sexta-feira, 12 de agosto de 2011


 O Furão
Milton Sapiranga Barbosa
As vezes, de surpresa, nos deparamos com situações que nos levam a navegar no tempo, nos fazendo buscar  no fundo do baú da memória, fatos de nossa infância, causos engraçados, vividos por nós ou acontecidos com nossos amigos de travessuras, de nossa época de moleque. 
Durante um jogo do campeonato amapaense de 2009, entrei no túnel  do tempo, lembrando como se comportavam os servidores da extinta Guarda Territorial, durante as solenidades realizadas no sessentão estádio municipal Glicério de Souza Marques, carinhosamente eternizado com o  apelido de Gigante da Favela, mesmo que agora o Bairro seja denominado de Central . Como bom desportista e ex-futebolista, militando na imprensa do Amapá há mais de 40 anos, sendo que 20 deles atuando como apresentador  de programa, plantonista e repórter esportivo, com passagem pelo Alô Alô Amazônia da RDM  e Rádio Nacional, fui assistir a decisão do campeonato amapaense entre Santana e São José,  no famoso clássico SanxSão,    vencido pelo São José,  pelo placar de 3 a 0, dando o tricolor do bairro Julião Ramos, o seu quarto título da  era profissional.  Ainda quando me dirigia ao Estádio  Glicério Marques, me bateu no peito uma saudade de doer, do meu tempo de repórter de campo, por pensar nos  grandes embates entre Santana e São José, quando no gramado do Glicerão desfilavam  craques como Perereca, Pedro Bala, Bronté, Guloso, Palito, Antonio Trevisani, Nego, Jucy, Haroldo Pinto, Lelé,  Timbó, Alceu, Moacir Fernandes  e tantos outros. Uns ainda estão por aqui, muitos já em outro plano.  Durante as solenidades que antecederam o clássico decisivo, a saudade voltou com maior intensidade, quando  lembrei do Jair e dos valorosos policiais da  extinta Guarda Territorial.  Eles sim, tinham respeito e amor à pátria. O porque desta afirmação? Simples. É que durante  a  execução do Hino Nacional Brasileiro  e Hasteamento  da Bandeira do Brasil, avistei, próximo ao muro  do estádio, área  dos fundos do Glicério Marques, 4  componentes da Polícia Militar, sendo 3 homens e 1 mulher, que  conversavam e gesticulavam  normalmente, não dando a menor importância  aos acordes do hino pátrio e ao lábaro estrelado que subia mastro a cima.  Recordei que no tempo da Guarda Territorial, quando a banda iniciava os primeiros acordes do hino brasileiro, os guardas  ficavam em posição de sentido, prestando continência, em respeito aos dois grandes símbolos da República Federativa do Brasil, mesmo que eles estivessem encobertos pela arquibancada, longe dos olhos de seus superiores,  não relaxavam, estavam lá,  firmes, até o “ Pátria Amada Brasil”.  Nessa viagem pelo passado, lembrei também do amigo de infância, o  Jair( torcedor símbolo do Trem Desportivo Clube e de Piratas da Batucada), e apaixonado pelo Flamengo, que uma vez  se deu mal enquanto o Hino Nacional era executado.
A molecada, das décadas de 50/60, sabendo que os guardas não abandonavam a posição de sentido,  de jeito nenhum, sempre que o hino brasileiro começava a ser executado, aproveitava para furar, pulando o cercado  ou passando por um buraco cavado por  baixo das tábuas. Esse trabalho de cavar, era feito, à noite ou pela manhã, bem cedo e depois,  camuflado com  esmero, para o velho Damião ( um baixinho invocado), administrador do estádio,  não perceber. Num jogo interestadual, hino sendo executado, o Hermenegildo Gomes de Lima, malandramente, mandou o Jair passar por primeiro no buraco, mas  não foi por gentileza, foi  para ele sondar o terreno, ver se a barra estava limpa .  Sem desconfiar que  estava sendo usado como isca, o Jair, alegre por ir na frente de todos, passou rápido a  cabeça e o tronco pelo buraco. Coitado, justamente naquele ponto, perfilado, estava o Mamédio, filho  da dona Gertrudes, um negão de quase  2 metros de altura e uns 100 quilos de musculatura, (do tipo chamado de armário), que ao perceber o penetra, descansou seu coturno 44, reforçado com sola de borracha de pneu “fenemê,  no costado  do Jair, que não pode mais  ir, nem pra frente e nem pra trás, apesar de todo esforço dos moleques que aguardavam  a vez de adentrar ao estádio sem pagar, que puxavam pelas pernas do colega e nada do Mamédio afrouxar  . Terminado a execução do hino, o Mamédio se abaixou e, num gesto rápido,  deu duas “ burrachadas”  e aliviou a pressão que fazia na costa do furão. O  Jair, com o lombo ardendo, deu uma recuada mais rápido que minhoca fugindo de predador e sumiu no rumo de sua casa, no bairro do Trem.  Daquele dia em diante, o Jair ainda deu suas furadas  nos dias de jogos, mas  nunca mais  quis  ser o primeiro a varar em  buraco feito sob o cercado do próprio da edilidade. Vá que o Mamédio  ou  o Henricão  (outro armário), estivesse lá de plantão a espera de um furão.
Bons tempos aqueles.

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