quinta-feira, 2 de outubro de 2014

José Alberto Tostes








Planejamento Urbano Sustentável: Os conflitos fundiários de uma cidade na selva amazônica
Autor: José Alberto Tostes

             Este trabalho foi apresentado em Lisboa no dia 25 de setembro de 2014, no evento científico de Planejamento Urbano Regional Luso Brasileiro, evento considerado importante por apresentar a produção científica nesta área entre os dois países. O evento tem um caráter bienal, o próximo será realizado na cidade de Maceió. O tema deste evento realizado em Lisboa – Reinventar a cidade, entre os diversos trabalhos publicados nos anais do evento, o Amapá esteve representado pela UNIFAP através do Curso de Arquitetura e Urbanismo com 04 trabalhos. É um resultado expressivo, levando-se em conta que este evento seleciona cerca de 250 trabalhos do Brasil e de Portugal.
             Para este evento, tive a oportunidade de apresentar o trabalho: Conflitos fundiários de uma cidade planejada na selva amazônica, além de ter a grata satisfação de coordenar a mesa dos trabalhos com a temática de Planejamento Urbano Sustentável. É importante salientar que nos últimos anos, o estado do Amapá através da UNIFAP tem participado ativamente em eventos realizados em países como Espanha, França e Portugal, fato que tem contribuído para aumentar a rede de cooperação e intercambio da nossa universidade com estes países, também amplia o conhecimento sobre o Brasil, não se resumindo as regiões sul e sudeste.
           Seguindo nesta linha de debate, apresentamos a cidade planejada na selva, o conjunto arquitetônico urbanístico da Serra do Navio, que surgiu com a implantação da Indústria e Comércio de Minérios S.A – ICOMI, empresa que no período havia ganhado a concessão para exploração do minério de manganês, no antigo Território Federal do Amapá. Foi necessária a construção de alojamentos para abrigar seus funcionários, muitos destes vindos de outras localidades, um exemplo da dinâmica vivenciada pelos programas de desenvolvimento para esta região, alterando a rede urbana regional, influenciada diretamente pela implantação das cidades empresas, as Company Towns. Estas formas carregavam outros espaços urbanos na Amazônia, agregando a estes valores econômicos; apresentando uma densidade técnica que as diferencia do entorno local e do contexto regional. 
             Neste planejamento de desenvolvimento para a Amazônia, a participação do estado tornou-se decisiva, contribuindo para instalações dos núcleos de desenvolvimento e oferecendo atrativos para as empresas se instalarem na região. Esta política de ocupação da Amazônia concebida pelos governos militares trouxe diversas transformações à região. Abriram-se rodovias juntamente com a concessão de incentivos fiscais, para determinados grupos, cuja atuação acabou resultando em diversos problemas econômicos, sociais e ecológicos. Como consequência desta ocupação, por intermédio deste plano de governo, teve-se a destruição de diversos segmentos da cultura regional da população indígena e cabocla, ocupante da região em questão.  Como implicações destas alterações iniciam-se os processos de conflitos pela posse da terra e esgotamento de recursos não renováveis.
              Nesta circunstância, surgiram os núcleos urbanos, cujo objetivo era prestar apoio às empresas mineradoras. Os projetos de colonização agrícola e a construção das hidrelétricas foram implantados na região. Tais empreendimentos foram construídos em locais pré-determinados, tendo como direcionamento a reprodução do capital das grandes empresas. As cidades implantadas representaram experiências vividas em governos anteriores, e foram consideradas de alto risco em relação ao custo nos mais diversos segmentos, tais como: sociais, ecológicos, econômicos e financeiros. Muitas destas urbes foram criadas com pouco estudo para sua implantação.
              Dentro deste cenário, é que aparece a discussão do trabalho cientifico sobre a situação fundiária na cidade de Serra do Navio dentro de um contexto multidiversificado com um cenário institucional bastante complexo. Convém salientar, que quando o projeto de Serra do Navio foi criado às terras eram pertencentes à União, e a área explorada fazia parte do domínio do Estado brasileiro por se tratar de reservas minerais. O projeto de Serra do Navio previa a expansão adequada, porém, alguns fatores contribuíram para aumentar a natureza desta problemática. No começo da década de 1990, vislumbrou-se a criação do Município de Serra do Navio, até então, era de Distrito de Macapá, quando o município foi criado não havia terras e nem patrimônio para repassado para o próprio município.
          A criação do município de Serra do Navio era algo puramente "virtual", não deixava claro, qual seria o papel adotado pela Prefeitura Municipal de Serra do Navio diante de uma situação que naquele período era administrado pela ICOMI. Com a saída da empresa no ano de 1998, configura-se um dos primeiros problemas, a situação legal dos imóveis ocupados, parte destes imóveis foram utilizados pelos trabalhadores das empresas, mas que posteriormente foram transferidos a cessão a terceiros, existem casos de relatos da cessão de imóveis que foram repassados até cinco vezes, apenas com o recibo de compra da cessão que não dava direito ao registro do imóvel.
          No próprio ano de 1998, começa a tramitar o projeto de tombamento nacional de todo o conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade de Serra do Navio, fato que vai se concretizar em fevereiro de 2010 em Brasília-DF, com a concretização da efetivação do patrimônio, ocorrem outros desdobramentos envolvendo a responsabilidades de agentes públicos e privados. Entre 1998 e 2008, cerca de 10 anos, diversos episódios decorreram para provocar novas dinâmicas na região alcançando não somente a cidade de Serra do Navio, mas também a cidade mais próxima denominada de Pedra Branca do Amapari. Na prática, invertia-se o processo de exploração, Pedra Branca passou a ter em seu território a exploração de novos minerais, já em Serra do Navio ficava como cidade dormitório por ter melhores condições de estrutura física.
          Neste intervalo, a cidade praticamente dobrou a população urbana de acordo com o IBGE (2010). O projeto de Serra do Navio tinha a previsão para 2.000 mil pessoas, após a saída da ICOMI a população praticamente dobrou gerando um colapso total na estrutura urbana. Um dos fatores preponderantes para tal situação foi à chegada de novos projetos mineradores, sem as medidas necessárias de contrapartida, a situação agravou-se com a descaracterização de parte do patrimônio e das áreas públicas pertencentes ao conjunto arquitetônico e urbanístico.
          É notório que o problema fundiário em Serra do Navio assumiu contornos dramáticos nos últimos anos, um dos fatores ocasionados foi à inexistência de projetos alternativos após a saída da empresa após 1998. Um fator crucial para aumentar a gravidade do problema foi à transição da passagem das terras da União para o estado do Amapá e do Estado para o município. Esse processo contribuiu para aumentar o grau de dificuldade para pensar o processo de expansão previsto no projeto original, porém sem a regulamentação necessária por parte dos orgãos oficiais.
          A saída da ICOMI era certa no começo dos anos 90, porém, não foi dada a atenção institucional adequada, vários movimentos foram realizados no sentido de planejar melhor a questão do município, o Estado brasileiro e o estado do Amapá não encontraram a equação adequada para o problema de Serra do Navio. Com a chegada das novas mineradoras a partir do ano de 2003, e consequentemente com a vinda diversos trabalhadores de outras regiões do Brasil, agrava-se o número de ocupações informais no interior das áreas públicas do conjunto arquitetônico e urbanístico e também na periferia do entorno da cidade.
         A participação dos atores públicos e privados em Serra do Navio após a saída da ICOMI sempre foi tensa, os atores envolvidos neste contexto nem sempre tiveram relações amistosas, fato que contribuiu para acentuar os problemas já existentes. A demora na regularização dos imóveis e a tríplice relação entre a União (IPHAN), estado do Amapá e o próprio Prefeitura do Município sem equacionarem os entraves institucionais, gerou na região um clima de ampla desconfiança. Com o tombamento realizado em 2010, o IPHAN passou a assumir a responsabilidade pelo controle do patrimônio tombado, como a questão das residências foi resolvida, isso tem gerado múltiplos transtornos em relação à comunidade.
            Os moradores reivindicam que a questão das terras fosse revolvida em definitivo, e o domínio passasse município, entretanto, a própria Prefeitura de Serra do Navio não tinha as condições necessárias para atender as demandas sem o apoio da União e do Governo do estado do Amapá. De outro lado, estão os moradores que vivem cerca do conjunto arquitetônico e urbanístico, discutem as questões de regularização dos lotes de terras as proximidades, e dentro da cidade o poder público não consegue modificar e transformar a situação dos "invasores" que vivem nestas áreas.
           As mineradoras tem enfrentado a reação de boa parte das comunidades existentes, os projetos minerais têm causado grandes impactos urbanos e ambientais, sem que ocorram medidas de contra partida para atender as necessidades do município e dos moradores. O processo de expansão urbana ficou comprometido, as limitações orçamentárias em relação à capacidade do município para fazer frente aos problemas, as dificuldades para propor novos projetos em função das limitações fundiárias foram alcançando proporções muito desfavoráveis na região.
          A prefeitura Municipal de Serra do Navio é um dos agentes com maiores dificuldades, por conta das diversas adversidades que comprometeu todo o planejamento municipal. A Prefeitura não possui recursos, não tem os planos pertinentes para fazer frente a uma cidade tombada como patrimônio nacional, não tem os recursos técnicos para produzir as ações necessárias. O caso de Serra do Navio, é um reflexo sobre como ao longo de décadas um projeto inicialmente bem sucedido, mas alheio à realidade local.
           Este debate rendeu discussões importantes no evento, mostrou que o problema no caso brasileiro, não se resume as questões técnicas, mas a forma manipuladora com agem os governos, governantes e dirigentes de instituições, acabam postergando, medidas e ações, muitas vezes são simples, porém ganham contornos dramáticos, exatamente por atender a um quadro clientelista e completamente antidemocrático.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ARTIGO DO GATO - Amapá no protagonismo

 Amapá no protagonismo Por Roberto Gato  Desde sua criação em 1988, o Amapá nunca esteve tão bem colocado no cenário político nacional. Arri...