NOMOFOBIA
Dependência digital e a nova doença da humanidade
Reinaldo Coelho
– “Não aguento mais, preciso dele”. –
O pedido
angustiado acima poderia ser comparado ao de um dependente de drogas, mas não é
de alguém que estava a apenas cinco minutos distante do celular. Ainda que
pareça exagerado, esse tipo de reação não é incomum entre crianças, adolescente
e adulto. Eles são o que muitos especialistas batizaram de vítimas da
dependência digital, e teriam o que a ciência diz poder ser, sim, um tipo de
vício.
No caso dos
smartphones, o fenômeno já ganhou até nome próprio: ‘nomofobia’. O termo vem
da expressão "no-mobile fobia",
e se refere ao mal-estar ou ansiedade apresentados quando essas pessoas não
estão com seus celulares. A definição foi cunhada há alguns anos na Inglaterra,
após uma pesquisa da empresa SecurEnvoy
mostrar que 66% dos ingleses sofriam do medo de perder ou estar longe dos seus
telefones celulares.
Enquanto o número
de usuários assíduos cresce ao redor do mundo, a ciência corre para
comprovar os malefícios do uso exagerado de Smartphone. Há pouco mais de um
mês, uma publicação da Escola de Saúde Pública da Universidade de Gênova, na
Itália, indicou que a ‘nomofobia’ deveria ser incluída na próxima versão do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicação da
Associação Americana de Psiquiatria adotada como principal guia internacional
para o diagnóstico das doenças mentais.
Para Thaise,
somente a ideia de ficar distante do aparelho, mesmo que esteja com ele nas
mãos, é assustadora. A jovem não desgruda do Smartphone nem para tomar banho.
– “Eu estabeleci que ficaria até uma e meia da
madrugada acordada com o celular, porque estava prejudicando meu sono e eu
chegava muito cansada na escola. Só que não consigo cumprir com a promessa.
Ontem fiquei até as 3h acordada com ele”.
E quando o assunto
é jantar em família, a cena se repete: a menina não larga o aparelho durante as
refeições.
– Logo pode ser o
caso de levar ela em um psicólogo, já que ela nem conversa mais direito com a
gente de tanto que fica no aparelho. E com as amigas dela é igual. Elas ficam
bitoladas – desabafa a mãe de Thaise, a técnica em enfermagem Patrícia Souza.
O fenômeno da
nomofobia foi apontado em pesquisa realizada em 2012 na França. O estudo
mostrou que 34% dos jovens de 15 a 19 anos por lá achavam
"impossível" ficar mais de um dia sem celular. Quando os números se
referem ao Brasil, a situação não parece ser muito diferente. Atualmente, há
mais de 276 milhões de aparelhos celulares com linhas ativas no país, o que
ultrapassa em mais de 70 milhões o número de brasileiros.
E a quantidade de
usuários com um comportamento abusivo supera os 20%, garante o psicólogo
Cristiano Nabuco de Abreu, autor do livro ‘Vivendo Esse Mundo Digital’ e
coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Hospital das Clínicas de
São Paulo:
– O celular é
entendido como um elemento de contato social, de recreação e de trabalho.
Dentro dele acaba existindo uma perspectiva de uso descontrolado ainda maior
que na internet, já que é portátil, ou seja, pode ser levado para qualquer
lugar. Ele é, além de tudo, um vetor de outras adições, como o uso compulsivo
de jogos de internet.
É pela variedade
de usos que a dependência não mede idade, raça, classe social, nem
nacionalidade. Para o psiquiatra Vitor Breda, membro do Grupo de Estudos sobre
Adições Tecnológicas (GEAT) de Porto Alegre, não é possível traçar um perfil
único de quem apresenta problemas relacionados à dependência – um indivíduo que
utiliza redes sociais de forma excessiva pode ser bastante diferente daquele
que pratica jogos online.
Dependência causa prejuízos físicos e mentais
Como grande parte
das dependências já descritas, a digital não é facilmente reconhecida, e muito
menos quando o assunto é a nomofobia. Afinal, hoje em dia é cada vez mais comum
encontrarmos pessoas caminhando na rua, jantando com seus parceiros, em um
encontro com amigos, dirigindo e até na sala de cinema... vidradas na tela do
smartphone.
Se você se
identificou com as situações acima, calma! Não necessariamente será enquadrado
como um dependente (ainda que tais comportamentos estejam longe de um padrão
adequado de comportamento).
– O que podemos
considerar como adição é quando determinado uso gera prejuízo, como escolar,
acadêmico, social. Ou até prejuízos mais físicos, como alteração no sono – explica
a psicóloga Aline Restano, membro do GEAT e especialista em Psicoterapia da
Infância e Adolescência.
Entre os sintomas
físicos que sinalizam que uma pessoa passou dos limites estão a dificuldade de
dormir pela ansiedade de usar os aparelhos e o "toque fantasma" –
quando a pessoa acredita ouvir o telefone tocar, mesmo que esteja sem ele.
Conforme o
psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, a angústia relatada por quem fica longe
dos aparelhos celulares levou pesquisadores a compararem a nomofobia aos
sintomas de abstinência de outras dependências comportamentais:
“Quando você repete determinado comportamento, como
por exemplo, o jogo compulsivo, depois de poucos minutos ocorre a liberação de
dopamina (conhecida como "hormônio do prazer"), que faz com que a
motivação seja aumentada, renovada, criando assim um círculo vicioso. No caso
do smartphone, este comportamento leva a pessoa à necessidade de ficar cada vez
mais conectada, em contato com o aparelho”.
E as consequências
podem ser sentidas no organismo. Nabuco destaca uma pesquisa realizada na
Coreia do Sul, que comparou os efeitos no cérebro de usuários pesados de
internet com o de dependentes de álcool e outras drogas. Em todos os casos
analisados houve desgaste significativo na bainha de mielina (uma substância
branca que envolve o neurônio e aumenta a velocidade de condução do impulso
nervoso). Esta já era uma consequência neuroquímica conhecida do consumo
abusivo de drogas, mas ainda não havia sido relatada em dependentes digitais.
Países como Coreia
do Sul, China e Japão já estão tratando a dependência tecnológica como questão
de saúde pública. Por lá, há proibição de aparelhos em escolas, estímulo ao
convívio social e à prática de esportes ao ar livre além de acompanhamento
psicoterápico. Medidas aparentemente simples, mas que podem fazer a diferença
para quem não consegue mais desgrudar os olhos da telinha.
Se ligue nos sinais de dependência
– Ansiedade e
irritabilidade quando está longe do aparelho.
– Necessidade de
aumentar o tempo gasto com o s
– Tentativas
fracassadas de permanecer longe do dispositivo.
– Perda de
interesse em outras atividades.
– Prejuízo
acadêmico, social ou de saúde.
Não vive longe do
celular? Talvez seja a hora de procurar ajuda
– O tratamento
baseia-se principalmente em psicoterapia.
– O uso de
medicamentos pode ser indicado quando a dependência está associada a outros
transtornos psiquiátricos (como depressão e ansiedade, por exemplo).
Dicas práticas para evitar o uso exagerado dos Smartfones
– Procurar
atividades que estimulem convívio social e a saúde, como a prática de esportes.
– Evitar o uso de
dispositivos em atividades em que é possível priorizar o convívio com
familiares, como encontros e festas.
– Prestar atenção
ao surgimento de problemas relacionados ao uso de tecnologias como brigas,
isolamento social, desempenho acadêmico abaixo do usual, sintomas de tristeza e
ansiedade.
– Perceber que é
possível tolerar sentimentos "negativos" (frustração, inveja,
solidão) sem necessariamente recorrer ao telefone.
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