sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

antenados

DIÁLOGO ENTRE SÁBIOS


Conversam dois centenários pés de açaizeiros à beira do igarapé, olhando a cidade:
- Tu viu, mano, que o preço do nosso fruto subiu?
- Vi sim... Na cidade só se fala disso! Eu acho é engraçado... Tanta coisa pra consertar... E o pessoal só quer é saber de reclamar da gente! Como se a culpa fosse nossa! 
- Mas tu quer o quê, mano? Tem que falar de açaí... Açaí faz parte da vida do povo... A gente alimenta o Estado... Num é bobage não, é a vida da gente toda.
- Mas o nosso fruto já não alimenta esse povo todo não, maninho! Açaí virou foi artigo de luxo! Olhe, daqui a pouco os garimpeiro é que vêm colher a gente!
- Isso lá é verdade. Foi-se o tempo que o nosso fruto custava três reais o litro... Tu te lembra?
- Ora se não lembro! Uns dizem que é essa tal de carestia...
- Inflação, meu mano.
- Pois então. Mar tem gente que diz também que a culpa é nossa, que a gente não dá fruto como antigamente, que as época tão mudada... Num sei não...
- Eu tô cansado. Confesso que já num sou mar o mermo... Eles têm razão. Tô velho, meu compadre. E pode reparar que o tempo mudou. Aí junta a minha velhice com a doidice desse clima... 
- É, mas se o clima mudou, a culpa num é nossa. A culpa é de quem tá mexendo no clima. E eu é que num tô.
Um momento de silêncio. Os dois sábios açaizeiros refletem. O mais manso pondera:
- Já vi que, de novo, a gente discorda. O que é que tu tá pensando nessa cabeça aí, meu velho? Qual a teoria da vez?
- O que eu to pensando é que essa história dessa tal de mídia só ficar falando do preço do açaí é puro "ingrê vê"!
- Mas meu amigo! É problema real... Como tu mermo disse, o povo que antes se alimentava da gente agora já não pode pagar. Tem que ser dito!
- Eu sei... Mar tu já deu uma olhada nessa cidade? Toda esculhambada! E quem foi que escangalhou?
- Quem devia ajeitar desde o começo e não faz.
- E quem é que deve, mar não cuida?
- A gente... Os político...
- Os político! Isso mermo! O povo não precisa só de açaí pra viver... Eu penso que a eleição já vem aí, a cidade anda toda esburacada, esbandalhada, feia... O povo não vive bem, a violência cresce... A gente é coisa miúda vivendo com mazela de cidade graúda! Antes mesmo eu preferia voltar a ser floresta! Sem homi, sem politicagem, nada!
- Pode ser...
- Mas no rádio e na TV a gente mal escuta falar no assunto criticamente... A eleição tá aí e qual é o assunto? O preço do açaí! Dizem que a culpa é nossa, mas o fruto a gente dá de graça! Os homi é que botam código de barra em tudo...
- To te entendo, meu mano. Tu é radical nessas tuas ideia, mas eu entendo. E dar condição ao povo de financiar o açaizinho... Nada! Querem tapar o sol com o paneiro.
- Pois então. O problema é muito maior que o preço do açaí. O preço só dirfarça a coisa toda.  É só a beirada. A questão é que nosso povo vive mal. E a culpa é de quem? Eu te digo! Vamo dar nome aos bois...
- Égua, mano, não! Fica calado que calado a gente já tá errado. Não sabe que aqui no Estado dar nome aos bois significa ser demitido do cargo? Mermo os mais valentes não escapam à conivência forçada. E quem cala, consente.
- Consentir, nunca!
- Mar fica na tua... Fica na tua que aqui é assim mermo... Vai levando cum ur galho que a coisa se ajeita... 
O outro açaizeiro parece irritado, ferido. É feroz, não atura o silêncio. Quer gritar aos quatro cantos do Estado, fazer reverberar pelo igarapé e além o nome dos culpados.
- Os culpado somos todos - diz o amigo sereno, como se lesse o pensamento do outro.
- Mas uns são mar culpados que outros. Os que têm a responsabilidade e não atendem.
- É, meu mano... Até a gente muda... Dá marromeno fruto, faz durar mais a entressafra, diminui a safra... O preço do nosso fruto muda... E essa terra...
- Essa não muda nunca - arremata o outro, resignando-se em profundo silêncio.

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