sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ANTENADOS

Tu te tornas eternamente responsável


É... Não tá fácil pra ninguém. Bom, verdade que se expressar nunca foi um ato gratuito, e sempre cobra seu preço, seja para o bem, seja para o mal. Mas a coisa anda apertando. A gente pode até pensar que a maioria das bobeiras que dizemos não surtirão efeito, são apenas bobagens, normalidades, trivialidades. Mas é assustador perceber que uma palavra disparada jamais volta à boca. E da palavra solta até os ouvidos alheios basta um passo para que a comunicação se transforme em confusão. 

Num tête-à-tête, por exemplo, você pode, a todo momento, se desculpar, se corrigir, se redizer, caso deslize em algum erro. Mas, mesmo assim, o dito já está posto. A palavra que escapa de dentro da gente é uma dessas poucas pedras da vida que se mostram inexoráveis. Esse poder que tem o verbo, automaticamente, nos impõe uma responsabilidade sobre tudo aquilo que declaramos, até as bobices. 
E deveríamos ter essa consciência. Pelo menos tentar. Afinal, falar é alegar um mundo inteiro, e lançá-lo contra sabe-se lá quantas pessoas... Vale salientar: o bom de errar, ao professar opinião torta, é poder consertar o próprio pensamento, consertar-se a si e sua visão de mundo. Mas há que ter cuidado. Nada é gratuito, nem inofensivo. São 7 bilhões de habitantes no planeta, prontinhos para não perdoar essa nossa leviandade. 

Recentemente, vimos até onde vai o ter-uma-opinião. Dois exemplos célebres que cito. Comecemos com Tatá Werneck, a comediante que, saída da MTV, engatou na Rede Globo como a personagem Valdirene na atual novela das nove. Tatá, num programa de auditório global, ao fazer uma piada enquanto debatiam lá sobre bullying, caiu nas teias de seu próprio humor bandido. A comediante/atriz foi dizer que, se tivesse poderes, numa situação hipotética, desviaria toda a atenção de um ato de bullying contra um amigo gay para um colega judeu. Pegou mal. A comunidade judaica hoje se alarma ao menor sinal de antissemitismo, isso por conta do terrível histórico de ódio e perseguição que sofreu ao longo dos anos, e ainda sofre. É provável agora que Tatá responda à processo, pague a multa já estipulada...
Outro exemplo, Antonio Prata. Se você leu Capricho durante os últimos dez anos, provavelmente conhece Antonio da linda coluna que mantinha na revista e que se chamava "Estive pensando...". Mas Prata, além de escrever para esse público, também tem outras facetas. Ele mesmo se descreve: "meio intelectual, meio de esquerda". Saiu da Capricho há alguns anos e contribui para a Folha de S. Paulo. E foi neste periódico que o pobre escritor publicou um texto de refinada ironia em que, para criticar as visões tidas como tradicionalistas, retrógradas e preconceituosas dos que normalmente se professam simpatizantes das causas políticas da direita, se fez passar exatamente por um rapaz que abandona suas ideias marxistas e passa para o time dos direitistas. 

Poucas pessoas o compreenderam. Porque, afinal, nem todos estamos prontos para uma ironia das brabas... Em um trecho, Prata afirma: "Quando terroristas, gays, índios, quilombolas, vândalos, maconheiros e aborteiros tentam levar a nação para o abismo, ou os cidadãos de bem se unem, como na saudosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que nos salvou do comunismo e nos garantiu 20 anos de paz, ou nos preparemos para a barbárie. Se é que a barbárie já não começou...". Não o entenderam. Houve quem aplaudisse de olhinhos marejados, houve quem o chama-se "Hitler!". 

E a conclusão a que se chega? Esse é o peso de se ter uma opinião. Não são só as figurinhas da mídia que têm o dever moral - e às vezes legal - de arcar com a responsabilidade de se dizer o que pensa. Todos nós pagaremos pelo que dissermos, seja imbecil ou genial... Ah, sim! A questão, aqui, não é precisamente sobre a liberdade de expressão, apesar de isso também estar tão em voga. O ponto é: diga o que disser, bom ou mal, proveitoso ou banal, esteja ciente de que qualquer palavra, por mais ínfima, carrega em um compartimento camuflado o peso de sua concretização. 

A partir do momento que os seus pensamentos escapam da sua boca, você é pai deles, e está aí, no mundo, para ser julgado pelos filhos que pariu, ou por causa deles. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que falas, publicas, criticas. Mesmo aos pacatos, servis, gentis cidadãos, cabe a responsabilidade do dito. É o peso de ter voz, ainda que ela reverbere apenas entre as paredes do quarto. Não se esqueça: há sempre alguém atrás da porta.

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