sexta-feira, 27 de setembro de 2013

ÓBITOS

ÓBITOS
Mais de 55 bebês já morreram este ano na Maternidade Mãe Luzia

Só no primeiro trimestre, 44 mortes foram registradas. No último fim de semana duas mães perderam os filhos antes do parto

José Marques Jardim
Da Editoria


Cinquenta e sete bebês morreram na Maternidade Mãe Luzia desde o começo do ano. Só no primeiro trimestre foram 44 óbitos. Grávidas estão sendo mandadas para casa por falta de leitos e os que existem não conseguem atender à demanda. Relatos de pacientes e acompanhantes dão conta que as camas de quem aguarda o parto estão sendo divididas por até três gestantes.

Mas a superlotação é um problema menor comparado com as mortes sem explicação que vêm ocorrendo no hospital. Em um dos casos o drama de uma paciente começou na quinta-feira (19) quando ela chegou à maternidade sentindo dores e contrações. A consulta revelou que o trabalho de parto havia começado, mas que a dilatação necessária ainda não era suficiente. Devido à falta de leitos, a mulher foi acomodada em uma cadeira de plástico, onde aguardaria a criança.

A família reclamou, mas foi informada de que não seria possível fazer nada devido à superlotação. "Foram horas de desconforto naquela cadeira de plástico e a situação piorou quando as dores aumentaram. A única coisa que eles faziam era ouvir o coração do bebê", relembrou Darlene Silva, irmã da paciente. A espera foi muito além do que a família pensava. A grávida teve hemorragia e ao tentar ouvir os batimentos do coração do bebê foi constatado que ele estava morto. Para Darlene e a família, o caso envolve negligência pela demora no atendimento. "Temos certeza que nossa criança morreu porque eles demoraram muito a atender minha irmã, mesmo percebendo que o coração do nenê já estava fraco. Nada foi feito. Eles agiam como se tudo estivesse bem", explicou. Darlene procurou a imprensa na segunda-feira (23). Narrou os fatos revoltada e disse que a família está em choque com o que aconteceu. A irmã ainda passa mal e chora muito pela perda do filho.

O caso da irmã da dona de casa Darlene não foi o único registrado recentemente na Maternidade Mãe Luzia. Com 44 anos de idade, Miracélia da Costa presenciou caso semelhante com a filha de 28, grávida há oito meses. A paciente, segundo a mãe, foi mandada para casa com o filho morto no ventre. O motivo foi o mesmo que obrigou a irmã de Darlene a esperar dois dias em uma cadeira de plástico, em vez de um leito, a superlotação. Em casa e sem recursos, o quadro se agravou. Desesperada, a paciente voltou para o hospital e não conseguiu ser atendida. "Só prestaram atenção na minha filha quando ameacei chamar televisão, rádio e jornal. Disse também que ia começar a quebrar tudo. Eu estava desesperada com a situaçã o da minha filha. Eu encontrei ela na calçada, um absurdo. Minha filha ali desesperada de dor e chorando", relatou Miracélia. 

 O último balanço feito pelo Hospital da Mulher revelou que houve uma sobrecarga de 40% nos atendimentos este mês. Em um único dia, 107 partos foram feitos com mais de 60 internações. Os 152 leitos da maternidade há tempos não consegue suprir a demanda que também tornou insuficiente a escala de nove médicos que segundo a maternidade, atendem de segunda à sexta-feira e 4 aos fins de semana, mas apenas um trabalha no pronto atendimento.
Para a direção do hospital, as mortes são consequência de um mal acompanhamento médico na gravidez, o pré-natal, que não é oferecido pela maternidade. Para a Secretária de Estado da Saúde, a enfermeira Olinda Consuelo, os óbitos dos bebês são normais e estão dentro da estatística. Em agosto, ela esteve na Assembleia Legislativa a pedido dos deputados e declarou que a saúde do Amapá vive hoje seu melhor momento. A frase repercutiu negativamente junto à opinião pública, principalmente para a população que precisa do atendimento público e não encontra sequer medicamentos e exames básicos. 

A morte de bebês na maternidade Mãe Luzia chamou a atenção do Conselho Regional de Enfermagem. O fato foi noticiado pelo Tribuna Amapaense há algumas edições. A manchete dizia: "Hospital da Mulher, o que o governo não mostra". Na foto de capa, leitos improvisados e mulheres deitadas no chão, o que mostra que a situação continua a mesma ou até pior.

Para se ter uma ideia da gravidade do problema, em 2011 o número de mortes de neonatais precoces chegou a 137. Os tardios foram 47. Somente em janeiro daquele ano, as mortes neonatais ultrapassaram o percentual de 55%. Em números, cada mil partos bem sucedidos, mais da metade resultaram em óbito.   

As mortes, de acordo com a maternidade, são decorrentes de infecções, o que foi reforçado pelo Conselho de Enfermagem, chamado mês passado ao hospital para verificar uma denúncia que falava da morte de recém-nascidos. Na recepção, o presidente do Coren, Aureliano Pires disse ter siso surpreendido pelo odor de esgoto. Em seguida disse: "Se houve mesmo tais mortes fica fácil saber a razão", se referindo ao mau cheiro propício a infecções. Na inspeção, o presidente detectou uma série de irregularidades, entre elas a falta de profissionais em vários setores.    


No mesmo período o Conselho Regional de Medicina recebeu um relatório assinado por 23 profissionais do setor neonatal do Hospital da Mulher, que reforçou o que encontrado na inspeção do Coren e ainda tornou público a falta de equipamentos e materiais básicos. Tudo foi encaminhado ao Ministério Público, Conselho Estadual de Saúde e Conselho Regional de Medicina(CRM).

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