segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Ferrovia da Morte



por Gabriel Fagundes

O Brasil é um país com um subsolo riquíssimo e é sabido que, na época colonial o minério era expropriado por Portugal e antes mesmo da instauração da República, já se exportava essa riqueza. Visualizando um futuro onde o país teria Estados - antes predominantemente rurais - urbanizados, e onde inúmeras mineradoras extrairiam essas preciosidades minerarias das terras brasileiras (utilizando, principalmente, ferrovias) com o objetivo de aquecer a economia nacional, foi que o Governo Federal instituiu a lei n° 6.766, em 19 de dezembro de 1979, que trata sobre o parcelamento do solo urbano, além de dar outras providências.

O Estado do Amapá, especificamente, tem terras ricas em minério de manganês e ferro, por exemplo. Antes explorado pela Indústria e Comercio de Minérios S/A (ICOMI) e atualmente pela Mineradora Anglo Ferrous, que utiliza a ferrovia estadual que corta os municípios de Macapá e Santana para fazer o transporte do material extraído em Serra do Navio. O grande problema é que, como a reportagem constatou e você poderá visualizar, ao longo dos anos, a ferrovia passou a ser não somente um meio para o transporte minerário, mas um local de habitação definitiva para diversas famílias santanenses e macapaenses. No caso de Santana, as famílias que construíram residências ao longo da estrada ferroviária constituem hoje, em quase 90%, o bairro Jardim de Deus I; em Macapá, parte da comunidade do Distrito de Coração é que levantou moradias ao longo da ferrovia. Tal fato, que há anos não recebe a atenção que merece das prefeituras dos municípios em questão, configura uma séria problemática urbana e habitacional, como em casos de invasões em áreas alagadas (de várzea e ressacas), transgride o que propõe a legislação ambiental e, com efeito, põe em risco a vida de centenas de cidadãos amapaenses.

O que diz a legislação ambiental
Como citado no começo desta matéria, a lei n° 6.766 de 1979 foi criada para regulamentar questões concernentes ao parcelamento do solo urbano - o que se aplica no caso das construções irregulares ao longo da ferrovia em Macapá e Santana. Em seu quarto artigo, no capítulo terceiro, a lei coloca: "ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;".

Diferentemente do que é recomendado pela lei, grande parte das moradias construídas ao longo da estrada ferroviária nos bairros Jardim de Deus I e Coração, não estão fora do perímetro de 15 (quinze) metros - o que as torna irregulares e é um fator agravante, pois as famílias vivem muito mais próximas dos trilhos do que deveriam e do que permite o dispositivo legal, e diariamente correm sérios riscos de acidente. E isso vem acontecendo há décadas, pois foi uma invasão silenciosa e com a indiferença dos poderes constituídos nas três esferas e dos órgãos fiscalizadores de direito.

Casos Concretos

Santana
R.S.L, de 7 anos, sofreu
acidente na ferrovia

Como prova dos riscos físicos e sociais que a comunidade do bairro Jardim de Deus I sofre todos os dias, a reportagem pode constatar o caso do pequeno R.S.L., 7 anos, veja foto, que vive com a família no bairro santanense, o qual confessou ter sofrido um acidente de bicicleta dias antes da apuração da matéria, caindo nos trilhos da ferrovia e sofrendo um trauma craniano  que resultou na abertura de uma grande ferida na sua cabeça.

Jaime da Silva Brasil, morador
do Bairro Jardim de Deus I
Um absurdo verificado pela equipe deste jornal foi que o pai da criança R.S.L., seu Jair Leal, que é presidente da Associação do Bairro santanense, não tomou nenhuma providência ante ao caso do filho no que diz respeito a reivindicação de implementação de um mecanismo de segurança que possa evitar acidentes na localidade, ou serja, um muro de arrimo na beira do fosso férreo . Procurado para falar sobre o assunto, Jair não quis receber a equipe na sua residência e adicionou que tinha muito para falar, mas não podia por se tratar de um momento político. “Vocês vieram em hora errada”, disse.

De acordo com um morador do bairro JD I, o senhor Jaime da Silva Brasil, que trabalha e reside no local há mais de 10 anos, já aconteceram muitos casos semelhantes e outros ainda piores. “De alguns anos pra cá, duas pessoas morreram em acidentes na ferrovia, além de crianças terem caído e sofrido graves ferimentos e morrido”. Também segundo Jaime, pelo fato das ruas que ladeiam a estrada de ferro serem muito estreitas, é comum ocorrerem acidentes de carro.

Ao chegar ao local, a reportagem pode visualizar crianças brincando à beira da ferrovia e moradores transitando normalmente na própria estrada de ferro, minutos antes da passagem da locomotiva da mineradora responsável pelo local.

Macapá
Marcílio Cortês vive com a família à beira
da ferrovia há mais de 12 anos
No bairro do Coração, a equipe de reportagem teve contato com a família do senhor Marcílio Cortês, que reside no local há 12 anos. Marcílio declarou que já houve casos de morte, sendo que o principal motivo foi a embriaguez das vítimas. “Pessoas morrera
m por estarem bêbadas”, disse. Sobre viver no local, o morador enfatizou que a família já esta acostumada com o barulho do trem, e que “a maior preocupação é com as crianças. Tomamos muito cuidado e estamos sempre de olho, não deixamos elas brincarem na beira da ferrovia”, contou.


Afinal, de quem é a responsabilidade?

No perímetro de 15 metros a partir do leito da ferrovia, a responsabilidade é da empresa mineradora que opera suas atividades utilizando-a, que no caso amapaense é a Anglo Ferrous. Depois dos 15 metros, a incumbência é das prefeituras por onde a estrada de ferro passa.

Cláudio dos Santos, servidor
da 1ª Vara Cível do Fórum de Santana, mostra
os processos feitos pela Anglo Ferrous
O "X" da questão, porém, começou anos atrás, quando os cidadãos santanenses e macapaenses migraram para a área com o objetivo de edificar residências ao longo da ferrovia e, diante disso, nenhuma das prefeituras tomou quaisquer providências, nem cumpriu com o seu papel de planejar e executar uma política habitacional adequada para as famílias. Atualmente, no caso do bairro Jardim de Deus I, a questão já foi parar na justiça. De acordo com o secretário Jascinaldo Araújo, da Secretaria de Municipal de Manutenção Urbanística de Santana (SEMURIS), como as famílias vivem dentro da área de responsabilidade da empresa mineradora, a secretaria não pode intervir no caso.

A empresa Anglo Ferrous já entrou com vários processos, aos quais a reportagem teve acesso, para a retirada das famílias do local ainda no ano de 2011. Segundo informações fornecidas pelo servidor da 1ª Vara Cível do Fórum de Santana, Cláudio dos Santos, o desfecho desse caso está longe do fim. "São seis processos em que a empresa Anglo Ferrous solicita a retirada dos invasores que vivem à beira da ferrovia. Não há números exatos da quantidade de famílias que ali residem, por isso a última decisão do juiz que está tomando conta do caso foi de solicitar a empresa responsável que dê um relatório completo com dados que quantifiquem de forma correta o número de famílias que vivem no local. O processo está em andamento", finalizou o servidor.
Subsecretário da SEMDUH, Emanuel Oliveira,
ressaltou que a Secretaria vai fiscalizar residências
do Distrito do Coração

Sobre a situação do Distrito de Coração, em Macapá, o subsecretário Emanuel Oliveira, da Secretaria Municipal de Macapá de Desenvolvimento Urbano e Habitacional (SEMDUH), informou que até pouco tempo o distrito era área de expansão urbana do município de Macapá. "Todos aqueles títulos que foram expedidos para aquela localidade foram feitos pelo antigo Território ou pelo Governo do Estado, e existem lotes legalizados que não foram emitidos pelo município de Macapá, o que não nos exime de fazer a fiscalização da área para que a ferrovia transcorra dentro do padrão legal estabelecido". O subsecretário também frisou o fato que alguns lotes do Coração estão legalizados pelo Governo Federal ou pelo GE, e isso dificulta a fiscalização. "Formaremos uma equipe que deverá fazer uma vistoria no distrito e verificar aqueles lotes não legalizados e as invasões, para então tomar as providências necessárias, como solicitar a retirada dos moradores, e chamar a empresa responsável para resolver a situação", encerrou.

Outros perigos
Viver perto de lixeira pública e de torre de
alta tensão é um perigo para qualquer comunidade
A comunidade do bairro Jardim de Deus I também convive com outros dois problemas verificados pela equipe de reportagem: existe uma torre de transmissão elétrica bem próxima as residências dos moradores. E, segundo informações retiradas de uma publicação online da Editora Sol, "Quem vive ou trabalha muito próximo das torres de alta tensão, ou de qualquer outra antena transmissora, está incluído na lista de receptores inocentes. Os problemas causados por esse tipo de energia são graves e já motivaram congressos que reuniram cientistas de várias partes do mundo. 
Segundo a Fundação José Barbosa Marcondes de Estudos e Pesquisas de Efeitos de Radiações Geopatogênicas e Eletromagnéticas (Feperge) e o Cepran (Centro de Estudos e Pesquisas Contra Radiações Nocivas), é muito importante ter consciência do perigo que essas torres com suas emissões ou linhas de força representam". E acrescenta: "Na Suécia, por exemplo, estudos realizados em Estocolmo mostram a relação entre o câncer infantil e a exposição aos campos magnéticos induzidos por uma rede elétrica nessa capital.Em estudo realizado em 250 moradias, os pesquisadores da Universidade do Colorado comprovaram que o índice de mortalidade provocada por certos tipos de câncer, como a leucemia, é significativamente alto entre pessoas que vivem num raio de 40 m dos cabos de alta tensão".

Outro problema enfrentado pelos moradores do bairro santanense é a convivência diária com o mau-cheiro causado pela lixeira pública que se localiza perto da comunidade, que também põe em risco a saúde das famílias que ali vivem. O senhor Jaime Brasil, já citado nesta matéria, declarou que existem constantes casos de doenças como dengue e malária.




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