sexta-feira, 24 de outubro de 2014

SAUDE EM FOCO



A CULTURA DA AMBULANSAUDE


             Desde que comecei a estudar  temas de saúde pública, chegando a me pós-graduar num dos  seus ramos-- a Epidemioogia­--, ouço em campanhas eleitorais e leio nos textos da legislação sanitária da inclusão e avaliação das diferenças regionais na aplicação de recursos públicos e na elaboração de políticas públicas. Porém, poucas atitudes ou ações governamentais conjunturais permanentes ou estruturantes de incentivo à saúde respeitam esse principio do SUS, num pais gigante e desigual como o Brasil. O próprio “Mais Médicos”, recém implantado no afã da campanha  eleitoral, também ignorou as desigualdades regionais.
Projetos estratégicos como o “projeto Rondon”, que se destacou nacionalmente por várias décadas, levando aprendizado acadêmico e assistência em saúde aos rincões da Amazônia, foi extinto pelo governo, instituindo agora o PRONATEC, mas sem avaliar as necessidades e a vocação das regiões.  Criou o SAMU para resgatar e transportar feridos e acidentados, mas muitas vezes funciona como “taximu”, sendo solicitado para transportar casos não urgentes e deixando de resgatar casos mais graves, pois os veículos estão parados ou estacionados por falta de manutenção ou mesmo sucateados.
Mesmo reconhecendo as distâncias e as condições geográficas da região amazônica, onde está inserido o Amapá, poucas instituições governamentais possuem essa preocupação de se planejar para atender as questões de saúde local com previsibilidade e programas mais próximos da realidade, ignorando as condições sócio-ambiente-culturais das populações rurais e ribeirinhas, permanecendo com essa visão imediatista de retirar o indivíduo enfermo do seu local de origem, ou seja, não dando as maneiras dignas para ser atendido prontamente na sua cidade ou no seu bairro mais afastado.  A realidade do Distrito do Bailique, pertencente à Prefeitura de Macapá-PMM, é um exemplo, cujas ambulanchas, operações ACISO da Marinha, ações governamentais de ocasião e do barco do TJAP, apenas amenizam a situação, mas não resolvem.
 Com essa concepção mais imediatista e assistencialista de cuidar da saúde, de escamotear as reais necessidades, de ignorar as condições e carências sociais das populações rurais mais afastadas, estará sempre retornando a velha prática da “cultura da ambulansaúde”, que já citei em artigo anterior. Os governantes e gestores com essa visão estreita de fazer saúde pública, acostumados com a propaganda da “cirene ligada” nas ruas, para chamar a atenção do povo de que está preocupado com a saúde coletiva, não fazem cumprir as políticas que visem atender as necessidades de saúde sem sair do local de ocorrência.
Essa constatação se comprova pelo descaso em vários programas governamentais já implantados há vários anos, como a Estratégia de Saúde da Família (PSF), o Agentes Comunitários de Saúde (ACS), os Agentes de Endemia e agora o “Mais Médicos”, que visam principalmente atingir os municípios com até 50.000 hab.  Como tentativa de compensar essa carência e  falta de investimento na atenção primária (atenção básica) e na atenção secundária (assistência nas três clínicas básicas e algumas especialidades, urgência e emergências mais imediatas), que é competência da gestão municipal, apela-se para a velha e ultrapassada medida paliativa de fazer propostas de aquisição de ambulâncias, visando transferir os doentes para serem atendidos na unidades hospitalares da capital .
Até mesmo das seis (6) ambulâncias  do SAMU que foram doadas à custo zero pelo Ministério da Saúde(MS) para a Prefeitura de Macapá(SEMSA-PMM), em julho deste ano,  quatro (4) foram furtadas em peças no galpão que estavam paradas e sem utilização, pois a PMM  ainda não tinha regularizado o seguro para sua circulação. Somente após o furto é que a SEMSA colocou-as para funcionar. Na época do fato, apenas duas(2) faziam o resgate básico e uma funcionada como UTI Móvel, número esse insuficiente para cobrir a demanda dos 398.204 habitantes de Macapá.  A Coordenação de Urgência e Emergência da PMM (DUE) diz que “ cumpre a legislação de 1 ambulância para 100 mil habitantes” e o SAMU contesta afirmando que apenas “ duas ambulâncias são insuficientes, necessitando de quatro”.
Mas porque essas medidas imediatistas de transporte e resgate básico, de feridos e acidentados neste momento de crise institucional da saúde? Devido o não funcionamento dos serviços de pronto atendimento na rede básica, ou seja, nas UBS da PMM, cuja população procura assistência ambulatorial, mas não consegue, agravando os casos simples e devido o aumento da estatística dos acidentes de trânsito e outras causas externas. Porque nos interiores os Hospitais e Unidades Mistas também não conseguem se equipar e se estruturar adequadamente  para prestar um serviço de melhor qualidade nas urgências. Como comentei no  artigo anterior, essas unidades estão sucateadas e ainda com as mesmas características da época do Território Federal do Amapá.
Para tentar compensar o descaso, a inoperância e a falta de gestão e operacionalização da atenção básica, tanto na capital quanto no interior, o Governo do Estado vem novamente intervir com a aquisição e distribuição de mais 14(quatorze) ambulâncias, para suprir os hospitais e unidades do interior, dando suporte na transferência intermunicipal de pacientes graves e não graves, atendendo inicialmente os hospitais de Santana, Oiapoque e Laranjal do Jari.
É a velha “cultura da ambulansaúde”, que funciona mais como “tapa-buraco” e como transferência de responsabilidade de uma unidade para outra, cujos  serviços de urgência/emergência são precários, sem profissionais, equipamentos ou medicamentos,  exigindo a imediata transferência e a aquisição  de veículos para transporte, em vez do investimento na estruturação e na melhoria dos serviços.  JARBAS DE ATAÍDE, Macapá-AP, 21.10.2014.


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