quinta-feira, 25 de junho de 2015

SAÚDE EM FOCO


Jarbas de Ataíde - Médico


O BRASIL ESTÁ DOENTE: INVERSÃO DE PRIORIDADE E A CONTRADIÇÃO DO SUS

Segundo relatório recente divulgado dia 12.06.2015, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 400 milhões de habitantes não possuem acesso a serviços de saúde no mundo (g1.globo.com/noticia). O estudo foi feito em parceria com o Banco Mundial, referente a 2013. Embora não tenhamos dados oficiais relativos ao Brasil, as estatísticas do IBGE, FGV e do Conselho Federal de Medicina (CFM) garantem que em nosso país, apesar do SUS ser um sistema universal, deixa de prestar serviço de qualidade ou não atende milhares de pessoas.



O relatório ainda, numa visão contrária à nossa realidade, destaca positivamente o Brasil como possuidor de um sistema oficial universal (SUS) financiado com dinheiro público, oriundo dos impostos. Embora o estudo seja de 2013, a OMS deveria saber que o Ministério da Saúde deixou de aplicar R$ 10 bilhões no SUS em 2014, conforme matéria divulgada pelo CFM (Jornal Medicina, ed.241, fev/2015). Esses dados e analises mostram o descompasso e o mau exemplo da gestão da saúde brasileira, onde se constata má aplicação, redução e contingenciamento de recursos e falta de financiamento do setor.
Historicamente, ou melhor, há vários anos, a OMS reconhece que o Brasil, mesmo tendo um sistema universal de saúde, aparece com o menor percentual de participação do setor público na despesa per capita em saúde. Ou seja, o Brasil é o que menos investe na rede pública de saúde, com gasto de apenas 45,7%, bem abaixo da média mundial (61, 6 %) e da média das Américas (49,5 %), ficando abaixo de Cuba (94,75) e da Argentina (66,5%). A execução dos gastos previstos no orçamento (total de R$ 108,3 bilhões) representou apenas 91% (99,2 bi), cuja metade dos recursos não aplicados deixou de fazer investimentos em obras e equipamentos na rede pública.



O CFM, em sua análise critica, denuncia que tais medidas por razões econômicas contrariam os princípios legais e constitucionais, e que o setor deveria ter suas necessidades atendidas, “não podendo estar sujeitas a cortes, atrasos ou má gestão administrativa, o que traz malefícios à população e ao exercício da boa medicina”, afirma o Presidente Carlos Vital. Além dos cortes ocorridos em 2014, ainda haverá mais redução em 2015, o que significa deficiência no sistema de saúde para milhões de pacientes, médicos e outros profissionais de saúde.
O absurdo e a repetição dos cortes são históricos, como diz a própria OMS. No período de 2003 a 2014, cerca de R$ 45, 2 bilhões, deixaram de ser aplicados e investidos, correspondente a 56% dos recursos previstos no orçamento (R$ 80, 5 bilhões).  Não há compromisso em cumprir prazos, planos e projetos. A própria Lei 12.871/2013, que instituiu o programa ‘Mais Médicos’, prevê e estabelece o prazo de cinco anos (até 2018), para dotar as unidades básicas de saúde com qualidade de equipamentos e infraestrutura. Mas na realidade, isso está difícil de acontecer com os dados e os fatos denunciados.
Reconhecendo essas dificuldades o Ministério da Saúde (MS) elaborou o chamado “ABC do SUS”, em discussão desde 18.10.1990, que deveria servir de norte para o próprio governo federal, onde enumera as várias deficiências a serem sanadas para cumprir a CF/ 88 sobre o SUS. Como os desvios estruturantes e a desassistência não foram combatidos, ao longo dos anos, temos hoje o Brasil contribuindo com essa situação mundial de total abandono e de milhões de pessoas que ficam a míngua e à margem de um atendimento digno. As deficiências constatadas são as seguintes:
- completa irracionalidade e desintegração do Sistema de Saúde, com oferta de serviços em alguns lugares e ausências em outros;
- excessiva centralização implicando, por vezes, em impropriedade das decisões, pela distância dos locais onde decorrem os problemas;
- recursos financeiros insuficientes em relação às necessidades de atendimento e em comparação com outros países;
- desperdício dos recursos alocados para a saúde, estimado nacionalmente em pelo menos 30%;
- baixa cobertura existencial da população, com segmentos populacionais excluídos do atendimento, especialmente os mais pobres e nas regiões mais carentes;
- falta de definição clara das competências entre os órgãos e as instâncias político-administrativas do sistema, acarretando fragmentação do processo decisório e descompromisso com as ações de sua responsabilidade;
- desempenho descoordenado dos órgãos públicos e privados;
- insatisfação dos profissionais da área da saúde, que vêm sofrendo as consequências da ausência de uma política de recursos humanos, justa e coerente;
- baixa qualidade dos serviços oferecidos em termos de equipamentos e serviços profissionais;
- ausência de critérios e de transparências dos gastos públicos, bem como de participação da população na formulação e gestão políticas de saúde;
- falta de mecanismos de acompanhamentos, controle e avaliação dos serviços;
- imensa insatisfação e preocupação da população com o atendimento à sal saúde;
- desvios de recursos da saúde em esquemas de corrupção e tráfico de influência.
As enquetes, pesquisas e as manifestações de rua indicam a saúde como um dos mais graves setores da administração pública, reivindicando os mesmos itens contidos no “ABC do SUS”, que é descumprido pelos gestores das três esferas de poder, a começar pelo federal que esta fazendo cortes sistemáticos, do estadual que aplica mal o orçamento e do municipal que, despreparado e sem investimento, brinca de fazer saúde como foi dito pela Comissão de Saúde da OAB/AP em visita a UBS de Macapá.  As recentes denúncias do Sindicato dos Médicos do Amapá e da Promotoria da Saúde (MP) indicam ‘um verdadeiro estado de guerra’ nas unidades de saúde, onde os gestores desconhecem a Lei Orgânica da Saúde (8.080/90) e até o “ABC do SUS”, onde constam os princípios primários norteadores da legislação da saúde. Quem descumpre leis e subverte a ordem, pedindo paciência aos doentes, se omite da situação existente, concordando com a Presidente Dilma que disse de que ‘o Brasil não esta doente’.

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