No meio do caminho...
O fato é: uma agência do banco Bradesco, localizada em um bairro nobre da cidade de Manaus, resolveu ornamentar sua calçada com pedras pontiagudas, distribuídas a intervalos de menos de vinte centímetros umas das outras, a fim de impedir que os mendigos permaneçam desfrutando da sombra do local que antes ocupavam nos horários de almoço e à noite.
Enxotados os "problemas" da calçada, o dia poderia ter sido salvo (e quem sabe até a nação, com tamanha ideia!), mas a verdade é que as pedras de antes - os mendigos - provavelmente causavam muito menos transtorno do que fazem as pedras literais de agora. Porque, embora os indigentes já não descansem à sombra da agência (o que, para muitos, pode representar alívio, conforto e até segurança), a possibilidade de ir e vir também foi cerceada.
O acesso à agência acabou dificultado a qualquer transeunte, indistintamente. E é provável que assim se gerem mais transtornos do que antes fazia meia-dúzia de pessoas escoradas numa calçada. Pense nas dificuldades que agora terão, para se locomover por ali, os idosos e indivíduos com limitações físicas...
É essencial percebermos que essas medidas de "higienização social", tão abruptas, irrefletidas e hostis, não promovem nada além de dissabores e desarranjos. Causava mal ter de encarar, diariamente, uma porção de cidadãos a mendigar? A cena era, ao menos, uma chamada à realidade, uma sacudidela. "Ei! Enquanto uns têm tanto, outros têm tão pouco...". Mas, agora, com nossas vistas limpas, podemos voltar à cegueira. É incrível a facilidade com que suprimimos a consciência de tudo o que está errado ao nosso redor, em nome de um conforto desleal.
Enxotar os moradores de rua não conserta nada, só piora. Alivia a vista dos clientes do banco, talvez, e deixa a fachada da loja "arejada", mas a troco de quê? A troco de um espaço urbano intrafegável, de moradores de rua zangados com a falta de respeito (sim, de respeito, pois não são pragas a serem exterminadas), e de uma ridícula exposição de burrice por parte da iniciativa privada.
Sem qualquer dúvida, a maior incivilidade não está naqueles que, por opção ou falta de escolha, foram marginalizados, tendo as calçadas como camas e os alpendres das construções alheias como teto de casa. Incivilidade mesmo é impedir o ir e vir, e, pior ainda, tirar a sombra de quem antes não deveria incomodar mais do que agora fazem essas malditas pedras no caminho. Pedras que, por sinal, terminam de estragar o dia e a urbanidade da vida dando fé de que, além de esnobes, também somos tiranos potencialmente cafonas.
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