Apesar do nome, transplante de medula óssea não é
uma cirurgia, mas uma transfusão. A chance de se encontrar um doador é uma
em 100 mil.
Algumas doenças, como a leucemia aguda, a
leucemia mieloide crônica e a leucemia mielomonocítica crônica, afetam as
células sanguíneas do paciente. Uma vez que a medula óssea não é mais capaz de
produzir componentes do sangue (hemácias, leucócitos e plaquetas), é necessário
substituir a defeituosa por uma saudável por meio do transplante. Apesar do
nome, o procedimento não é uma cirurgia, mas uma transfusão. Para ser
realizado, é preciso que haja 100% de compatibilidade doador-paciente. O
problema é a dificuldade de encontrar duas pessoas compatíveis: de acordo com
dados da Associação de Medula Óssea (Ameo), a chance de achar uma medula
compatível no Registro Nacional (Redome) é de uma para 100 mil.
De acordo com Liane Daudt, chefe do serviço de
hematologia clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o procedimento
consiste na retirada de uma parte das células-tronco hematopoieticas (que
originam as células sanguíneas adultas) de um doador geneticamente compatível
com o paciente para, então, serem introduzidas na corrente sanguínea do doente.
Para descobrir se o doador é compatível com o receptor, a médica explica que é
feito um teste de laboratório chamado histocompatibilidade (HLA), para
determinar as características genéticas do doador. O HLA é arquivado em um
cadastro e cruzado com o de diversos pacientes. “Uma vez confirmada a
compatibilidade, são feitos novos exames para determinar o estado de saúde da
pessoa que deseja doar a medula óssea”, completa Liane.
Ainda de acordo com a Ameo, cerca de 60% dos
pacientes não encontram doadores compatíveis na família. Achar um doador não
aparentado depende do grau de miscigenação dos cadastrados no Redome, ou seja,
quanto mais cadastros, maiores as chances para os pacientes. Liane explica que,
desde que o indivíduo esteja saudável, não há restrições que impeçam a doação.
“Se os exames de triagem, estiverem negativos, qualquer pessoa acima de 18 anos
pode ser um doador.”
Apesar do crescimento de
transplantes no país, sofrimento de quem está na fila não tem medida
Mesmo com redução da negativa de doação de 80% para
45% e alta de 118% no número de transplantes em 10 anos, muitos pacientes
enfrentam o sofrimento da fila por muitos anos. Ainda que, segundo o
Ministério da Saúde, as estatísticas sejam animadoras – na última década, o
número de transplantes no país cresceu 118% –, o suplício de quem está na fila
não tem mensura. Há casos em que pacientes chegam a aguardar anos pela
cirurgia. Agonia que não pode ser maquiada pela melhor aceitação da família dos
doadores. Em 10 anos, a negativa de doação caiu de 80% para 45% – dado que
evidencia maior conscientização e solidariedade da população, embora ainda bem
abaixo da média de países desenvolvidos.
Com o aumento da quantidade de cirurgias, o número
de pessoas que aguardam um transplante caiu 40% em cinco anos – a fila diminuiu
de 64, 7 mil pessoas em 2008 para 38,7 mil em 2013. Em Minas, segundo o MG
Transplantes, o avanço se deve ao plantão permanente na busca por doadores para
todas as necessidades. “São 24 horas por dia de atenção a todos os que estão
enfrentando a espera”, garante o médico Charles Simão Filho, diretor do
complexo de transplantes. Em Minas, o aumento no número de transplantes nos
últimos 10 anos chegou a 56,3%.
Este ano, soma-se aos bons resultados no país a
parceria entre empresas aéreas, Aeronáutica e Ministério da Saúde, favorecendo
o transporte para doações. Só no primeiro trimestre, mais de 2 mil órgãos e
equipes de transplante foram transportados de avião, um aumento de 86% em
relação ao mesmo período de 2013. Vale destacar que o Brasil precisou de mais
de duas décadas para chegar a 9,9 doadores por milhão de pessoas. Nos últimos
três anos, esse índice subiu para 13,5. Até o próximo ano, a meta é chegar a 15
doadores por milhão. Expectativa tímida, comparada aos 35 doadores por milhão
de pessoas, alcançados na Espanha.
Na outra ponta do drama, em terras brasileiras, a
agonia da espera. Jáder Sampaio (foto ao lado), de 49 anos, está há mais de
seis anos à espera de um doador de rins. O que começou com a urina espumante,
no fim dos anos 1990, terminou com a falência dos rins. O diagnóstico da doença
renal veio depois de exame admissional, quando o professor universitário foi
aprovado em concurso público. Por quase uma década, Jáder conseguiu cuidar da
função renal. Até se tornar dependente da hemodiálise – uma máquina (rim
artificial) para filtrar as impurezas do sangue.
É uma luta que não parece ter fim. Nos últimos
cinco anos, são cinco sessões semanais de duas horas e meia diárias de
tratamento. Foi numa manhã de cuidados no Instituto Mineiro de Nefrologia, no
Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de BH, que o professor aposentado
recebeu a reportagem do Estado de Minas. Tomado de vida, amor pela família e
vontade de viver, Jáder não faz drama. De fala tranquila e sorriso animador, o
doutor em administração lida de forma exemplar com sua condição. No entanto,
reconhece que nem sempre foi assim. “Quando a gente passa pelas perdas,
pelas muitas fases da doença, vem a força. No início, foi muito difícil. Tive
depressão e precisei de acompanhamento psiquiátrico”, revela. Para Jáder,
estudioso, entre outras matérias, do assunto doação de órgãos, a luta de uma
paciente na fila por doação é mesmo uma saga. “Para entender melhor a situação,
é preciso ouvir os profissionais de saúde intensivistas. Se por um lado temos
uma estatística positiva, por outro temos ainda a resistência de familiares dos
possíveis doadores e a dificuldade de acesso dos doutores às doações”, avalia.
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