PRECARIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE E DO SUS
As recentes medidas governamentais anunciadas pela
Presidente Dilma de possíveis perdas de garantias trabalhistas, através de
alterações de direitos e ganhos constitucionais já consagrados na CLT,
repercutem diretamente em perdas para a classe trabalhadora, como a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC), alterando itens como seguro-desemprego e
abono-doença.
Essas medidas atingem a grande massa trabalhadora, mas
também repercute nas classes e profissionais mais qualificados, profissionais
liberais e servidores públicos de saúde. A carga tributária em constante
elevação, o aviltamento e achatamento salarial, o aumento dos custos dos
produtos e insumos em saúde e o pouco investimento público na estruturação e
aparelhamento das instituições e unidades de saúde, têm consequências diretas
na precarização dos serviços de saúde.
O termo precarização tem sido
utilizado para designar perdas nos direitos trabalhistas ocorridas no contexto
das transformações do mundo do trabalho e de retorno às idéias liberais de defesa do
estado mínimo, que vêm surgindo, especialmente, nos países capitalistas
desenvolvidos. Em termos genéricos refere-se a um conjunto amplo e variado de
mudanças em relação ao mercado de trabalho, condições de trabalho, qualificação dos trabalhadores e direitos trabalhistas (Mattoso, 1995).
Servidores públicos
de saúde desestimulados, gestão pública incapaz de resolução de questões
crônicas mais emergentes, fragilidade nos vínculos informais de trabalho,
remuneração injusta, gratificações diversas não acrescidas ao salário base, não
reconhecimento como serviço essencial e falta de política de valorização e
fixação de médicos e outros profissionais na rede pública de atendimento,
especialmente nas áreas mais distantes, são exemplos reais de precarização do
trabalho em saúde, fatos esses que estão se repetindo há vários anos na gestão
pública da saúde no Amapá.
Portanto, a precarização seria tanto a perda de diretos
trabalhistas (13º, licença maternidade, auxílio doença, não pagamento de
insalubridade digna, etc.), decorrente da fragilidade ou inexistência de
vínculos formais de trabalho, quanto ao sucateamento e falta de investimento no
setor saúde (SUS). Isso se observa muito no programa considerado estratégico de
saúde pública no Brasil: a Estratégia de Saúde da Família (ESF), onde as
prefeituras mantêm vínculos precários com os profissionais. ” O efeito
deletério dessa relação precária na gestão do SUS , -- em todas as suas esferas
– é a insegurança jurídica em todos as dimensões do trabalho”, diz Carlos
Vital, atual Presidente do CFM. O maior
exemplo disso é o Programa “Mais Médicos” do governo federal, cujo vínculo com
a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e o governo cubano, está sendo questionado pelo Ministério
Público Federal do Distrito Federal, em Ação Civil Pública que questiona a
forma de pagamento feita pelo governo brasileiro aos intercambistas cubanos. Falam em nulidade do acordo por falta de
esclarecimento do destino dos R$ 10.000,00 (dez mil reais) pagos e por falta de
transparência da OPAS e do governo federal na prestação de contas (Jornal
Medicina, nº 239, Dez/2014).
No Amapá, mesmo com o Plano de Cargos, Carreiras e
Salários (PCCS), criado em 2006, os servidores efetivos, passados mais de uma
década, ainda precisam entrar na justiça
para ter seus direitos trabalhistas garantidos. Adicionais de insalubridade, de
conformidade com o serviço prestado, gratificações de aperfeiçoamento e
qualificação e adicionais por progressão funcional não são acrescidos
automaticamente nas remunerações, em total desrespeito à legislação federal e
estadual, ou melhor, não existe uma política de valorização das categorias profissionais
da saúde. A judicialização dos plantões
médicos, impedindo descontos indevidos, foi uma vitória recente da categoria
médica, ganha na justiça. Quando a
administração pública paga, o faz em percentuais mínimos e ignora o período
retroativo não pago, exigindo a intervenção judicial.
Essa judicialização das relações de trabalho no setor
público gera um ambiente de instabilidade, indignação e insatisfação. Ocasiona
revolta, interferência na relação médico-paciente e em perdas e evasão de
recursos humanos treinados e qualificados, que pedem demissão, procurando
melhorias em outros centros mais avançados. Em meu local de trabalho no
HCA/PAI, em 2014, tivemos a saída de 05 (quatro) médicos entre Clínicos e
Pediatras, e outros estão ameaçando sair. Quem perde é a população que fica
sendo despachada das UBS dos bairros por falta de Médico e formando filas
imensas nos Hospitais e Emergências.
O Ministério da Saúde do Brasil
reconhece a existência de múltiplas formas de trabalho precário em saúde e
elabora através da Secretaria de Gestão do Trabalho e
da Educação em Saúde, um “Programa Nacional de Desprecarização do Trabalho no SUS”
com estratégias definidas para a reversão do quadro. Existe muita coisa a se
corrigir nessa amaranhada rede de relações de trabalho e na resolução de
garantias já previstas em lei, como na lista abaixo, citada no trabalho de GIRARDI,Set
al(2010):
“(1) Insegurança do mercado de
trabalho (falta de oportunidades de
emprego);(2) Insegurança do trabalho
(proteção inadequada contra a perda de emprego ou a despedida
arbitrária);(3) Insegurança de emprego (inabilidade de continuar em uma
ocupação particular devido à falta de delimitações de
ofício e qualificações de trabalho);(4)
Insegurança de segurança e saúde (condições precárias de segurança ocupacional
e saúde);(5) Insegurança de reprodução de
experiência (falta de acesso à educação básica e
treinamento vocacional);(6) Insegurança de
renda (nível inadequado de renda; nenhuma garantia de recebimento ou
expectativa de um nível adequado de renda atual e futura).
Insegurança de renda indica se as rendas são
adequadas e se existem auxílios de renda quando necessários; (7) Insegurança de
representação (falta de direitos individuais em leis e de direitos coletivos para
negociar)”
Na
administração pública brasileira, a expansão da precariedade laboral – não
importa se na forma dos contratos irregulares e
desprovidos de valor jurídico (Nogueira,
2004) coincidiu com a implementação de novas políticas públicas, no contexto
das reformas do Estado neoliberal que
buscavam, simultaneamente, o enxugamento da máquina pública e a transferência, por meio dos mecanismos contratuais, da operação desses
serviços ao setor privado ( para as organizações do terceiro setor). A
Estratégia da Saúde da Família é um desses exemplos. A nova gestão da saúde do
Amapá, empossada recentemente, deverá ter um olhar atento a essa questão da precarização
do serviço em saúde se antecipando às reclamações das categorias, das
interpelações judiciais e das demandas de entidades de classe e sindicais, sob
pena de continuar repetindo as mesmas condições existentes há mais de 20 anos,
decorrentes de gestões descompromissadas com as melhorias no serviço público de
saúde. JARBAS DE ATAÍDE. MACAPÁ-AP, 10.02.2014.
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