quinta-feira, 24 de setembro de 2015

viajando por ai



Tio, duas por um real?


Gabriel Fagundes



Toda gente olha em volta e a fala fina vem de baixo, de uma miúda com pouco mais do que 4 anos. A casa lotérica está lotada. Ela se arrisca em oferecer para um ou dois, comigo três. Ninguém compra o produto, uns saquinhos de balinha de hortelã. Eu olho comovido, imóvel. A roupinha esculhambada mal cabe no corpo, os braços frágeis mal sustentam a caixa de balinhas.

Eu não queria dar um real. Eu queria dar muito mais. Um real, abrigo, estudo, futuro. Sim, mas eu, naquele momento, dei só um não.

Ela saiu da lotérica. Não parecia descontente, embora cansada. Parou na esquina mais próxima, ao lado de um carro, e pôs-se a oferecer.

Recebendo a mesma resposta negativa, coçou a cabeça, olhou pra trás e foi se juntar a família.

A mãe, com um bebê de colo, e os demais filhos, irmãos dela. Se contei certo eram 5 meninos.
Alguma coisa?, Pergunta a mãe. Nada, mãe, responde a pequena. Logo os irmãos se agitam.

Deixa que eu vou lá, diz um; toma, troca comigo, vende essas aqui que é mais fácil, propõe outro. Minha vez, minha vez. A mãe queria dar um grito. Com o aspecto cadavérico, sentado naquele banco de cimento da praça, só deu um longo suspiro. Ajeitou a cabeça do bebê, que tentava sugar alguma coisa do peito materno, e olhou tristonha pra baixo.

As crianças, indecisas, ainda cochichavam quem ia vender o quê. O mais velho, já alertando que a fome de ontem estava bem maior hoje, disse irritado que iria e foi. No embalo do irmão, os demais saíram e se espalharam pela praça, a oferecer dois doces ou dois saquinhos de bala em troca de um real.


E esse amor, não o vê ninguém?

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