos pequenos municípios, cujas Prefeituras possuem dificuldades
para montar equipes do programa saúde da família (PSF), e quando consegue o faz
de maneira incompleta, sem a presença do Médico. Aponta que em 2014 existiam
"29 mil equipes de PSF, que incorporavam 265 mil agentes comunitários,
com o acréscimo de 30 mil agentes de
saúde bucal, atendendo cerca de 120 milhões de brasileiros". Destaca a
presença dos agentes comunitários e dos agentes de saúde bucal, no entanto
desconhecem que em muitas dessas equipes não existem Médicos e nem Odontólogos.
Com equipes formadas, mas incompletas, as prefeituras não conseguem arcar
sozinhas e nem acessar os recursos federais para contratação, que é feita de
maneira temporária e em situação de precarização, sem segurança aos
profissionais, que não moram no local e nem permanecem em horário integral,
onde mais se precisa desses dos serviços
médicos.
A avaliação positiva sobre a saúde brasileira, enfocando os
resultados do SUS e da exaltação do PSF, contrasta com o subfinanciamento do
setor público da saúde, "a desvalorização da assistência, com falta de
planejamento e gestão errática que desestimula
médicos e demais profissionais de saúde que atuam no SUS".
Enquanto no período de "2000 a 2013 os estados e municípios aumentaram
o investimento de 40% para 57%, a União apresentou decréscimo de 60% para 43%",
numa clara manifestação de precarização do setor, conforme comenta o Jornal
Medicina do CFM (edição 243, Abril/2015).
Diz o periódico que o "Brasil tem feito rápidos progressos
rumo à cobertura universal da população através de seu sistema nacional de
saúde, o SUS". Mas o que ocorre na verdade é um déficit financeiro
progressivo e permanente que enfraquece a prestação dos serviços enaltecidos
pelo artigo científico, cujos municípios e Estados não conseguem suplantar as
deficiências e cortes, tendo como conseqüência "o fechamento de leitos,
a desativação de hospitais, a crise no seguimento filantrópico da assistência e
a sobrecarga nas contas públicas dos estados e municípios, que precisam se
desdobrar para garantir o atendimento da população", como comenta
Carlos Vital, Presidente do CFM.
Assim como foi dito anteriormente a OMS e o periódico
reconhecem e destacam que os "serviços de saúde oferecidos pelo SUS são
financiados com recursos públicos, inclusive medicamentos". Mas é fato
que eles não retornam em serviços de qualidade e para o abastecimento das
unidades com equipamentos e medicamentos, o que é reclamado constantemente pela
população, que tem que suplementar com consultas particulares, planos de saúde
e compra de medicamentos a custo caríssimo, penalizando duplamente o
contribuinte que já paga os impostos.
Portanto, ao contrário do
que diz o estudo que enfoca o SUS e o PSF como exemplo a ser copiado pelas
nações, a gestão da saúde no Brasil, os governantes, os legisladores, os
parlamentares e os gestores dos serviços estão dando mau exemplo para a
comunidade internacional, levando milhares de cidadãos a manifestações e
movimentos sociais reivindicatórios, pedindo que seus direitos á uma saúde de
qualidade sejam oferecidos tanto nas cidades quantos nos locais mais longínquos
do pais. Aqui no Amapá essa realidade não é diferente e para saber
concretamente sobre o diagnóstico situacional da saúde publica no estado, jamais
deverá basear-se em estudos não respaldados como esses. Temos técnicos
capacitados que avaliam criticamente as informações de saúde nos Conselhos de
Saúde, nos Conselhos profissionais e nos dados emitidos pelo IBGE, IPEA e nos
levantamentos periódicos do CFM. Não precisamos de estudos maquiados que nada
contribuem para a saúde.
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