quinta-feira, 26 de junho de 2014

José Alberto Tostes

Arquitetura do medo: tudo o que olhamos no entorno nos apavora
Autor: José Alberto Tostes

         De acordo com estudos realizados pelas Nações Unidas e OMS (Organização Mundial de Saúde) nas últimas décadas o comportamento do ser humano em todo o Planeta vem mudando substancialmente em relação a forma de organização social e a maneira de viver coletivamente. É cada vez mais comum os investimentos em sistemas de segurança para garantir a chamada “paz em família”. Somente a indústria da área de segurança alcança índices inacreditáveis em relação ao movimento de pessoas e equipamentos, são bilhões e bilhões de dólares, equipamentos cada vez mais sofisticados para proporcionar algum tipo de segurança. O certo é que o contexto contemporâneo também alcançou a área de arquitetura.
            Hoje em dia é muito comum de acordo com relatos do setor da indústria da construção civil, os clientes desejarem casas ou apartamentos que estejam cercados de uma parafernália eletrônica e de outros dispositivos como câmeras, cercas elétricas, portas automáticas, entre tantos outros. No caso da arquitetura tem contribuído para que os muros sejam cada vez mais altos, isolando a paisagem interior da casa da parte externa, contribuindo para a perda de integração com a paisagem na sua totalidade. A mudança de comportamento vem acrescida de outros fatores de igual importância: o crescimento das populações urbanas; o aumento do desemprego; aumento do consumo de drogas; aumento gradual dos elevados índices de violência.
             A sociedade contemporânea se refugiou na arquitetura do medo, de acordo com a associação das empresas imobiliárias nunca se construiu tantos condomínios fechados, isolados e completamente apartados da vida social externa, se formando verdadeiras cidades com características Big Brothers, com câmeras em tudo e qualquer lugar. De acordo com a Associação das empresas imobiliárias, quando um cliente procura um imóvel para comprar ou um apartamento , um dos primeiros pontos que ele averigua está relacionado a segurança interna e externa, assim como o entorno urbano, algo vinculado a psicose dos tempos atuais.
            Portanto, a arquitetura do medo também provocou nos últimos vinte anos a mudança na concepção do espaço interno da casa. Em períodos anteriores era muito comum o cliente solicitar ao arquiteto a preferência pela cozinha na parte de trás da casa, passados alguns anos, a preferência nos dias atuais está para a localização da cozinha na parte lateral e ou na frente da casa, pois este espaço ganhou uma atenção bem maior que o espaço da sala de estar ou jantar. O que se percebe é uma mudança de comportamento que também foi motivada por questões de segurança em relação ao meio externo.
         A arquitetura do medo apresenta outra faceta para ser avaliada com algum cuidado, com o aumento dos dispositivos de isolamento, ocorre na mesma proporção a perda dos valores de troca externa: o isolamento da vizinhança; a perda de identidade entre as pessoas, e por fim, a baixa interação social entre os diferentes grupos. Tão grave quanto o sentimento pela insegurança foi aos poucos perder as relações que sempre existiu quando se vive em comunidade. Diante de tal cenário, é importante refletir o que vem produzindo a arquitetura do medo em toda a sociedade?
        É evidente que assim como espaço interno por trás dos muros tem gerado insegurança, o espaço externo público também vem mudando a sua configuração social, pode-se dizer que neste caso, é o espaço público do medo. As praças, lugares públicos abertos, paradas de ônibus e feiras também vem se tornando escasso. Outros estudos mostram que a preocupação com a segurança reflete na mudança de atitude nas escolhas dos locais frequentados, troca-se a feira pelo supermercado, as lojas de ruas pelo Shopping Center, e assim por diante.
          Estaria a sociedade contemporânea assumindo um risco ainda maior de se refugiar em um tipo de sociedade cada vez mais elitista, pois para investir na arquitetura do medo é fundamental ter recursos para gastar em dispositivos cada vez mais caros. As cidades sempre foram marcadas pela relação das trocas simbólicas entre os grupos e pessoas. Para corroborar com este quadro, deve-se salientar que a internet vem contribuindo para que a sociedade venha se tornando um paralelo entre a vida real e o mundo virtual. É comum, por todos os lugares, você vê as pessoas almoçando, jantando e ao mesmo tempo estarem digitando, é como se fosse uma necessidade plena das funções orgânicas do corpo, algo preocupante quando se trata de avaliar o que estamos nos tornando.
        Então, a arquitetura do medo vem produzindo outras mudanças de acordo com especialistas, seria a redução gradual das dimensões da casa, fato que estaria relacionado a forma mais adequada do controle espacial de toda a área. Verdadeiramente,vive-se um momento paradoxal, de pensar sobre o que é viver em comunidade no novo milênio. Contraditoriamente o antídoto contra a violência é a própria organização dos grupos sociais, melhorando os níveis de qualidade de vida, reduzindo índices de pobreza, dando condições de acesso à educação e saúde. Em nada irá resolver a arquitetura do medo, se tudo o que olhamos no entorno nos apavora.



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