Fake
News: a nova ameaça às eleições
Como
as notícias falsas têm mobilizado governos e empresas da era digital para
combater esse mal que ameaça a vida de todos
Janderson
Cantanhede
Em 2012 o Amapá enfrentou uma grave crise gerada
pelo desabastecimento de combustíveis. Filas imensas se formavam nos postos e a
venda do produto chegou a ser fracionada.
Contornado o problema, uma informação dada em uma
emissora de rádio local levou, novamente, os motoristas a formarem ‘filas e
filas’ afim de evitar ficarem sem o combustível. Desta vez o problema, que não
existia de fato, passou a acontecer por conta de uma fake news, que no
português significa notícia falsa.
Esta semana o papa Francisco condenou o
"mal" das fake news, dizendo que jornalistas e usuários de redes
sociais devem rejeitar e desmascarar "táticas de serpente",
manipuladoras, que fomentam a divisão para servir a interesses políticos e
econômicos.
O pontífice disse que a primeira fake news foi no
início dos tempos bíblicos, quando Eva foi tentada a colher uma maçã do jardim
do Éden, levada por informações falsas divulgadas pela serpente.
"A estratégia desse inteligente 'pai das
mentiras' é precisamente a imitação, essa forma de sedução traiçoeira e
perigosa que se insinua no coração com argumentos falsos e atrativos",
disse Francisco, referindo-se à serpente.
A declaração foi emitida após meses de debate sobre
o quanto notícias falsas podem ter influenciado a campanha presidencial dos Estados
Unidos em 2016 e a eleição do presidente norte-americano, Donald Trump.
"Notícias falsas são um sinal de atitudes
intolerantes e hipersensíveis e levam apenas a difusão de arrogância e ódio.
Esse é o resultado final da mentira", disse Francisco, no primeiro
documento do papa sobre o assunto, em que pede um retorno da "dignidade do
jornalismo".
Um documento chamado "A verdade irá libertá-lo
– notícias falsas e jornalismo para a paz", foi emitido em antecipação ao
Dia Mundial das Comunicações Sociais da Igreja Católica, em 13 de maio.
"Difundir notícias falsas pode servir para
atingir objetivos específicos, influenciar decisões políticas e servir a
interesses econômicos", escreveu o papa, condenando o "uso
manipulativo de redes sociais" e outras formas de comunicação.
A criação e compartilhamento de fake news vem
alarmando governos do mundo todo, mas poucos países expressaram tanta
preocupação quanto o Brasil. E com razão, já que vários relatórios concluíram
que notícias falsas regularmente superaram notícias reais no país em 2016. O
problema é tão grande que a polícia federal brasileira anunciou recentemente
planos para encontrar e “punir autores de 'fake news'” antes da eleição
presidencial que promete ser tensa neste ano.
Ameaça
nas eleições de 2018
A nove meses das eleições gerais, agora é o Brasil
que se vê diante do problema. Com um debate polarizado, o país corre contra o
tempo. Diferentes instituições públicas convocam debates sobre medidas que
podem ser adotadas para garantir um processo eleitoral democrático e
transparente. Algumas propostas preocupam movimentos sociais, que temem que o
alarde em torno das notícias falsas leve ao controle dos conteúdos pelas
plataformas digitais e, com isso, à censura na internet.
Atualmente, o Marco Civil da Internet permite
empresas como o Facebook a adotar políticas para manutenção ou remoção de
determinado conteúdo, caso a informação ofenda os termos de uso. Além disso,
estabelece que a plataforma remova os dados em caso de decisão judicial neste
sentido.
Na Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão
e Notícias Falsas (Fake News), Desinformação e Propaganda, órgãos das Nações
Unidas trataram da questão. Apontam que as fake news corroem a credibilidade da
imprensa e interferem no direito das pessoas à informação.
Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 7.604 de
2017, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), prevê a responsabilização de
provedores de conteúdo nas redes sociais em casos de divulgação de informações
falsas, ilegais ou prejudicialmente incompletas. A multa nesses casos seria de
R$ 50 milhões no caso de a plataforma não retirar o conteúdo em até 24 horas.
De acordo com o texto, os provedores de conteúdo devem criar filtros e regras
para a publicação de conteúdos de modo a definir e restringir o que pode ser
veiculado em suas páginas, perfis e outros espaços virtuais.
Outro projeto do deputado, o de número 6.812 de
2017, transforma em crime “divulgar ou compartilhar, por qualquer meio, na rede
mundial de computadores, informação falsa ou prejudicialmente incompleta em
detrimento de pessoa física ou jurídica”. A pessoa que cometer o ilícito pode
ser condenada a pena de dois a oito anos e pagar multa de R$ 1,5 mil a R$ 4
mil.
O PL 8.592 de 2017, do deputado Jorge Corte Real
(PTB-PE), vai na mesma linha ao incluir no Código Penal a prática de “divulgar
ou compartilhar, por qualquer meio de comunicação social capaz de atingir um
número indeterminado de pessoas, informação falsa ou prejudicialmente
incompleta, sabendo ou devendo saber que o são”. O texto prevê penas menores,
de um a dois anos.
Em uma campanha eleitoral de apenas 45 dias, uma
exposição negativa decorrente de notícia falsa pode significar o fracasso de um
candidato, além de outros danos. “Não podemos nos negar a entender essa
realidade”, ressaltou o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes. Ele ponderou
que a tentativa de prejudicar adversários por meio de informações falaciosas
sempre existiu, mas que o novo é a velocidade da disseminação desses conteúdos
e sua abrangência, por meio da rede de computadores.
A pesquisa TIC Domicílios 2016, do Comitê Gestor da
Internet no Brasil, identificou que as atividades mais comuns executadas na
rede são o envio de mensagens instantâneas (89%) e uso de redes sociais (78%).
A maior parte desses fluxos se dá em plataformas de uma mesma empresa: o
Facebook, que também controla o aplicativo para celulares Whatsapp. Além da
concentração econômica, há o desafio de efetivar regras, pois as corporações
que atuam na rede são, em geral, internacionais. “[No caso das fake news],
muitos sites estão instalados em países longínquos e com a institucionalidade
muito débil, o que dificulta a cooperação judicial”, ressalta Gilmar Mendes.
A empresa Google apontou que cerca de 0,25% do
conjunto de pesquisas do tráfego diário que recebe contém conteúdo ofensivo ou
claramente enganoso. Para ajudar a prevenir que conteúdo desse tipo se
espalhem, a Google disse que trabalha, desde 2016, em iniciativas diversas para
melhorar o serviço de buscas, esforço que inclui criação de um selo de
verificação de fatos; medidas para impedir a monetização de fake news na
plataforma de publicidade digital AdSense e mudanças no algoritmo da busca para
privilegiar “conteúdo de qualidade”.
Novas diretrizes de busca “vão ajudar nossos
algoritmos a rebaixar esses conteúdos de má qualidade e nos ajudar a fazer outras
melhorias com o tempo”, destaca a companhia em resposta. A empresa não comentou
o questionamento sobre a subjetividade da descrição que pode ser feita baseada
no conceito de “teorias da conspiração”. Citou, sobre isso, que pessoas foram
contratadas para avaliar os novos mecanismos e sinalizar “melhor o que pode ser
uma informação enganosa ou forjada, resultados ofensivos inesperados e teorias
da conspiração sem fundamento”.
Enquanto outros mecanismos não são definidos pelas
instituições, cabe à população ficar alerta para não formar sua opinião sobre
notícias falsas. Diretora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila apontou ações
que devem ser adotadas pelos internautas, como manter uma postura de
desconfiança em relação ao que acessa; verificar a data da publicação do
conteúdo; questionar o interesse do autor e ver se a URL – o endereço virtual –
é estranha. Consultar bases de dados confiáveis, como as do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE) também é uma dica para confirmar o
que consta nas informações que circulam na rede.
Combate a Fake News no
Brasil
Com as eleições gerais deste ano, a tendência é crescer
esse crime cibernético. Porém, as instituições federais e estaduais como PF,
TSE, PGR, PRE, MPE e MPF Eleitoral iniciam ofensiva contra a disseminação de
notícias falsas em aplicativos de mensagens e nas redes sociais.
As autoridades federais fecharam o cerco
contra as “fake news” e têm adotado mecanismo de punição para quem divulga as
informações falsas. A atenção deverá ser redobrada, já que neste ano acontecem
eleições gerais.
No início deste mês de janeiro, a PF anunciou
em Brasília a formação de um grupo de trabalho para tentar frear a divulgação
de notícias falsas. O TSE em dezembro montou o Conselho Consultivo sobre
Internet e Eleições. A Corte Eleitoral irá montar um esquema de combate ao fake
News em todo Brasil em parceria com os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). A
equipe será composta também por técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e
da Procuradoria Geral da República (PGR). Já em fevereiro, uma equipe do FBI
ajudará a PF na montagem de um modelo de combate às fake news, com um conjunto
de normas com punições em relação à disseminação de informações falsas.
O conselho reuniu-se na sede da Corte na
segunda-feira (15) para tratar do tema fake news e eleições 2018. No encontro,
foram discutidas as medidas a serem tomadas para coibir o uso e a propagação
das fake news nas eleições deste ano, bem como eventuais normas que serão
propostas.
Ações no Amapá
O assessor da presidência do Tribunal
Regional Eleitoral do Estado do Amapá (TRE) em conversar com a reportagem
explicou que o assunto foi pauta de um encontro que realizou-se na quinta-feira
(25) entre o TRE/AP, Escola Judiciária Eleitoral, Secretaria Judiciária e
Procuradoria Regional Eleitoral. Na pauta a minirreforma eleitoral e o fake
News.
“Através dessa reunião, deveremos promover um
encontro com a participação de especialista em Tecnologia da Informação e sobre
o centro da pauta o ‘fake news’. Queremos a participação além dos
especialistas, das autoridades, partidos, pretensos candidatos e advogados.
Principalmente da OAB/AP. Visto que o assunto já foi e está sendo preparado uma
resolução a nível de TSE, que deveremos nos basear para montarmos o sistema de
recebimento de denúncia e investigação”, dissertou o assessor Seixas.
Mesmo sem ainda ter uma legislação
específica, alguns casos já começam a ser resolvidos. No Espírito Santo, por
exemplo, um empresário foi indiciado por espalhar, em 2014, uma pesquisa
eleitoral falsa na internet. O inquérito
foi fechado em 5 de julho de 2017. Agora, cabe ao Ministério Público Eleitoral
(MPE) oferecer ou não denúncia contra o empresário.
Punições já estão acontecendo
As autoridades policiais explicam que
dependendo do contexto da prática criminosa, a disseminação de notícias falsas
pode ser qualificada como injúria, calúnia, constrangimento ilegal ou até
identidade falsa, quando uma pessoa cria um perfil falso para realizar as
publicações. Conforme o Código Penal (CP), os infratores poderão ser submetidos
a penas de reclusão e multas.
MPF/Eleitoral preparado
Quanto as ações do MPE/AP a assessoria de
comunicação do órgão explicou que cabe a Procuradoria Geral Eleitoral e ao
Ministério Público Eleitoral as ações referentes ao pleito eleitoral que se
aproxima.
O Ministério Público Eleitoral no Amapá vai
acompanhar com atenção a ocorrência de fake news durante o período de eleições.
Denúncias sobre ilícitos eleitorais podem ser feitas utilizando os canais
destinados a esse fim. Pela internet, o usuário pode acessar a Sala de
Atendimento ao Cidadão no endereço cidadao.mpf.mp.br ou utilizar o aplicativo
gratuito SAC MPF. Também é possível noticiar ilícitos pessoalmente na sede do
Ministério Público Federal a Avenida Ernestino Borges, 535 – Centro.
Delegacia especializada
O Amapá, não possui delegacia especializada
para o crime cibernético. O Delegado Alan Moutinho, da Inteligência da Policia
Civil do Amapá, explicou que om referência aos crimes expostos na internet,
através das redes sociais, deve ser feito os Boletim de Ocorrências em qualquer
delegacia do Bairro ou através da Delegacia Virtual. E que já ocorreram
diversas denúncias em Macapá e que estão com a investigação em andamento.