Só quem já
acompanhou um paciente de câncer sabe como essa doença é cruel. Ninguém quer
pensar sobre o assunto. Muitos evitam até pronunciar a palavra, cuja origem
latina quer dizer "caranguejo", provavelmente por causa da semelhança
entre as pernas do crustáceo e os tentáculos do tumor. Não admira que o câncer
seja encarado pela maioria das pessoas como uma sentença de morte. Nas últimas
décadas, apenas a AIDS ameaçou roubar-lhe o título do mal que causa mais horror
e pânico à humanidade. Há, no entanto, uma diferença fundamental: a AIDS o
paciente pode prevenir totalmente. O câncer, não! Descontados alguns fatores de
risco, ter ou não ter a doença é uma loteria, que mata por ano mais de 4
milhões de pessoas no mundo, 90 mil só no Brasil.
Passar por uma
experiência como esta pode ser um dos estágios psicológicos mais destrutivos
que uma pessoa pode vivenciar. É o caso da dona de casa Néia, que está há dois
anos e três meses com o C53 - Câncer no Colo de Útero. Ela contou a reportagem
sua Via Crucis: "Quando foi detectada a doença, eu procurei tratamento em
Belém, o primeiro obstáculo foi conseguir passagens, resolvi desde 2012 a fazer
as sessões de Quimioterapia aqui em Macapá na Unida Oncológica do Estado. Fui
encaminhada para Santarém (PA) para fazer a Radioterapia por não existir o
serviço aqui".
Sandoval (42), o
esposo de Neide, emocionado, diz que a família e os amigos sofrem junto com ela
e que ele só ainda não vendeu sua casa, porque não encontrou quem comprasse.
"É muito sofrimento, pois o tratamento não é garantido, não pode haver
interrupção, faltam sempre medicamentos e temos de correr para comprar, e eles
são caríssimos e muitas vezes temos de entrar com recursos na justiça, porém
demora demais e o Câncer não espera. Estamos gastando o que não temos até a
nossa residência já colocamos a venda. E as autoridades sempre afirmam 'vai ser
resolvido' e nos perguntamos: será que vou alcançar?".
Um caso semelhante aconteceu com um cidadão
que não quis ter seu nome citado na matéria, após a detectação de um câncer
pulmonar, procurou o centro especializado em São Paulo e deverá gastar R$ 18
mil por mês com remédio para o tratamento, o que totalizará em um ano R$ 216
mil. O alto custo do tratamento do Câncer foi o que se evidenciou no início da
reportagem com a dona Néia, que está vendendo sua residência para custear os
remédios do seu tratamento.
Denúncia
Presidente do IJOMA, Padre Paulo Roberto |
Esta situação
vem sendo denunciada pelo presidente do Instituto de Câncer Joel Magalhães
(Ijoma), Padre Paulo Roberto, que há três anos luta pelo respeito ao paciente
cancerígeno, compara a situação do Amapá ao último dos escândalos nacionais na
saúde, sobre a morte de sete pacientes na UTI do Hospital Evangélico de
Curitiba (PR), para liberar leitos. "A realidade da oncologia no Amapá
comparo a de Curitiba, e digo: os doentes de Câncer são muito mais graves do
que se imagina. Por falta de medicamentos está sendo escolhido quem os toma. Eu
tenho provas disso. É só verificar a relação de medicamentos existentes na
Coordenadoria de Assistência Farmacêutica (CAF) e na Farmácia Oncológica".
Na denúncia, o
presidente do IJOMA diz que o único tratamento pós-cirurgia no Estado é o de quimioterapia,
que envolve um coquetel de remédios essencial para o combate ao prosseguimento
do desenvolvimento do tumor, e pela falta de alguns desses medicamentos que
compõem o pacote quimioterápico, o tratamento é interrompido, levando muitas
vezes o paciente portador do câncer a óbito.
"A
precariedade do tratamento de câncer é tão grande que a farmácia do setor de
oncologia está totalmente vazia. Hoje estão em falta pelo menos 20 medicamentos
indispensáveis aos pacientes. Na falta deles, o tratamento é interrompido e o
quadro dos doentes se agrava até a morte, em alguns casos. Não existe a palavra
esperança no nosso vocabulário", disse o Padre.
Secretário Adjunto da SESA, Robério Monteiro |
A reportagem após registrar as denúncias do
presidente do IJOMA, procurou a Secretaria Estadual de Saúde (SESA) e foi
recebida pelo secretário adjunto Robério Monteiro, o qual explicou que já tinha
conhecimento dos fatos apresentados e que as mortes de pacientes por falta de
medicamentos estão sendo apuradas pela Secretaria, e que nesta primeira
quinzena de março, ocorreu realmente a falta de medicamentos. "Faltaram
cinco medicamentos oncológicos na rede em razão das duas empresas que prestam
serviços para a SESA, a Expressa e Oncoprod, mesmo tendo o empenho nas mãos há
30 dias, não o cumpriram. A serem acionadas, elas providenciaram a entrega de
quatro medicamentos e esta em falta um deles que é o Oxiliplatina que deverá
ser entregue nesta sexta-feira (15)", explicou o secretário.
Com relação à
denúncia de que na Unidade de Assistência de Alta Complexidade (Unacom) é
escolhido o paciente para receber o tratamento, Robério diz que não verdade. O
que é feito, segundo ele, é um rodízio entre os pacientes. "Nenhum
paciente fica sem tratamentos, o período de intervalo no tratamento que deveria
ser de 20 em 20 dias, foi esticado para de 28 a 30 dias para que não falte
tratamento para ninguém. Quero deixar claro que até no fim o mês estará tudo
regularizado. Quanto à morfina, realmente estava em falta, porém estávamos
utilizando o Tramadol, que está suprindo essa necessidade", expos Robério.
O chefe do
Serviço de Oncologia do Unacom, doutor Benjamim Barbosa, contestou à reportagem
que existe um Protocolo Internacional que estabelece as regras para o
tratamento. "O diagnóstico do Câncer, infelizmente, em 70% dos casos é
feito tardiamente. Aqui no hospital Alberto Lima, o tratamento oferecido é a
Cirurgia e Quimioterapia Oncológica, quanto a Radioterapia, não temos no
Estado. Quanto a Quimioterapia, ela segue protocolos internacionais. Eles são
baseados em mais de um tipo de medicamento", explica o medico.
Quando um dos
medicamentos falta, o médico oncológico Benjamim esclarece que não adianta
fazer o protocolo pela metade, que ele não terá efeito. "Muitas vezes
temos dificuldades nesse serviço, por falta de medicamentos e isso prejudica o
tratamento do paciente", define.
Chefe da UNACOM, Doutor Benjamim Barbosa |
Quanto ao
rodízio de dias (28 dias), relatado pelo secretário Robério, para ser aplicado
o protocolo quimioterápico, o médico questionou dizendo que isso não existe.
"Primeiro isso não é verdade, nenhum médico vai quebrar o protocolo que é
de 21 dias e deve ser cumprido, só existe adiamento quando o paciente está com
baixa imunidade e são poucos casos. Mas ser prolongado os dias do tratamento
por conta própria do medico, não existe isso. Se o secretario falou, foi
equívoco da parte dele. Pois, quando o protocolo é quebrado e você passa do
período, que geralmente é de três semanas (21 dias) você já perdeu, pois o
mecanismo de defesa já criou barreira para o tratamento. Em muitos casos, a
doença progride", expõe o médico Benjamim.
Óbitos
Pelas
estatísticas do IJOMA, nove em cada dez pacientes com câncer no Amapá morrem
por falta de tratamento. O número de pacientes cadastrados no instituto é de
333 pessoas; dessas, 100 já vieram a óbito entre 2010 e 2012, e somente neste
primeiro trimestre, seis já faleceram. "Essa estimativa é do nosso
Instituto e eu tenho provas documentais desses dados. As pessoas que nos
procuram estão aí para testemunhar. A maioria dos pacientes são pessoas pobres
que não tem condições de tratamento fora do Estado", conta o Padre Paulo.
Sobre a
quantidade de seis óbitos na Unacom, por falta de medicamentos específicos ao
tratamento do câncer, o secretário Robério narrou que mediante aos fatos, a
SESA solicitou que os técnicos averiguassem e constatou-se que, em nenhuma
ocasião esses pacientes faleceram por falta de assistência médica ou por falta
de medicamentos. "Fato esse comprovado em conversa com parentes desses
pacientes. Os óbitos ocorreram devidos os enfermos não responderem mais ao
tratamento medicamentoso que estavam submetidos".
Legislação
No que tange a
execução do que determina a Lei 12.732/12, que fixa um prazo máximo (60 dias)
para início do tratamento de pacientes com câncer pelo SUS, seja por meio de
cirurgia, radioterapia ou quimioterapia; e em casos mais graves, o prazo poderá
ser inferior ao estabelecido. Questionado se existe alguma chance de esse prazo
ser respeitado pela rede pública amapaense, o secretário adjunto da SESA
informou que os procedimentos estaduais já estão acontecendo para cumprimento
da lei.
"Até o fim
de 2013 estaremos transformando a Unidade de Oncologia em Centro de Oncologia
do Estado (CONOCAN) que basicamente irá realizar a Quimioterapia, e se o MS não
terminar a implantação do Centro de Radioterapia, estaremos finalizando com o
Hospital Saúde da Mulher, em Belém, um convênio para o tratamento
radioterápico. Além de que até o final do ano teremos em Macapá o Instituto
Oncológico, que será privado, funcionando e assim triplicaremos o
atendimento", disse o secretário.
Com referência
ao Centro Radioterápico, o secretário expôs que essa implantação é de
responsabilidade do MS e que devido à sua complexidade, ele demora cinco anos
para ser concluído. "Da nossa parte, já nos habilitamos, no final de 2011
e disponibilizamos o local, que deverá ser transformado em um grande Centro de
Atendimento. Porém, como o serviço é feito com base na energia nuclear, são
necessários uma licença e a fiscalização pela Agência Nacional de Energia
Nuclear e o MS já tem essa licença. A previsão é que em seis meses esteja
implantado", finaliza.
Ação
na Justiça
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(clique na imagem para ampliar) |
O IJOMA já entrou com duas ações contra o
governo, uma no MP Estadual e outra no MP Federal, para obrigar o Governo do
Estado a garantir tratamento aos portadores de Câncer no Amapá, mas não teve
sucesso. "A resposta da primeira ação foi que o governo vai resolver o
problema em breve, e da segunda foi que em todo o Brasil é assim",
declarou o presidente do IJOMA.
No seu despacho o Juiz Federal Anselmo Gonçalves
da Silva indeferiu o pedido de liminar "pela constatação de que a União e
o Estado do Amapá já estão adotando as providencias necessárias para se
alcançar os objetivos dos requisitos ensejadores da medida liminar".
Quanto custa o tratamento de
um paciente com câncer?
Não existem
estimativas exatas, mas o tratamento, seja qual for, é bastante alto. No
entanto, o apoio voluntário ajuda milhões de pessoas de baixa renda a enfrentar
a doença. Enquanto na rede pública brasileira o paciente com câncer enfrenta
uma longa espera por consultas, exames e pelo tratamento contra a doença, na
rede privada é preciso lidar com a espera pela autorização dos convênios e com
a falta de cobertura para remédios oncológicos.
Saiba como o
paciente é encaminhado para o tratamento contra o câncer nos dois casos.
Rede pública
Pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), o paciente deve ir até a unidade de saúde mais próxima de
onde mora quando apresentar um sintoma ou queixa de saúde.
Caso esta
unidade não tenha condições de dar um atendimento para o caso, ele será
encaminhado para um ambulatório de especialidades ou para um hospital. Lá, ele
será visto por um médico especialista na área, que vai pedir exames para comprovar
a existência do câncer.
Este é o
primeiro momento em que a pessoa pode enfrentar atrasos. Os pedidos são
frequentemente recusados por falta de médicos e horários. O paciente pode
esperar meses até conseguir uma consulta..
A depender da
região onde está, o paciente pode ser encaminhado diretamente para um hospital
ou clínica que seja uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em
Oncologia (UNACON), capacitada para tratar os tipos de câncer mais comuns no
Brasil, ou para um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia
(CACON), que pode tratar qualquer tipo.
Outra opção é
que a pessoa seja encaminhada para um centro de excelência, como o Instituto
Nacional do Câncer (Inca), no Rio de Janeiro, ou o Instituto do Câncer do
Estado de São Paulo (Icesp).
Para ser aceito
nestes locais, é preciso ter sido indicado por uma unidade que faça parte do
sistema de referências do centro, que tem autorização para encaminhar pacientes
para ele. Além disso, o paciente tem que apresentar os exames específicos que
comprovem o câncer.
Em seguida, o
paciente é cadastrado e passa por uma nova triagem, que determinará se ele
necessita de tratamento oncológico naquele local. No Inca e no Icesp, dois
centros de referência no Brasil, o tempo de espera entre a triagem e a
autorização para o início do tratamento chega a 30 dias, de acordo com os
médicos.
A partir deste
momento, o paciente começa a espera por uma vaga para os tratamentos de
radioterapia, quimioterapia e cirurgia, que pode ultrapassar os três
meses.
Rede privada
Ao apresentar
sintomas, a pessoa deve ir ao ambulatório de um hospital na rede de cobertura
do seu plano ou marcar uma consulta com um médico dessa mesma rede.
- Os convênios
de saúde privados têm a obrigação de conseguir uma consulta para o paciente com
câncer dentro do prazo de um mês. Por isso, caso não seja possível marcar com
um ou mais médicos do plano dentro desse prazo, o paciente pode ligar para a
empresa e exigir a consulta.
Após a consulta,
o médico precisa pedir autorização para o convênio para realizar os exames. De
um modo geral, a empresa tem até cinco dias úteis para autorizá-lo, mas esse
prazo pode ser estendido por mais cinco dias caso a empresa peça “informações
adicionais” ao médico.
Depois dos
exames, o convênio ainda precisará aprovar o tratamento indicado para o
paciente. De acordo com o caso, o tratamento pode começar imediatamente depois
da autorização ou em cerca de duas semanas.
No entanto, o
paciente da rede privada ainda pode ter que enfrentar problemas durante o
tratamento com remédios prescritos pelo médico, segundo Kaliks.
“Os convênios
quase nunca cobrem a compra de medicamentos orais porque a ANS (Agência
Nacional de Saúde) não exige que eles cubram. Mas cerca de 30% de todos os
medicamentos do tratamento oncológico são por via oral, e esse número deve
chegar a 80% nos próximos anos.”
Caso não possa pagar pelos remédios, que chegam
a custar R$ 15 mil por mês, o paciente pode entrar na Justiça contra o Estado
brasileiro. Mas em geral, o processo dura menos de um mês e é favorável ao
paciente.
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