Planejamento
Urbano Sustentável: Os conflitos fundiários de uma cidade na selva amazônica
Autor:
José Alberto Tostes
Este trabalho foi apresentado em
Lisboa no dia 25 de setembro de 2014, no evento científico de Planejamento
Urbano Regional Luso Brasileiro, evento considerado importante por apresentar a
produção científica nesta área entre os dois países. O evento tem um caráter
bienal, o próximo será realizado na cidade de Maceió. O tema deste evento
realizado em Lisboa – Reinventar a cidade, entre os diversos trabalhos
publicados nos anais do evento, o Amapá esteve representado pela UNIFAP através
do Curso de Arquitetura e Urbanismo com 04 trabalhos. É um resultado expressivo,
levando-se em conta que este evento seleciona cerca de 250 trabalhos do Brasil
e de Portugal.
Para este evento, tive a
oportunidade de apresentar o trabalho: Conflitos fundiários de uma cidade
planejada na selva amazônica, além de ter a grata satisfação de coordenar a
mesa dos trabalhos com a temática de Planejamento Urbano Sustentável. É
importante salientar que nos últimos anos, o estado do Amapá através da UNIFAP
tem participado ativamente em eventos realizados em países como Espanha, França
e Portugal, fato que tem contribuído para aumentar a rede de cooperação e
intercambio da nossa universidade com estes países, também amplia o conhecimento
sobre o Brasil, não se resumindo as regiões sul e sudeste.
Seguindo nesta linha de debate,
apresentamos a cidade planejada na selva, o conjunto arquitetônico urbanístico
da Serra do Navio, que surgiu com a implantação da Indústria e Comércio de
Minérios S.A – ICOMI, empresa que no período havia ganhado a concessão para
exploração do minério de manganês, no antigo Território Federal do Amapá. Foi
necessária a construção de alojamentos para abrigar seus funcionários, muitos
destes vindos de outras localidades, um exemplo da dinâmica vivenciada pelos
programas de desenvolvimento para esta região, alterando a rede urbana
regional, influenciada diretamente pela implantação das cidades empresas, as Company Towns. Estas formas carregavam
outros espaços urbanos na Amazônia, agregando a estes valores econômicos;
apresentando uma densidade técnica que as diferencia do entorno local e do
contexto regional.
Neste planejamento de desenvolvimento para a
Amazônia, a participação do estado tornou-se decisiva, contribuindo para
instalações dos núcleos de desenvolvimento e oferecendo atrativos para as
empresas se instalarem na região. Esta política de ocupação da Amazônia
concebida pelos governos militares trouxe diversas transformações à região.
Abriram-se rodovias juntamente com a concessão de incentivos fiscais, para
determinados grupos, cuja atuação acabou resultando em diversos problemas
econômicos, sociais e ecológicos. Como consequência desta ocupação, por
intermédio deste plano de governo, teve-se a destruição de diversos segmentos
da cultura regional da população indígena e cabocla, ocupante da região em
questão. Como implicações destas
alterações iniciam-se os processos de conflitos pela posse da terra e
esgotamento de recursos não renováveis.
Nesta circunstância, surgiram os núcleos
urbanos, cujo objetivo era prestar apoio às empresas mineradoras. Os projetos
de colonização agrícola e a construção das hidrelétricas foram implantados na
região. Tais empreendimentos foram construídos em locais pré-determinados,
tendo como direcionamento a reprodução do capital das grandes empresas. As
cidades implantadas representaram experiências vividas em governos anteriores,
e foram consideradas de alto risco em relação ao custo nos mais diversos
segmentos, tais como: sociais, ecológicos, econômicos e financeiros. Muitas
destas urbes foram criadas com pouco estudo para sua implantação.
Dentro deste cenário, é que
aparece a discussão do trabalho cientifico sobre a situação fundiária na cidade
de Serra do Navio dentro de um contexto multidiversificado com um cenário
institucional bastante complexo. Convém salientar, que quando o projeto de Serra
do Navio foi criado às terras eram pertencentes à União, e a área explorada
fazia parte do domínio do Estado brasileiro por se tratar de reservas minerais.
O projeto de Serra do Navio previa a expansão adequada, porém, alguns fatores
contribuíram para aumentar a natureza desta problemática. No começo da década
de 1990, vislumbrou-se a criação do Município de Serra do Navio, até então, era
de Distrito de Macapá, quando o município foi criado não havia terras e nem
patrimônio para repassado para o próprio município.
A criação do município de Serra do
Navio era algo puramente "virtual", não deixava claro, qual seria o
papel adotado pela Prefeitura Municipal de Serra do Navio diante de uma
situação que naquele período era administrado pela ICOMI. Com a saída da
empresa no ano de 1998, configura-se um dos primeiros problemas, a situação
legal dos imóveis ocupados, parte destes imóveis foram utilizados pelos
trabalhadores das empresas, mas que posteriormente foram transferidos a cessão
a terceiros, existem casos de relatos da cessão de imóveis que foram repassados
até cinco vezes, apenas com o recibo de compra da cessão que não dava direito
ao registro do imóvel.
No próprio ano de 1998, começa a
tramitar o projeto de tombamento nacional de todo o conjunto arquitetônico e
urbanístico da cidade de Serra do Navio, fato que vai se concretizar em
fevereiro de 2010 em Brasília-DF, com a concretização da efetivação do
patrimônio, ocorrem outros desdobramentos envolvendo a responsabilidades de
agentes públicos e privados. Entre 1998 e 2008, cerca de 10 anos, diversos
episódios decorreram para provocar novas dinâmicas na região alcançando não
somente a cidade de Serra do Navio, mas também a cidade mais próxima denominada
de Pedra Branca do Amapari. Na prática, invertia-se o processo de exploração,
Pedra Branca passou a ter em seu território a exploração de novos minerais, já
em Serra do Navio ficava como cidade dormitório por ter melhores condições de
estrutura física.
Neste intervalo, a cidade
praticamente dobrou a população urbana de acordo com o IBGE (2010). O projeto
de Serra do Navio tinha a previsão para 2.000 mil pessoas, após a saída da
ICOMI a população praticamente dobrou gerando um colapso total na estrutura urbana.
Um dos fatores preponderantes para tal situação foi à chegada de novos projetos
mineradores, sem as medidas necessárias de contrapartida, a situação agravou-se
com a descaracterização de parte do patrimônio e das áreas públicas
pertencentes ao conjunto arquitetônico e urbanístico.
É notório que o problema fundiário em
Serra do Navio assumiu contornos dramáticos nos últimos anos, um dos fatores
ocasionados foi à inexistência de projetos alternativos após a saída da empresa
após 1998. Um fator crucial para aumentar a gravidade do problema foi à
transição da passagem das terras da União para o estado do Amapá e do Estado
para o município. Esse processo contribuiu para aumentar o grau de dificuldade
para pensar o processo de expansão previsto no projeto original, porém sem a
regulamentação necessária por parte dos orgãos oficiais.
A saída da ICOMI era certa no começo
dos anos 90, porém, não foi dada a atenção institucional adequada, vários
movimentos foram realizados no sentido de planejar melhor a questão do
município, o Estado brasileiro e o estado do Amapá não encontraram a equação
adequada para o problema de Serra do Navio. Com a chegada das novas mineradoras
a partir do ano de 2003, e consequentemente com a vinda diversos trabalhadores
de outras regiões do Brasil, agrava-se o número de ocupações informais no
interior das áreas públicas do conjunto arquitetônico e urbanístico e também na
periferia do entorno da cidade.
A participação dos atores públicos e
privados em Serra do Navio após a saída da ICOMI sempre foi tensa, os atores
envolvidos neste contexto nem sempre tiveram relações amistosas, fato que
contribuiu para acentuar os problemas já existentes. A demora na regularização
dos imóveis e a tríplice relação entre a União (IPHAN), estado do Amapá e o
próprio Prefeitura do Município sem equacionarem os entraves institucionais,
gerou na região um clima de ampla desconfiança. Com o tombamento realizado em
2010, o IPHAN passou a assumir a responsabilidade pelo controle do patrimônio
tombado, como a questão das residências foi resolvida, isso tem gerado
múltiplos transtornos em relação à comunidade.
Os
moradores reivindicam que a questão das terras fosse revolvida em definitivo, e
o domínio passasse município, entretanto, a própria Prefeitura de Serra do
Navio não tinha as condições necessárias para atender as demandas sem o apoio da
União e do Governo do estado do Amapá. De outro lado, estão os moradores que
vivem cerca do conjunto arquitetônico e urbanístico, discutem as questões de
regularização dos lotes de terras as proximidades, e dentro da cidade o poder
público não consegue modificar e transformar a situação dos
"invasores" que vivem nestas áreas.
As mineradoras tem enfrentado a reação de
boa parte das comunidades existentes, os projetos minerais têm causado grandes
impactos urbanos e ambientais, sem que ocorram medidas de contra partida para
atender as necessidades do município e dos moradores. O processo de expansão
urbana ficou comprometido, as limitações orçamentárias em relação à capacidade
do município para fazer frente aos problemas, as dificuldades para propor novos
projetos em função das limitações fundiárias foram alcançando proporções muito
desfavoráveis na região.
A prefeitura Municipal de Serra do
Navio é um dos agentes com maiores dificuldades, por conta das diversas
adversidades que comprometeu todo o planejamento municipal. A Prefeitura não
possui recursos, não tem os planos pertinentes para fazer frente a uma cidade
tombada como patrimônio nacional, não tem os recursos técnicos para produzir as
ações necessárias. O caso de Serra do Navio, é um reflexo sobre como ao longo
de décadas um projeto inicialmente bem sucedido, mas alheio à realidade local.
Este debate rendeu discussões
importantes no evento, mostrou que o problema no caso brasileiro, não se resume
as questões técnicas, mas a forma manipuladora com agem os governos,
governantes e dirigentes de instituições, acabam postergando, medidas e ações,
muitas vezes são simples, porém ganham contornos dramáticos, exatamente por
atender a um quadro clientelista e completamente antidemocrático.
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