A CULTURA DA
AMBULANSAUDE
Desde que comecei a estudar
temas de saúde pública, chegando a me pós-graduar num dos seus ramos-- a Epidemioogia--, ouço em
campanhas eleitorais e leio nos textos da legislação sanitária da inclusão e
avaliação das diferenças regionais na aplicação de recursos públicos e na
elaboração de políticas públicas. Porém, poucas atitudes ou ações
governamentais conjunturais permanentes ou estruturantes de incentivo à saúde
respeitam esse principio do SUS, num pais gigante e desigual como o Brasil. O
próprio “Mais Médicos”, recém implantado no afã da campanha eleitoral, também ignorou as desigualdades
regionais.
Projetos
estratégicos como o “projeto Rondon”, que se destacou nacionalmente por várias
décadas, levando aprendizado acadêmico e assistência em saúde aos rincões da
Amazônia, foi extinto pelo governo, instituindo agora o PRONATEC, mas sem
avaliar as necessidades e a vocação das regiões. Criou o SAMU para resgatar e transportar feridos
e acidentados, mas muitas vezes funciona como “taximu”, sendo solicitado para
transportar casos não urgentes e deixando de resgatar casos mais graves, pois
os veículos estão parados ou estacionados por falta de manutenção ou mesmo
sucateados.
Mesmo
reconhecendo as distâncias e as condições geográficas da região amazônica, onde
está inserido o Amapá, poucas instituições governamentais possuem essa
preocupação de se planejar para atender as questões de saúde local com
previsibilidade e programas mais próximos da realidade, ignorando as condições
sócio-ambiente-culturais das populações rurais e ribeirinhas, permanecendo com
essa visão imediatista de retirar o indivíduo enfermo do seu local de origem,
ou seja, não dando as maneiras dignas para ser atendido prontamente na sua cidade
ou no seu bairro mais afastado. A
realidade do Distrito do Bailique, pertencente à Prefeitura de Macapá-PMM, é um
exemplo, cujas ambulanchas, operações ACISO da Marinha, ações governamentais de
ocasião e do barco do TJAP, apenas amenizam a situação, mas não resolvem.
Com essa concepção mais imediatista e
assistencialista de cuidar da saúde, de escamotear as reais necessidades, de
ignorar as condições e carências sociais das populações rurais mais afastadas,
estará sempre retornando a velha prática da “cultura da ambulansaúde”, que já
citei em artigo anterior. Os governantes e gestores com essa visão estreita de
fazer saúde pública, acostumados com a propaganda da “cirene ligada” nas ruas,
para chamar a atenção do povo de que está preocupado com a saúde coletiva, não
fazem cumprir as políticas que visem atender as necessidades de saúde sem sair
do local de ocorrência.
Essa
constatação se comprova pelo descaso em vários programas governamentais já
implantados há vários anos, como a Estratégia de Saúde da Família (PSF), o
Agentes Comunitários de Saúde (ACS), os Agentes de Endemia e agora o “Mais
Médicos”, que visam principalmente atingir os municípios com até 50.000
hab. Como tentativa de compensar essa
carência e falta de investimento na
atenção primária (atenção básica) e na atenção secundária (assistência nas três
clínicas básicas e algumas especialidades, urgência e emergências mais
imediatas), que é competência da gestão municipal, apela-se para a velha e
ultrapassada medida paliativa de fazer propostas de aquisição de ambulâncias,
visando transferir os doentes para serem atendidos na unidades hospitalares da
capital .
Até mesmo das seis (6) ambulâncias
do SAMU que foram doadas à custo zero pelo Ministério da Saúde(MS) para
a Prefeitura de Macapá(SEMSA-PMM), em julho deste ano, quatro (4) foram furtadas em peças no galpão
que estavam paradas e sem utilização, pois a PMM ainda não tinha regularizado o seguro para
sua circulação. Somente após o furto é que a SEMSA colocou-as para funcionar.
Na época do fato, apenas duas(2) faziam o resgate básico e uma funcionada como
UTI Móvel, número esse insuficiente para cobrir a demanda dos 398.204
habitantes de Macapá. A Coordenação de
Urgência e Emergência da PMM (DUE) diz que “ cumpre a legislação de 1 ambulância
para 100 mil habitantes” e o SAMU contesta afirmando que apenas “ duas
ambulâncias são insuficientes, necessitando de quatro”.
Mas porque
essas medidas imediatistas de transporte e resgate básico, de feridos e
acidentados neste momento de crise institucional da saúde? Devido o não
funcionamento dos serviços de pronto atendimento na rede básica, ou seja, nas
UBS da PMM, cuja população procura assistência ambulatorial, mas não consegue,
agravando os casos simples e devido o aumento da estatística dos acidentes de
trânsito e outras causas externas. Porque nos interiores os Hospitais e
Unidades Mistas também não conseguem se equipar e se estruturar
adequadamente para prestar um serviço de
melhor qualidade nas urgências. Como comentei no artigo anterior, essas unidades estão
sucateadas e ainda com as mesmas características da época do Território Federal
do Amapá.
Para
tentar compensar o descaso, a inoperância e a falta de gestão e
operacionalização da atenção básica, tanto na capital quanto no interior, o
Governo do Estado vem novamente intervir com a aquisição e distribuição de mais
14(quatorze) ambulâncias, para suprir os hospitais e unidades do interior,
dando suporte na transferência intermunicipal de pacientes graves e não graves,
atendendo inicialmente os hospitais de Santana, Oiapoque e Laranjal do Jari.
É a velha
“cultura da ambulansaúde”, que funciona mais como “tapa-buraco” e como
transferência de responsabilidade de uma unidade para outra, cujos serviços de urgência/emergência são
precários, sem profissionais, equipamentos ou medicamentos, exigindo a imediata transferência e a
aquisição de veículos para transporte,
em vez do investimento na estruturação e na melhoria dos serviços. JARBAS
DE ATAÍDE, Macapá-AP, 21.10.2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário