sexta-feira, 5 de abril de 2013



CORRUPÇÃO
O mal que mostrou o Amapá para o Brasil

José Marques Jardim
Especial para o TA

O Amapá, no começo dos anos 80 era o cenário de uma cidade pacata, recordada ainda hoje pelos que têm mais idade. A anistia, momento político do país na época, seguia trocando comunistas e ativistas exilados, pela liberdade dos torturadores. Para quebrar esse ar de tranquilidade, teremos o mal da corrupção presente em uma tragédia considerada, até hoje, a maior já ocorrida nos rios da Amazônia.
Em janeiro de 1981, o barco Novo Amapá naufraga matando centenas de pessoas no rio Cajari. Famílias choram seus mortos, o Amapá fica de luto, o Brasil olha para o pequeno Estado e logo nas semanas e meses seguintes ao desastre, passa a falar nas indenizações que deveriam ser pagas aos familiares. Tem início uma batalha jurídica que nunca chegou ao fim, assim como não chegou por aqui também, qualquer centavo. Para onde foi o dinheiro?

O passar do tempo mostra que o Amapá não é diferente do Brasil da corrupção, rótulo dado pela mídia internacional ao país do carnaval. De pequenos beneficiamentos dados a amigos para construir calçadas e outras pequenas obras, até a falência do Banco do Amapá, o Banap, o amapaense testemunha, que sua pacata terra mudou para pior, e não foi pouco. Mal se recupera da quebradeira econômica, que novamente projeta o Estado mídia afora, e a corrupção se instala na saúde. Um secretário vindo do Sul protagoniza um esquema milionário de super faturamento. Ele é afastado e processado, trâmite normal e satisfação à opinião pública. Anos mais tarde é condenado juntamente com outro agente ligado ao governo. Tudo seguido no período de 1994 a 2002.
Passado o escândalo, mudada a gestão e não demora muito para que o TCU condene o então secretário indicado pela gestão socialista da época. Várias irregularidades são detectadas pelo Tribunal de Contas da União. Voltando a 2000, o Amapá também conhece uma suposta corrupção no alto escalão pelo tráfico de drogas. O Brasil volta os olhos para o pequeno Estado no extremo norte. A Comissão Parlamentar de Inquérito vem aqui por duas vezes e não chega a qualquer conclusão.

Em 2008, mais escândalo, a mídia nacional estampa nas primeiras páginas dos mais lidos jornais, um esquema de venda de minério, especificamente o Urânio. Segundo as matérias, tudo funcionava há mais de trinta anos facilitado pela proximidade com a Guiana Francesa, o limite com o Pará e o intenso fluxo de embarcações na extensa costa amapaense. Entra em cena a Polícia Federal e o significado da sigla PF é traduzida para a população, assim como seu poder de atuação, que a partir deste episódio passaria a ser bem mais constante no cotidiano do Estado.

De 2004 a 2008, os federais apreenderam mais de duas toneladas de minério radioativo. A primeira delas, em agosto de 2004, no município de Santana. A corrupção estava muito próxima dos grandes navios que embarcam e desembarcam no segundo maior município amapaense, e é a principal porta para o resto do mundo. 800 kilos de minério sem documento de procedência estavam estocados em um depósito ao lado do porto. Pouco tempo antes, 600 quilos de Torianita foram encontrados pelos agentes nas proximidades de Pedra Branca do Amapari e Porto Grande. Em valores, o material ultrapassava R$ 1 milhão. As conclusões eram óbvias, um grande esquema de extração e venda estava montado envolvendo muita gente.

Mas a política por certo é o ponto forte quando o assunto é corrupção. Nas eleições para o Senado, em 2002, a Polícia Federal recebe a denúncia de que grande quantidade de dinheiro estava guardada em determinada residência e que tudo seria usado no pagamento da boca de urna. A ação é rápida e procedente. Dinheiro e relação de nomes estavam no local. Surpreendidos no crime de corrupção eleitoral, quem ocupava a casa chegou ao extremo de queimar algumas notas na casa do cachorro. Anos depois, o ato projetaria mais uma vez o Amapá, desta, o rótulo era de Estado com o primeiro senador cassado por compra de votos da história da República. João Capiberibe perde o mandato. O nome dele ainda vai aparecer por utilizar passagens aéreas dadas pelo gabinete do filho, Camilo, então deputado estadual, o que teria futuros desdobramentos.

Pororoca “varre” administração e deságua no xadrez
As esferas do poder envolvidas são as mais diversas, alcançando não só o Estado, mas também o município. A Operação Pororoca tragou para o “olho do furacão” o então prefeito de Macapá João Henrique Pimentel. Ele foi um dos primeiros alvos acertados pelos homens da PF, em 2004. Outros figurões também foram parar na carceragem da Polícia Federal graças a mandados de prisão preventiva. O foco era o mesmo, o suposto envolvimento deles com fraudes em licitações e desvio de verbas.
Doze pessoas entre empresários e servidores públicos acabaram sendo condenados ao fim do processo que iniciou em 2005. As obras em questão eram do Hospital de Especialidades, até hoje sem conclusão, Terminal Rodoviário de Laranjal do Jari e o Canal do bairro Paraíso, no município de Santana. R$ 4 milhões vieram para o hospital e terminal e outros R$ 3 para o canal. A operação foi deflagrada em novembro de 2004, com 25 prisões em Macapá, Belém, Belo Horizonte e Brasília.

PF deflagra a “Mãos Limpas”



Entre tantas ações policiais, certamente a que mais teve repercussão foi a “Mãos Limpas”, que levou para a prisão nomes como o do então governador Pedro Paulo (PP) e do ex-governador Waldez Góes (PDT), que concorria ao Senado. O ex-prefeito Roberto Góes também acabou preso. Nenhum sofreu condenação e segundo eles próprios, sequer foram ouvidos sobre as acusações.

A ação dos federais começou no dia 10 de setembro de 2010. O objetivo era desmontar uma suposta organização que envolvia mais uma vez, servidores públicos, políticos e empresários acusados de desviar recursos da União. 18 pessoas foram presas. Entre os já citados estavam secretários de governo e ainda o Presidente do Tribunal de Contas Estadual, Júlio Miranda. As investigações chegam a Assembleia Legislativa. Um dos nomes é o do atual governador Camilo Capiberibe que é chamado para depor em Brasília e explicar irregularidades encontradas quando era deputado. À mídia local o governador informa que se tratava apenas de uma conversa informal. Camilo também surgiu na mídia nacional como sendo o governador das 35 contas bancárias. A Polícia Federal disse ter chegado ao governador casualmente durante as investigações da Operação Mãos Limpas, quando um esquema de notas fiscais frias referentes a passagens aéreas de deputados estaduais foi descoberto. As viagens não existiam, mas o reembolso por elas, sim. Outro fato foi o reajuste da verba indenizatória dos parlamentares que subiu de R$ 12 para R$ 100 mil. No pedido de quebra de sigilo bancário pedido pela PF estava o nome do governador e da esposa Cláudia Camargo como titular das contas.

MP entra na Assembleia

Em maio do ano passado uma operação do Ministério Público Estadual chega a Assembleia Legislativa do Amapá. O MP teria investigado durante longos meses, situações que iam de fraudes a desvio de verbas públicas ao favorecimento de empresas e nepotismo. Agentes da Polícia Civil cumprem 19 mandados de busca e apreensão em empreendimentos ligados a AL. Documentos, e computadores são confiscados nas casas do presidente Moises Souza (PSC) e do deputado Edinho Duarte (PP). Os gabinetes dos parlamentares também são revistados. Entre os pontos citados como irregulares pelos procuradores, está o contrato de aluguel de um prédio para a AL. Outro é a locação de veículos. Antes de deflagrar a Operação Eclésia, o Ministério Público disse ter pedido documentos à presidência contendo a prestação de contas da verba indenizatória dos deputados. O montante para cada um dos 24 gabinetes era de R$ 100 mil. A pressão da imprensa e da opinião pública acabou forçando que o valor caísse pela metade. Os comprovantes de diárias e contratos também teriam sido pedidos, mas nada foi entregue ao MP.

Depois da apuração do material apreendido, os procuradores revelaram à imprensa terem encontrado indícios de irregularidades. Uma das situações envolvia uma cooperativa de transportes que em 2011 teria recebido mais de R$ 3 milhões com a locação de veículos. A empresa seria de um deputado que estaria usando um servidor como testa de ferro.

O deputado Moisés Souza acredita que a operação não passou de uma represália do Ministério Público e do Governo do Estado motivada pelas CPI´s da Saúde e da Previdência, que apurava graves irregularidades da administração estadual. Souza e Edinho Duarte permanecem afastados até hoje, mas cumprem mandato. A reação dos deputados veio mais tarde com a aprovação da quebra do sigilo bancário e fiscal da procuradora-geral de Justiça do Ministério Público do Amapá, Ivana Lúcia Cei. O período em questão vai de 2006 a 2012.
Um dos objetivos é investigar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado em 2007, entre o MP e a empresa MMX Amapá Mineração LTDA e Anglo Ferrous Amapá Mineração LTDA. Os deputados querem saber sobre a possibilidade de improbidade no crescimento patrimonial da procuradora a partir da empresa do esposo dela, Glauco Cei. Ele teria arrecadado com os TAC´s da mineração nada menos que R$ 140 milhões. Os deputados declararam que os negócios da Etecon cresceram 80 vezes entre 2007 e 2011. Ivana, que foi Procuradora de Meio Ambiente é acusada de ter usado o cargo para beneficiar o empreendimento do esposo. A CPI não caminhou.

Ex-secretários indiciados e procuradores presos

Na atual administração do PSB, semana passada a polícia concluiu investigações dentro da Secretaria de Estado da Saúde e acabou indiciando o ex-secretário Edilson Pereira e o ex-adjunto Roberio Monteiro, ambos por irregularidades. Em outra pasta do estado, a Educação, mais problemas. Na administração da Unidade Descentralizada, que administra a contratação de pessoal para prestação de serviços geralmente em estabelecimentos de ensino, dois procuradores e um advogado acabaram presos.

A Delegacia Especializada no Combate a Crimes Contra a Fazenda Pública batizou a operação de “Comendadores”. Os envolvidos são acusados de autorizar pagamentos considerados indevidos na Justiça do Trabalho, que iam para servidores do caixa-escolar. As autorizações dariam à JT o poder de sequestrar dinheiro do FPE (Fundo de Participação do Estado) e colocar o Estado como devedor de insalubridade a serventes e merendeiras contratados pela UDE. Tanto os procuradores como o advogado negaram qualquer fraude e afirmaram que o governador sabia de toda a situação, tendo apresentado o advogado aos funcionários como patrono das causas. O argumento foi sustentado pelo presidente da associação dos servidores da UDE.

Dossiê Fran Junior

O ex-presidente da Assembléia Legislativa, Fran Soares do Nascimento Júnior manchou a biografia política do senador Randolfe Rodrigues. Ex-petista e um dos fundadores do Partido Socialismo e Liberdade, Randolfe fora um dos beneficiados com a “Operação Mãos Limpas.” Sem chance de se eleger senador viu sua sorte mudar com a prisão do ex-governador Waldez Góes, franco favorito na disputa senatorial. No senado Randolfe teve ascensão meteórica. Autor do requerimento solicitando a CPI do Cachoeira, contraventor e deputado federal, Randolfe Rodrigues ganhou os holofotes da mídia nacional, porém viu sua biografia política ser tisnada pela denúncia de Fran Júnior de que ele recebia o famoso “Jaraqui”, dinheiro que o governador Capiberibe passava para Fran Júnior, presidente da Assembléia, dividir com alguns parlamentares. Randolfe é acusado de ser um dos beneficiados. Os Senadores, Capiberibe (PSB) e Randolfe Rodrigues (Psol) estão denunciados na Procuradoria Geral da República.



Sem licitação

Desde que assumiu o governo, em 2011, o número de licitações realizadas pelo governo do PSB é praticamente nulo. A contratação emergencial, mecanismo utilizado em excepcionalidades, virou procedimento rotineiramente para o governo estadual. Um dos exemplos ocorreu na comunicação. A empresa Revolution assumiu a mídia oficial sem qualquer concorrência. R$ 14 milhões foram remanejados dos fundos da Universidade Estadual e repassados para a publicidade palaciana. Com o setor de prestação de serviços não é diferente. Curiosamente nada foi licitado até hoje e todos os contratos emergenciais foram entregues à uma única empresa, a Bernacom. Tendo como exemplo o indiciamento de ex-secretários e a prisão de procuradores, este poderia ser o próximo alvo de investigações dos órgãos de segurança. A Bernacon atua através de contratos emergenciais na CAESA, Polícia Civil, Penitenciária e Secretaria da Saúde.

Operação Voucher
Estado sem turismo, mas com esquema milionário

Em seu histórico, o Amapá prossegue com a corrupção pouco a pouco desbaratada. O cenário agora é o Ministério do Turismo. Investigações do Ministério Público Federal e da Polícia Federal chegam ao desvio de R$ 10 milhões. Parte desta fortuna, algo em torno de R$ 3 milhões, segundo os inquéritos, foram parar nas mãos de quem estava à frente do esquema. Ilustrando a matéria em nível nacional, o detalhe de que o Amapá recebe a menor quantidade de turistas do Brasil e tem a pior rede hoteleira. O Estado também se posiciona mal quando o assunto é o número de agências de turismo. Ignorando este quadro, a corrupção já havia montado um esquema milionário para quem é banhado pelo maior rio do mundo e sequer oferece passeios de barco a seus turistas. A operação colocou na cadeia, 36 acusados de corrupção.
Para se ter uma ideia da gravidade da corrupção no Amapá, de 2003 até o ano passado, a Polícia Federal deflagrou 39 ações para combater o desvio de verbas na saúde, obras e educação. Em oito anos 308 pessoas, entre políticos, servidores públicos e empresários foram detidos ou presos. Todos sob acusação de praticar fraudes usando o dinheiro público vindo do Governo Federal. Outro detalhe é que algo em torno de 75% da economia do Amapá vem de verbas públicas. Para a Justiça, o grande volume de recursos influencia a prática criminosa.
Oswaldo da Bernacom, esposa e o amigo Capiberibe


Macapá e outros esquemas


Outras ações de menor repercussão foram deflagradas no Estado, a exemplo da Operação Sanguessuga. Ela teve o objetivo de desarticular um esquema que estaria agindo desde 2001 fraudando licitações ligadas à saúde. A ação dos federais se estendeu, além do Amapá, para os Estados do Mato Grosso, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Acre. 53 mandados de prisão foram cumpridos e 48 pessoas presas.

OPERAÇÃO ISAÍAS
Deflagrada nos Estados de Santa Catarina, São Paulo, Pará e Amapá. O esquema de corrupção desta vez fraudava a Autorização para Transporte de Produtos Florestais, a ATPF. Servidores mais uma vez estavam envolvidos. 46 prisões ocorreram no Amapá, duas no Pará e uma em Santa Catarina.

OPERAÇÃO ANTÍDOTO
O esquema, de acordo com a Polícia Federal, fraudava licitações para a compra de medicamentos. 25 pessoas foram presas. Oito na Antídoto II.

OPERAÇÃO TOQUE DE MIDAS
As investigações chegaram a um esquema de fraude no processo de licitação na concessão da estrada de ferro que vai de Santana a Serra do Navio fazendo o transporte de minério. Uma pessoa foi presa.

OPERAÇÃO EXÉRESE
Dez pessoas foram presas e acusadas de fraudar licitações dentro da Secretaria de Estado da Saúde. Doze mandados de busca e apreensão foram cumpridos.

OPERAÇÃO 9 MILÍMETROS
A corrupção no Amapá chega ao sistema prisional. As investigações levam a uma quadrilha que facilitaria fugas dentro do Instituto de Administração Penitenciária. Existem também, indícios de tráfico de drogas e armas. Nove pessoas foram presas.

OPERAÇÃO OURO DE TOLO 
A corrupção agora se volta para falsificar vales-transportes. O esquema contava com gráficas que funcionavam em Macapá. Tudo ia parar em outras cidades do País, como São Paulo, Salvador e Florianópolis, em Santa Catarina. Três pessoas foram presas.

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