quinta-feira, 31 de outubro de 2013

CULTURA


Enem e sua (im)pertinência



O Exame Nacional do Ensino Médio de 2013, que aconteceu nos dias 26 e 27 de outubro, revelou mais uma vez um retrato curioso acerca dos estudantes brasileiros e do próprio sistema de seleção, o que nos leva às inevitáveis perguntas: é o Enem o melhor método de avaliação dos conhecimentos? E os alunos, será que estes estão preparados para a prova nos moldes atuais, ou deveriam reivindicar um novo formato?
O Enem é aplicado no Brasil desde 1998, ainda que em um molde e com objetivo diferentes dos de hoje. Assim, era de se esperar que os responsáveis pela prova já tivessem aprendido a executá-la. Mas falhas recorrentes revelam a urgência de reformulação de certos aspectos do exame. Uma dessas mudanças deve ser voltada ao combate da aleatoriedade com que as notas de redação parecem ser distribuídas.
Talvez seja esse um dos maiores impedimentos à excelência desse vestibular. Com uma quantidade absurda de provas de redação para corrigir (no ano de 2013, mais de sete milhões de alunos realizaram o exame), os professores acabam não atentando para cada um dos aspectos de avaliação da redação, e por vezes parecem corrigi-las sem nem ao menos ler os textos na íntegra.
Os temas de redação do Enem são outro problema. Classificado como uma prova que prima por assuntos atuais, essa própria definição cria uma expectativa que não se confirma. Muitos alunos esperaram, para a redação deste ano, alguma das temáticas polêmicas que nos envolveram em 2013. Exemplos: a renúncia do papa, as manifestações em todo o Brasil, o programa Mais Médicos do governo federal, etc. Mas os temas de redação do Enem parecem ser elaborados em algum momento anterior a todos os acontecimentos do ano. 
Propositalmente ou não, os tópicos redacionais, quase sempre, são de uma abrangência que beiram a descontextualização (como o tema de 2010, que falava sobre o trabalho na construção da dignidade humana), ou, em outros momentos, trazem assuntos de uma especificidade que requer determinado tipo de conhecimento que a grande massa dos estudantes de ensino médio não possui (como o tema do ano passado: "O movimento imigratório para o Brasil no século XXI").
Essa defasagem nos leva a outro ponto importante, que é o próprio nível de conhecimento dos alunos. Todo ano existe uma questão do Enem que ganha popularidade astronômica na internet. A que mais gerou discussão - e piadas - neste ano foi o problema de química que apresentava um boneco feito de cadeias de carbono, o denominado "NanoKid". 
Considerada uma das mais fáceis questões da prova (tudo o que demandava era que o aluno encontrasse no desenho o carbono com quatro ligações químicas, e para isso bastava contar "tracinhos"), em contrapartida, foi, de acordo com depoimentos dos próprios alunos, aquela com maiores índices de erro.
A prova do Enem é, de fato, desgastante. Mas sua proposta ainda parece válida, pois mexe conceitos, interpretação de texto e conhecimento de mundo, abrindo mão, muitas vezes, de fórmulas e "decorebas". No entanto, apesar de ser uma prova muito mais fácil, no sentido de trazer um conteúdo mais acessível do que os formatos tradicionais de vestibular, ela acaba mostrando a dura realidade de ensino do país. 
O desgaste se torna maior sobre os alunos porque estes não estão adaptados à enorme quantidade de leitura a que são expostos através das questões do Enem, por exemplo. Os índices de analfabetos funcionais dentro de escolas são alarmantes. Ademais, ao longo ano, todos treinam fórmulas prontas de redação e de interpretação das questões, mas é muito difícil encontrar uma mecanização que abarque toda a abrangência do Enem.
Seria ilógico cobrar reparações ideológicas ou estruturais dessa prova, a fim de torná-la mais fácil, se o próprio propósito de sua existência é medir o conhecimento acumulado ao longo do ensino médio. Tornar o Enem menos exigente do que já é não aumentaria o nível de conhecimento dos alunos, pelo contrário. Contribuiria para que continuássemos com o clássico "tapar o sol com a peneira". 
É preciso, claro, que o Exame Nacional seja organizado de uma maneira mais eficiente, com estratégias que deem conta da proporção que a prova assumiu, combatendo assim as aleatórias distribuições de notas e o vazamento de questões. Contudo, as mudanças parecem recair muito mais sobre os alunos e instituições de ensino. É preciso preparar os jovens para provas de todos os níveis, e não exigir que os níveis sejam "amaciados". Quem sabe assim, quando todos os colégios - particulares e públicos - conseguirem formar estudantes para qualquer tipo de exame de seleção, seja finalmente o momento de abrirmos mão desse sistema tão falho, injusto e segregador que é o vestibular.   

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