segunda-feira, 11 de março de 2013

Antenados - De luto por Gatsby


Fazia já algum tempo que eu não ria junto com meu narrador, impressionava-me com uma fina ironia, emocionava-me ante o trato com as palavras na hora de descrever cenários, roupas, ânimos, caráteres, e de pintar imagens tão precisas e ao mesmo tempo tão subjetivas, capazes de convencer e impactar até o leitor mais desatento.

Então encontro Nick Carraway, este narrador-personagem um tanto melancólico, eu diria até lacônico, mas de humor ágil, observações sagazes e acidez mordaz, tudo misturado a seu comportamento calcado em forte noções de honra e lealdade, ainda que algumas vezes pareça ter o valor de suas atitudes comprometido pelo excesso de confiança e condescendência dispensado a todo tipo de personagem que lhe cruza o caminho.

Apaixonei-me por Nick Carraway, e tanto mais por suas palavras, ao mesmo tempo em que ia amando e desprezando, hora sim, hora não, todos os seres que compuseram a história, forjados através das lentes deste narrador.

Comecei a ler "O grande Gatsby" lá pelas quatro da manhã desta última quarta-feira e terminei por volta das nove. Há quem possa dizer agora: "Leu tão devagar, para quem tanto gostou!". Em minha defesa, explico: Acontece que, quando topo com algum trecho que realmente me fascina, releio e releio, só para o gosto das palavras permanecer em minha mente por mais alguns minutos...

A história de Gatsby me fez chorar - metafórica e literalmente. Sorri com a ironia refinada, martelei a cabeça em alguns pequenos mistérios literários, debochei de certos comportamentos, quase me escandalizei, arregalei os olhos outras tantas vezes, parei para respirar, e, por fim, chorei.

Agora estou de luto por Gatsby. Mas não só por Gatsby, mas também por todos os outros grandes que já me deram o prazer de cruzar minha curta peleja literária até aqui. Estou de luto porque, sempre ao terminar um desses grandes livros, vem aquela melancolia mansinha..., que logo dá lugar a uma brutal sensação de vazio, abandono e solidão. O livro acabou. Um livro maravilhoso. O que fazer da vida agora?

Quando entro nessa famosa zona da "depressão pós-livro", me vêm à mente as palavras de Umberto Eco a respeito de uma das funções - quem sabe a primordial - da Literatura. Ela nos ensina a morrer. E não é que também experimentamos, de fato, a sensação mais crua da morte toda vez que um bom livro acaba?

Entretanto, por outro lado, mais otimista, é de se esperar que todo bom livro nos deixe essa sensação de vazio filosófico, ao mesmo tempo em que nos preenche de maneira inestimável. Todos os bons livros vão deixar você na fossa assim que terminá-los. Você os devorará, e eles o devorarão de volta. O fim da leitura parecerá ingrato, mas, enfim, a revelação... Algo mudou em sua vida. É isso o que um bom livro faz: ele retroage sobre a vida do leitor, modificando-a, modificando-o.

Robert Jauss, em uma de suas teses que tratam sobre a Estética da Recepção (em linhas simplistas, explico a Estética da Recepção como a teoria que relaciona os efeitos da leitura à vida prática do indivíduo; investiga de que maneira a Literatura age sobre a sociedade), fala sobre isso: "A função social somente se manifesta na plenitude de suas possibilidades quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativa de sua vida prática, pré-formando seu entendimento do mundo e, assim, retroagindo sobre seu comportamento social".

É isso o que os grandes livros fazem: nos chacoalham e nos revolucionam. E pode até ser que a predisposição de um indivíduo se reflita negativamente em sua leitura, caso o sujeito não se prepare anteriormente para começar a ler, por exemplo, as aventuras de Dom Quixote, ou "O vermelho e o negro", ou até mesmo "O grande Gatsby". Aí acaba se vendo desestimulado, enfadado, estacionado na página vinte, adormecido com o livro aberto no peito...

Esses comportamentos depois geram comentários do tipo: "Achei a leitura maçante!". Mas tais ocorrências são tratadas com certa condescendência pelos autores desses grandes livros, porque eles sabem que a tendência de suas histórias é tocar os indivíduos de tal forma, que essas pessoas jamais voltarão a ser o que eram antes de virar a folha do rosto.

Desafio meus leitores a procurarem pelas palavras de Nick Carraway, ou ainda, de Scott Fitzgerald, nas páginas de "O grande Gatsby". Convido-os a enlutarem-se comigo, e depois me digam o que acharam da leitura. Se alguém levar este desafio realmente a sério, mande-me um e-mail contando sua experiência:
costaribeirobarbara@gmail.com. Aguardo.      

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