Jarbas de Ataíde - Médico
O BRASIL ESTÁ DOENTE: INVERSÃO DE PRIORIDADE E A CONTRADIÇÃO DO SUS
Segundo relatório recente divulgado dia 12.06.2015, pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 400 milhões de habitantes não
possuem acesso a serviços de saúde no mundo (g1.globo.com/noticia). O estudo foi feito em parceria com o Banco
Mundial, referente a 2013. Embora não tenhamos dados oficiais relativos ao
Brasil, as estatísticas do IBGE, FGV e do Conselho Federal de Medicina (CFM)
garantem que em nosso país, apesar do SUS ser um sistema universal, deixa de
prestar serviço de qualidade ou não atende milhares de pessoas.
O relatório ainda, numa visão contrária à nossa
realidade, destaca positivamente o Brasil como possuidor de um sistema oficial
universal (SUS) financiado com dinheiro público, oriundo dos impostos. Embora o
estudo seja de 2013, a OMS deveria saber que o Ministério da Saúde deixou de
aplicar R$ 10 bilhões no SUS em 2014, conforme matéria divulgada pelo CFM
(Jornal Medicina, ed.241, fev/2015). Esses dados e analises mostram o
descompasso e o mau exemplo da gestão da saúde brasileira, onde se constata má
aplicação, redução e contingenciamento de recursos e falta de financiamento do
setor.
Historicamente, ou melhor, há vários anos, a OMS
reconhece que o Brasil, mesmo tendo um sistema universal de saúde, aparece com
o menor percentual de participação do setor público na despesa per capita em saúde. Ou seja, o Brasil é
o que menos investe na rede pública de saúde, com gasto de apenas 45,7%, bem
abaixo da média mundial (61, 6 %) e da média das Américas (49,5 %), ficando
abaixo de Cuba (94,75) e da Argentina (66,5%). A execução dos gastos previstos
no orçamento (total de R$ 108,3 bilhões) representou apenas 91% (99,2 bi), cuja
metade dos recursos não aplicados deixou de fazer investimentos em obras e
equipamentos na rede pública.
O CFM, em sua análise critica, denuncia que tais medidas
por razões econômicas contrariam os princípios legais e constitucionais, e que
o setor deveria ter suas necessidades atendidas, “não podendo estar sujeitas a cortes, atrasos ou má gestão
administrativa, o que traz malefícios à população e ao exercício da boa
medicina”, afirma o Presidente Carlos Vital. Além dos cortes ocorridos em
2014, ainda haverá mais redução em 2015, o que significa deficiência no sistema
de saúde para milhões de pacientes, médicos e outros profissionais de saúde.
O absurdo e a repetição dos cortes são históricos, como
diz a própria OMS. No período de 2003 a 2014, cerca de R$ 45, 2 bilhões, deixaram
de ser aplicados e investidos, correspondente a 56% dos recursos previstos no
orçamento (R$ 80, 5 bilhões). Não há compromisso
em cumprir prazos, planos e projetos. A própria Lei 12.871/2013, que instituiu
o programa ‘Mais Médicos’, prevê e estabelece o prazo de cinco anos (até 2018),
para dotar as unidades básicas de saúde com qualidade de equipamentos e
infraestrutura. Mas na realidade, isso está difícil de acontecer com os dados e
os fatos denunciados.
Reconhecendo essas dificuldades o Ministério da Saúde
(MS) elaborou o chamado “ABC do SUS”, em discussão desde 18.10.1990, que
deveria servir de norte para o próprio governo federal, onde enumera as várias
deficiências a serem sanadas para cumprir a CF/ 88 sobre o SUS. Como os desvios
estruturantes e a desassistência não foram combatidos, ao longo dos anos, temos
hoje o Brasil contribuindo com essa situação mundial de total abandono e de
milhões de pessoas que ficam a míngua e à margem de um atendimento digno. As
deficiências constatadas são as seguintes:
- completa irracionalidade e desintegração do Sistema de
Saúde, com oferta de serviços em alguns lugares e ausências em outros;
- excessiva centralização implicando, por vezes, em
impropriedade das decisões, pela distância dos locais onde decorrem os
problemas;
- recursos financeiros insuficientes em relação às
necessidades de atendimento e em comparação com outros países;
- desperdício dos recursos alocados para a saúde,
estimado nacionalmente em pelo menos 30%;
- baixa cobertura existencial da população, com segmentos
populacionais excluídos do atendimento, especialmente os mais pobres e nas
regiões mais carentes;
- falta de definição clara das competências entre os
órgãos e as instâncias político-administrativas do sistema, acarretando
fragmentação do processo decisório e descompromisso com as ações de sua
responsabilidade;
- desempenho descoordenado dos órgãos públicos e
privados;
- insatisfação dos profissionais da área da saúde, que
vêm sofrendo as consequências da ausência de uma política de recursos humanos,
justa e coerente;
- baixa qualidade dos serviços oferecidos em termos de
equipamentos e serviços profissionais;
- ausência de critérios e de transparências dos gastos
públicos, bem como de participação da população na formulação e gestão
políticas de saúde;
- falta de mecanismos de acompanhamentos, controle e avaliação
dos serviços;
- imensa insatisfação e preocupação da população com o
atendimento à sal saúde;
- desvios de recursos da saúde em esquemas de corrupção e
tráfico de influência.
As enquetes, pesquisas e as manifestações de rua indicam
a saúde como um dos mais graves setores da administração pública, reivindicando
os mesmos itens contidos no “ABC do SUS”, que é descumprido pelos gestores das
três esferas de poder, a começar pelo federal que esta fazendo cortes
sistemáticos, do estadual que aplica mal o orçamento e do municipal que, despreparado
e sem investimento, brinca de fazer saúde como foi dito pela Comissão de Saúde
da OAB/AP em visita a UBS de Macapá. As
recentes denúncias do Sindicato dos Médicos do Amapá e da Promotoria da Saúde (MP)
indicam ‘um verdadeiro estado de guerra’ nas unidades de saúde, onde os
gestores desconhecem a Lei Orgânica da Saúde (8.080/90) e até o “ABC do SUS”,
onde constam os princípios primários norteadores da legislação da saúde. Quem
descumpre leis e subverte a ordem, pedindo paciência aos doentes, se omite da
situação existente, concordando com a Presidente Dilma que disse de que ‘o
Brasil não esta doente’.
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