sábado, 16 de março de 2013

Câncer: Pacientes morrem por falta assistência

Por Reinaldo Coelho
Portadores de câncer internados na UNACOM, do Hospital das Clínicas
Alberto Lima, sofrem com a falta de medicamentos para continuarem seus
tratamentos de Quimioterapia, e gastam fortunas para realizar a Radioterapia, inexistente no Estado
 Só quem já acompanhou um paciente de câncer sabe como essa doença é cruel. Ninguém quer pensar sobre o assunto. Muitos evitam até pronunciar a palavra, cuja origem latina quer dizer "caranguejo", provavelmente por causa da semelhança entre as pernas do crustáceo e os tentáculos do tumor. Não admira que o câncer seja encarado pela maioria das pessoas como uma sentença de morte. Nas últimas décadas, apenas a AIDS ameaçou roubar-lhe o título do mal que causa mais horror e pânico à humanidade. Há, no entanto, uma diferença fundamental: a AIDS o paciente pode prevenir totalmente. O câncer, não! Descontados alguns fatores de risco, ter ou não ter a doença é uma loteria, que mata por ano mais de 4 milhões de pessoas no mundo, 90 mil só no Brasil.

Passar por uma experiência como esta pode ser um dos estágios psicológicos mais destrutivos que uma pessoa pode vivenciar. É o caso da dona de casa Néia, que está há dois anos e três meses com o C53 - Câncer no Colo de Útero. Ela contou a reportagem sua Via Crucis: "Quando foi detectada a doença, eu procurei tratamento em Belém, o primeiro obstáculo foi conseguir passagens, resolvi desde 2012 a fazer as sessões de Quimioterapia aqui em Macapá na Unida Oncológica do Estado. Fui encaminhada para Santarém (PA) para fazer a Radioterapia por não existir o serviço aqui".

Neide destaca que vem fazendo o tratamento exaustivamente, porém as barreiras são muitas. "Infelizmente o meu maior problema, além da preocupação com doença, é o sofrimento físico é o desgaste psicológico que passamos por não termos a certeza de que ao chegarmos aqui teremos os remédios necessários para dar sequência no tratamento. Em setembro de 2012, chegou a não ter o equipamento próprio para aplicação dos remédios quimioterápicos, pois eles são muitos fortes e não podem receber a iluminação ambiente. O que não se pode reclamar aqui na unidade é quanto ao corpo medico e de enfermagem, eles fazem o que pode, porém, quanto aos suprimentos, é todo falho, não recebemos os remédios para controlar os efeitos colaterais da quimioterapia, como o enjoo. Hoje, eu cheguei aqui, pois fui operada e estava com febre e enjoo e não tinha Nausedron e tive de gastar R$ 51 para comprar".

Sandoval (42), o esposo de Neide, emocionado, diz que a família e os amigos sofrem junto com ela e que ele só ainda não vendeu sua casa, porque não encontrou quem comprasse. "É muito sofrimento, pois o tratamento não é garantido, não pode haver interrupção, faltam sempre medicamentos e temos de correr para comprar, e eles são caríssimos e muitas vezes temos de entrar com recursos na justiça, porém demora demais e o Câncer não espera. Estamos gastando o que não temos até a nossa residência já colocamos a venda. E as autoridades sempre afirmam 'vai ser resolvido' e nos perguntamos: será que vou alcançar?".

Um caso semelhante aconteceu com um cidadão que não quis ter seu nome citado na matéria, após a detectação de um câncer pulmonar, procurou o centro especializado em São Paulo e deverá gastar R$ 18 mil por mês com remédio para o tratamento, o que totalizará em um ano R$ 216 mil. O alto custo do tratamento do Câncer foi o que se evidenciou no início da reportagem com a dona Néia, que está vendendo sua residência para custear os remédios do seu tratamento.

Denúncia
Presidente do IJOMA,
Padre Paulo Roberto
Esta situação vem sendo denunciada pelo presidente do Instituto de Câncer Joel Magalhães (Ijoma), Padre Paulo Roberto, que há três anos luta pelo respeito ao paciente cancerígeno, compara a situação do Amapá ao último dos escândalos nacionais na saúde, sobre a morte de sete pacientes na UTI do Hospital Evangélico de Curitiba (PR), para liberar leitos. "A realidade da oncologia no Amapá comparo a de Curitiba, e digo: os doentes de Câncer são muito mais graves do que se imagina. Por falta de medicamentos está sendo escolhido quem os toma. Eu tenho provas disso. É só verificar a relação de medicamentos existentes na Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (CAF) e na Farmácia Oncológica".

Na denúncia, o presidente do IJOMA diz que o único tratamento pós-cirurgia no Estado é o de quimioterapia, que envolve um coquetel de remédios essencial para o combate ao prosseguimento do desenvolvimento do tumor, e pela falta de alguns desses medicamentos que compõem o pacote quimioterápico, o tratamento é interrompido, levando muitas vezes o paciente portador do câncer a óbito.

"A precariedade do tratamento de câncer é tão grande que a farmácia do setor de oncologia está totalmente vazia. Hoje estão em falta pelo menos 20 medicamentos indispensáveis aos pacientes. Na falta deles, o tratamento é interrompido e o quadro dos doentes se agrava até a morte, em alguns casos. Não existe a palavra esperança no nosso vocabulário", disse o Padre.

Secretário Adjunto da SESA,
Robério Monteiro
A reportagem após registrar as denúncias do presidente do IJOMA, procurou a Secretaria Estadual de Saúde (SESA) e foi recebida pelo secretário adjunto Robério Monteiro, o qual explicou que já tinha conhecimento dos fatos apresentados e que as mortes de pacientes por falta de medicamentos estão sendo apuradas pela Secretaria, e que nesta primeira quinzena de março, ocorreu realmente a falta de medicamentos. "Faltaram cinco medicamentos oncológicos na rede em razão das duas empresas que prestam serviços para a SESA, a Expressa e Oncoprod, mesmo tendo o empenho nas mãos há 30 dias, não o cumpriram. A serem acionadas, elas providenciaram a entrega de quatro medicamentos e esta em falta um deles que é o Oxiliplatina que deverá ser entregue nesta sexta-feira (15)", explicou o secretário.

Com relação à denúncia de que na Unidade de Assistência de Alta Complexidade (Unacom) é escolhido o paciente para receber o tratamento, Robério diz que não verdade. O que é feito, segundo ele, é um rodízio entre os pacientes. "Nenhum paciente fica sem tratamentos, o período de intervalo no tratamento que deveria ser de 20 em 20 dias, foi esticado para de 28 a 30 dias para que não falte tratamento para ninguém. Quero deixar claro que até no fim o mês estará tudo regularizado. Quanto à morfina, realmente estava em falta, porém estávamos utilizando o Tramadol, que está suprindo essa necessidade", expos Robério.

O chefe do Serviço de Oncologia do Unacom, doutor Benjamim Barbosa, contestou à reportagem que existe um Protocolo Internacional que estabelece as regras para o tratamento. "O diagnóstico do Câncer, infelizmente, em 70% dos casos é feito tardiamente. Aqui no hospital Alberto Lima, o tratamento oferecido é a Cirurgia e Quimioterapia Oncológica, quanto a Radioterapia, não temos no Estado. Quanto a Quimioterapia, ela segue protocolos internacionais. Eles são baseados em mais de um tipo de medicamento", explica o medico.
Quando um dos medicamentos falta, o médico oncológico Benjamim esclarece que não adianta fazer o protocolo pela metade, que ele não terá efeito. "Muitas vezes temos dificuldades nesse serviço, por falta de medicamentos e isso prejudica o tratamento do paciente", define.

Chefe da UNACOM,
Doutor Benjamim Barbosa
Quanto ao rodízio de dias (28 dias), relatado pelo secretário Robério, para ser aplicado o protocolo quimioterápico, o médico questionou dizendo que isso não existe. "Primeiro isso não é verdade, nenhum médico vai quebrar o protocolo que é de 21 dias e deve ser cumprido, só existe adiamento quando o paciente está com baixa imunidade e são poucos casos. Mas ser prolongado os dias do tratamento por conta própria do medico, não existe isso. Se o secretario falou, foi equívoco da parte dele. Pois, quando o protocolo é quebrado e você passa do período, que geralmente é de três semanas (21 dias) você já perdeu, pois o mecanismo de defesa já criou barreira para o tratamento. Em muitos casos, a doença progride", expõe o médico Benjamim.

Óbitos
Pelas estatísticas do IJOMA, nove em cada dez pacientes com câncer no Amapá morrem por falta de tratamento. O número de pacientes cadastrados no instituto é de 333 pessoas; dessas, 100 já vieram a óbito entre 2010 e 2012, e somente neste primeiro trimestre, seis já faleceram. "Essa estimativa é do nosso Instituto e eu tenho provas documentais desses dados. As pessoas que nos procuram estão aí para testemunhar. A maioria dos pacientes são pessoas pobres que não tem condições de tratamento fora do Estado", conta o Padre Paulo.

Sobre a quantidade de seis óbitos na Unacom, por falta de medicamentos específicos ao tratamento do câncer, o secretário Robério narrou que mediante aos fatos, a SESA solicitou que os técnicos averiguassem e constatou-se que, em nenhuma ocasião esses pacientes faleceram por falta de assistência médica ou por falta de medicamentos. "Fato esse comprovado em conversa com parentes desses pacientes. Os óbitos ocorreram devidos os enfermos não responderem mais ao tratamento medicamentoso que estavam submetidos".

Legislação
No que tange a execução do que determina a Lei 12.732/12, que fixa um prazo máximo (60 dias) para início do tratamento de pacientes com câncer pelo SUS, seja por meio de cirurgia, radioterapia ou quimioterapia; e em casos mais graves, o prazo poderá ser inferior ao estabelecido. Questionado se existe alguma chance de esse prazo ser respeitado pela rede pública amapaense, o secretário adjunto da SESA informou que os procedimentos estaduais já estão acontecendo para cumprimento da lei.

"Até o fim de 2013 estaremos transformando a Unidade de Oncologia em Centro de Oncologia do Estado (CONOCAN) que basicamente irá realizar a Quimioterapia, e se o MS não terminar a implantação do Centro de Radioterapia, estaremos finalizando com o Hospital Saúde da Mulher, em Belém, um convênio para o tratamento radioterápico. Além de que até o final do ano teremos em Macapá o Instituto Oncológico, que será privado, funcionando e assim triplicaremos o atendimento", disse o secretário.

Com referência ao Centro Radioterápico, o secretário expôs que essa implantação é de responsabilidade do MS e que devido à sua complexidade, ele demora cinco anos para ser concluído. "Da nossa parte, já nos habilitamos, no final de 2011 e disponibilizamos o local, que deverá ser transformado em um grande Centro de Atendimento. Porém, como o serviço é feito com base na energia nuclear, são necessários uma licença e a fiscalização pela Agência Nacional de Energia Nuclear e o MS já tem essa licença. A previsão é que em seis meses esteja implantado", finaliza.

Ação na Justiça
(clique na imagem para ampliar)
O IJOMA já entrou com duas ações contra o governo, uma no MP Estadual e outra no MP Federal, para obrigar o Governo do Estado a garantir tratamento aos portadores de Câncer no Amapá, mas não teve sucesso. "A resposta da primeira ação foi que o governo vai resolver o problema em breve, e da segunda foi que em todo o Brasil é assim", declarou o presidente do IJOMA.

No seu despacho o Juiz Federal Anselmo Gonçalves da Silva indeferiu o pedido de liminar "pela constatação de que a União e o Estado do Amapá já estão adotando as providencias necessárias para se alcançar os objetivos dos requisitos ensejadores da medida liminar".



Quanto custa o tratamento de um paciente com câncer?
Não existem estimativas exatas, mas o tratamento, seja qual for, é bastante alto. No entanto, o apoio voluntário ajuda milhões de pessoas de baixa renda a enfrentar a doença. Enquanto na rede pública brasileira o paciente com câncer enfrenta uma longa espera por consultas, exames e pelo tratamento contra a doença, na rede privada é preciso lidar com a espera pela autorização dos convênios e com a falta de cobertura para remédios oncológicos.

Saiba como o paciente é encaminhado para o tratamento contra o câncer nos dois casos.

Rede pública
Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o paciente deve ir até a unidade de saúde mais próxima de onde mora quando apresentar um sintoma ou queixa de saúde.

Caso esta unidade não tenha condições de dar um atendimento para o caso, ele será encaminhado para um ambulatório de especialidades ou para um hospital. Lá, ele será visto por um médico especialista na área, que vai pedir exames para comprovar a existência do câncer.

Este é o primeiro momento em que a pessoa pode enfrentar atrasos. Os pedidos são frequentemente recusados por falta de médicos e horários. O paciente pode esperar meses até conseguir uma consulta..

A depender da região onde está, o paciente pode ser encaminhado diretamente para um hospital ou clínica que seja uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON), capacitada para tratar os tipos de câncer mais comuns no Brasil, ou para um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), que pode tratar qualquer tipo.

Outra opção é que a pessoa seja encaminhada para um centro de excelência, como o Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, ou o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).

Para ser aceito nestes locais, é preciso ter sido indicado por uma unidade que faça parte do sistema de referências do centro, que tem autorização para encaminhar pacientes para ele. Além disso, o paciente tem que apresentar os exames específicos que comprovem o câncer.

Em seguida, o paciente é cadastrado e passa por uma nova triagem, que determinará se ele necessita de tratamento oncológico naquele local. No Inca e no Icesp, dois centros de referência no Brasil, o tempo de espera entre a triagem e a autorização para o início do tratamento chega a 30 dias, de acordo com os médicos.

A partir deste momento, o paciente começa a espera por uma vaga para os tratamentos de radioterapia, quimioterapia e cirurgia, que pode ultrapassar os três meses.

Rede privada
Ao apresentar sintomas, a pessoa deve ir ao ambulatório de um hospital na rede de cobertura do seu plano ou marcar uma consulta com um médico dessa mesma rede.

- Os convênios de saúde privados têm a obrigação de conseguir uma consulta para o paciente com câncer dentro do prazo de um mês. Por isso, caso não seja possível marcar com um ou mais médicos do plano dentro desse prazo, o paciente pode ligar para a empresa e exigir a consulta.

Após a consulta, o médico precisa pedir autorização para o convênio para realizar os exames. De um modo geral, a empresa tem até cinco dias úteis para autorizá-lo, mas esse prazo pode ser estendido por mais cinco dias caso a empresa peça “informações adicionais” ao médico.

Depois dos exames, o convênio ainda precisará aprovar o tratamento indicado para o paciente. De acordo com o caso, o tratamento pode começar imediatamente depois da autorização ou em cerca de duas semanas.

No entanto, o paciente da rede privada ainda pode ter que enfrentar problemas durante o tratamento com remédios prescritos pelo médico, segundo Kaliks.

“Os convênios quase nunca cobrem a compra de medicamentos orais porque a ANS (Agência Nacional de Saúde) não exige que eles cubram. Mas cerca de 30% de todos os medicamentos do tratamento oncológico são por via oral, e esse número deve chegar a 80% nos próximos anos.”


Caso não possa pagar pelos remédios, que chegam a custar R$ 15 mil por mês, o paciente pode entrar na Justiça contra o Estado brasileiro. Mas em geral, o processo dura menos de um mês e é favorável ao paciente.

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