sexta-feira, 8 de julho de 2011

Breve ensaio sobre uma crise ontológico-epistemológica

         Quanto mais estudo, mais percebo que menos sei! Talvez alguém já tenha dito tal frase antes, mas a academia, atualmente, vive esse "mal estar". Qual é o mal-estar? O de acreditar (sem ter certeza) que tudo o que se diz, o que se escreve, o que se vê é "representação" (como diz o filósofo Gaston Bachelard). Representação criada pelo homem. Não se sabe se representação apenas dos sentidos humanos (como para Locke e Hume) ou se do cérebro.Para Descartes e os racionalistas é apenas a razão que conhece e a lógica "salva" a razão. Mesmo com Kant e sua síntese entre empirismo e racionalismo, ainda é a razão que prevalece. No século XIX, Comte acreditou que o homem chegara à idade adulta, à idade da ciência. No mesmo século, a Inglaterra dominava 31 territórios no planeta, havia se produzido nos trezentos anos de capitalismo mais riqueza do que em todo o resto da história da humanidade e a Europa dominava completamente a África. A ciência (razão) européia (incluindo aqui a tecnologia) permitiu isso, mas também permitiu a destruição de muitos povos e da natureza.Foi Marx quem denunciou que o capitalismo é uma estrutura injusta de distribuição de riquezas e que o homem é condicionado pela materialidade e pela sua história. Isso condiciona o modo de produção e este, aquilo que o homem pensa. Logo, é a materialidade histórica que vivemos que nos faz pensar o que pensamos e não o contrário.
Mas o mal-estar é maior. Galileu e Copérnico mostraram que o homem não é centro do Universo. Darwin anunciou que o homem não é um "ser divino", mas um primata evoluído. Nietzsche desmontou a moral e a religião cristãs que sustentavam os Estados-nação europeus e serviam de referência para o cotidiano dos cidadãos comuns. Freud deu mais um golpe na "autonomia" do homem ao inventar o conceito de inconsciente (invenção, pois onde está o Id dentro do cérebro humano?).Essa desreferencialização da vida cotidiana, advinda pela Filosofia que sempre foi balizadora de valores, criou a crise. Se Marx viu que até a Filosofia, que era referência, é ideologia, Adorno e Horkheimer viram que a cultura (que chamaram de massas) pode ser ideológica e repressora. Além de tudo isso, com Bachelard e Thomas Kuhn reflete-se que a ciência não evolui. Parece que não há uma linha a seguir, há rupturas, saltos. Acumular conhecimentos não significa evolução da ciência, pois de uma hora para a outra se pode descobrir que tudo está equivocado. Brincando: talvez a única certeza é que não há certezas!Com Foucault percebe-se ainda mais que talvez a única coisa que nos cabe é representar, mas até mesmo nossa representação já é representação de outra representação, porque para representar usamos palavras que também são representação. Com isso, desmorona a ilusão moderna das certezas.Concluindo, esse texto que você lê também é uma representação de representações. Se toda ciência que produzimos é representação, que valor há em produzi-la? Talvez o valor seja o mesmo que teve a invenção do conceito de Id (inconsciente) e que levou supostamente alguém à cura. Assim é possível que qualquer representação de outras representações escrita em forma de tese por alguém possa tornar-se referência para outras representações. Mas pode ser também que esse raciocínio seja apenas para amenizar os efeitos da crise como uma aspirina conforta temporariamente a enxaqueca, e dizer isso já é representar uma coisa com outras coisas.

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