sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

SAÚDE EM FOCO

                                   

PRECARIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E DO SUS


As recentes medidas governamentais anunciadas pela Presidente Dilma de possíveis perdas de garantias trabalhistas, através de alterações de direitos e ganhos constitucionais já consagrados na CLT, repercutem diretamente em perdas para a classe trabalhadora, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), alterando itens como seguro-desemprego e abono-doença.
Essas medidas atingem a grande massa trabalhadora, mas também repercute nas classes e profissionais mais qualificados, profissionais liberais e servidores públicos de saúde. A carga tributária em constante elevação, o aviltamento e achatamento salarial, o aumento dos custos dos produtos e insumos em saúde e o pouco investimento público na estruturação e aparelhamento das instituições e unidades de saúde, têm consequências diretas na precarização dos serviços de saúde.
           O termo precarização tem sido utilizado para designar perdas nos direitos trabalhistas ocorridas no contexto das transformações do mundo do trabalho e de retorno às idéias liberais de defesa do estado mínimo, que vêm surgindo, especialmente, nos países capitalistas desenvolvidos. Em termos genéricos refere-se a um conjunto amplo e variado de mudanças em relação ao mercado de trabalho, condições de trabalho, qualificação dos trabalhadores e direitos trabalhistas (Mattoso, 1995).
 Servidores públicos de saúde desestimulados, gestão pública incapaz de resolução de questões crônicas mais emergentes, fragilidade nos vínculos informais de trabalho, remuneração injusta, gratificações diversas não acrescidas ao salário base, não reconhecimento como serviço essencial e falta de política de valorização e fixação de médicos e outros profissionais na rede pública de atendimento, especialmente nas áreas mais distantes, são exemplos reais de precarização do trabalho em saúde, fatos esses que estão se repetindo há vários anos na gestão pública da saúde no Amapá.
Portanto, a precarização seria tanto a perda de diretos trabalhistas (13º, licença maternidade, auxílio doença, não pagamento de insalubridade digna, etc.), decorrente da fragilidade ou inexistência de vínculos formais de trabalho, quanto ao sucateamento e falta de investimento no setor saúde (SUS). Isso se observa muito no programa considerado estratégico de saúde pública no Brasil: a Estratégia de Saúde da Família (ESF), onde as prefeituras mantêm vínculos precários com os profissionais. ” O efeito deletério dessa relação precária na gestão do SUS , -- em todas as suas esferas – é a insegurança jurídica em todos as dimensões do trabalho”, diz Carlos Vital, atual Presidente do CFM.  O maior exemplo disso é o Programa “Mais Médicos” do governo federal, cujo vínculo com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e o governo cubano,  está sendo questionado pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal, em Ação Civil Pública que questiona a forma de pagamento feita pelo governo brasileiro aos intercambistas cubanos.  Falam em nulidade do acordo por falta de esclarecimento do destino dos R$ 10.000,00 (dez mil reais) pagos e por falta de transparência da OPAS e do governo federal na prestação de contas (Jornal Medicina, nº 239, Dez/2014).
No Amapá, mesmo com o Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS), criado em 2006, os servidores efetivos, passados mais de uma década, ainda precisam  entrar na justiça para ter seus direitos trabalhistas garantidos. Adicionais de insalubridade, de conformidade com o serviço prestado, gratificações de aperfeiçoamento e qualificação e adicionais por progressão funcional não são acrescidos automaticamente nas remunerações, em total desrespeito à legislação federal e estadual, ou melhor, não existe uma política de valorização das categorias profissionais da saúde.  A judicialização dos plantões médicos, impedindo descontos indevidos, foi uma vitória recente da categoria médica, ganha na justiça.  Quando a administração pública paga, o faz em percentuais mínimos e ignora o período retroativo não pago, exigindo a intervenção judicial.
Essa judicialização das relações de trabalho no setor público gera um ambiente de instabilidade, indignação e insatisfação. Ocasiona revolta, interferência na relação médico-paciente e em perdas e evasão de recursos humanos treinados e qualificados, que pedem demissão, procurando melhorias em outros centros mais avançados. Em meu local de trabalho no HCA/PAI, em 2014, tivemos a saída de 05 (quatro) médicos entre Clínicos e Pediatras, e outros estão ameaçando sair. Quem perde é a população que fica sendo despachada das UBS dos bairros por falta de Médico e formando filas imensas nos Hospitais e Emergências.
               O Ministério da Saúde do Brasil reconhece a existência de múltiplas formas de trabalho precário em saúde e elabora através da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, um “Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho no SUS” com estratégias definidas para a reversão do quadro. Existe muita coisa a se corrigir nessa amaranhada rede de relações de trabalho e na resolução de garantias já previstas em lei, como na lista abaixo, citada no trabalho de  GIRARDI,Set al(2010):

              “(1) Insegurança do mercado de trabalho (falta de oportunidades de emprego);(2) Insegurança do trabalho (proteção inadequada contra a perda de emprego ou a despedida arbitrária);(3) Insegurança de emprego (inabilidade de continuar em uma ocupação particular devido à falta de delimitações de ofício e qualificações de trabalho);(4) Insegurança de segurança e saúde (condições precárias de segurança ocupacional e saúde);(5) Insegurança de reprodução de experiência (falta de acesso à educação básica e treinamento vocacional);(6) Insegurança de renda (nível inadequado de renda; nenhuma garantia de recebimento ou expectativa de um nível adequado de renda atual e futura). Insegurança de renda indica se as rendas são adequadas e se existem auxílios de renda quando necessários; (7) Insegurança de representação (falta de direitos individuais em leis e de direitos coletivos para negociar)”

Na administração pública brasileira, a expansão da precariedade laboral – não importa se na forma dos contratos irregulares e desprovidos de valor jurídico (Nogueira, 2004) coincidiu com a implementação de novas políticas públicas, no contexto das reformas do Estado neoliberal que buscavam, simultaneamente, o enxugamento da máquina pública e a transferência, por meio dos mecanismos contratuais, da operação desses serviços ao setor privado ( para as organizações do terceiro setor). A Estratégia da Saúde da Família é um desses exemplos. A nova gestão da saúde do Amapá, empossada recentemente, deverá ter um olhar atento a essa questão da precarização do serviço em saúde se antecipando às reclamações das categorias, das interpelações judiciais e das demandas de entidades de classe e sindicais, sob pena de continuar repetindo as mesmas condições existentes há mais de 20 anos, decorrentes de gestões descompromissadas com as melhorias no serviço público de saúde.  JARBAS DE ATAÍDE. MACAPÁ-AP, 10.02.2014.



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