CARTA
À PRESIDENTE DILMA SOBRE A MÁ GESTÃO NA SAÚDE PÚBLICA
Falar e avaliar o setor de saúde nos
últimos anos tornou-se assunto rotineiro, desde os protestos de junho de 2013.
O Conselho de Medicina (CFM) com seus relatórios e fiscalizações, mostrou e
filmou, in loco, paciente sendo atendido no chão no Hospital de Emergência de
Macapá. Denuncias e mais denuncias de
corrupção envolvendo gestores da saúde foram feitas nos jornais amapaenses. O
programa Fantástico no domingo (18.05) mostrou a precariedade do atendimento
nos hospitais públicos, além de outras matérias sobre a saúde.
Enfim, são
fatos notórios e repetitivos que ocorrem não só no setor público, mas também no
privado, como na analise da matéria da revista Época (edição nº 832, de
21.05.14). O setor privado se caracteriza não só pela carestia dos serviços,
mas pela cobrança exorbitante dos materiais e insumos, e do valor das contas e
faturas de tratamentos particulares, algo cruel para quem não pode pagar.
Diante desse
quadro, que mostra a desorganização do setor público, falta de gestão e
racionalidade no uso dos recursos da saúde, cujos responsáveis não são os
médicos, vem a Presidente Dilma dizer que os médicos estrangeiros são “mais humanos e atenciosos” (se referido aos
cubanos) que os médicos brasileiros. Com todo o embate gerado pelos últimos acontecimentos
(entre eles os vetos à Lei do Ato Médico), as afirmações atribuídas à
Presidente causaram revolta nos órgãos
da classe médica.
Refutando as
alegações da gestora federal, que está em plena campanha para reeleição, o CFM
encaminhou carta aberta dos médicos brasileiros ( em 1 de Maio, Dia do
Trabalhador) lembrando o ato heróico e corajoso de muitos médicos ao atender sem
as condições dignas de trabalho, em locais distantes dos centros urbanos, sem
infra-estrutura, desmotivados por remunerações indignas em relação ao relevante
serviço que prestam à população, e que, portanto, merecem reconhecimento. Temos
10 mil cubanos no programa “Mais Médicos”, que não votam, e 400 mil médicos
nacionais, que terão o poder do voto nas próximas eleições. Comentário desse
tipo, em véspera de eleição, pode significar perda de votos, principalmente de
uma categoria que está diuturnamente em contato com a população e que esta
sendo acusada injustamente.
Apesar dos
melhores salários, carreiras e condições de trabalho estarem na esfera da
justiça (juízes, magistrados, promotores e desembargadores), isso não poupa a
classe judiciária de estar na mídia local e nacional, o que derruba o falso
argumento de que bons salários e carreira evitam a corrupção. No Legislativo
estadual do Amapá e na Câmara de Vereadores as fraudes e ganhos parlamentares
exorbitantes também são uma realidade, com denuncias do Ministério Público.
Ninguém escapa da tentação do ganho fácil, do enriquecimento ilícito e da
corrupção.
Mas de
repudiar as afirmações e relembrar a situação do país gerido pela Presidente
Dilma, o CFM cita na carta uma série de dados e números, tirados da própria
analise e dos dados do Ministério da Saúde, cujo ex-gestor, Alexandre Padilha, que
infelizmente é Médico e candidato ao governo de São Paulo, assim escreve o
CFM:
CARTA ABERTA À PRESIDENTE DILMA
ROUSSEFF
Brasília,
1º de maio de 2014
“Neste 1º de maio, data em que internacionalmente se comemora o Dia do
Trabalhador, nós, médicos brasileiros, de forma respeitosa, estamos indignados
com comentários atribuídos à V. Exª. De acordo com notícias publicadas pela
imprensa, V. Exª. disse que "eles (médicos cubanos) são mais atenciosos
que os brasileiros". Tal afirmação representa mais uma agressão direta e
gratuita aos 400 mil profissionais que têm se empenhado diuturnamente no
suporte às políticas de saúde e no atendimento à população nas redes pública e
privada”.
A carta fala que alguns poucos médicos foram brutalizados e
vilipendiados pelas carências, desmotivação e incompetência dos gestores: “ desmotivados
e sem esperança, tentam seguir adiante sem as mínimas condições de exercer uma
medicina de qualidade e nem de estimular uma boa relação médico-paciente.
Continuando comentando as inúmeras orientações e propostas entregues
pelas entidades médicas, cita: “aumento de investimentos em saúde, a
modernização da gestão e a criação de uma carreira pública para os médicos e
outros profissionais do SUS”, [mas] “nunca obtivemos resposta”.
Finalmente passa aos números que mostram a real situação de crise e do
caos na saúde:
“O Brasil ficou em último lugar -
entre 48 nações – num estudo internacional sobre a eficiência dos serviços de
saúde, atrás de países como o Chile, a Argentina, o Equador e a Argélia; o
governo é responsável por apenas 47% de tudo o que é gasto em saúde no país. Em
países com sistemas universais como [o SUS, tais como] Inglaterra, Canadá,
Espanha, Portugal e França), [os investimentos] ficam acima de 70%.
O Cadastro Nacional (CNES) mostra que,
desde janeiro de 2010, foram desativados quase 13 mil leitos na rede pública, [cortes
que têm] prejudicado, especialmente, as internações nas áreas de psiquiatria (-
7.449 leitos), pediatria (-5.992), obstetrícia (-3.431) e cirurgia geral
(-340).
“Análise do orçamento da União prova que dos R$ 47,3 bilhões a serem gastos
com investimentos pelo Governo Federal, em 2013, o MS [desembolsou] apenas 8,2%
dessa quantia. Em 2013 dos 9,4 bilhões o governo desembolsou somente R$ 3,9
bilhões. Em uma década (2001 a 2013) de R$ 80,5 bilhões para investimento,
apenas R$ 33 bilhões foram aplicados, deixando de aplicar na saúde pública R$
47, 5 bilhões. “Com este recurso, seria possível adquirir 386 mil ambulâncias
(69 para cada município brasileiro); construir 237 mil Unidades Básicas de
Saúde (UBS) de porte I (43 por cidade); edificar 34 mil Unidades de Pronto
Atendimento (UPA) de porte I (seis por cidade) ou, ainda, aumentar em 936 o
número de hospitais públicos”
Das 24.066 ações do PAC sob responsabilidade do MS ou da FUNASA, pouco
mais de 2.500 foram finalizadas até dezembro do ano passado. Cerca de 50% das
ações previstas ainda continuam no papel. [Isso mostra a lentidão no trato com
a saúde, enquanto que nas obras da Copa foram dadas prioridades].
O relatório do TCU, referente ao tema da Assistência Hospitalar no SUS,
revela problemas graves iguais aos detectados pelo CFM. Outro relatório “da
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) –
resultado de visitas a urgências e emergências de todo o país – confirmou o
quadro grave no qual se encontram essas áreas do atendimento, classificado como
de penúria sistêmica”.
Finalizando, o CFM, conclui dizendo que os relatos e as informações
mostram o “cenário desolador e sugere a necessidade de ações imediatas por
parte do Governo. Finalmente, acreditamos que mais que ninguém a Senhora pode
testemunhar sobre a competência, o respeito e o carinho com que os médicos
brasileiros tratam seus pacientes”. [Lamenta o fato de não serem lembrados e
nem valorizados os profissionais médicos brasileiros e estrangeiros, que], “como
qualquer outro trabalhador, merecíamos ao menos o reconhecimento pelo que temos
feito por todos os nossos pacientes – inclusive a Senhora – e pela saúde do
país”.
JARBAS DE ATÁIDE, Médico. Macapá-AP, 02.06.2012.
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