ABATE CLANDESTINO
Amapaense pode estar comendo carne suína contaminada
A falta de matadouros para suínos e fiscalização nas
condições de higiene em que a carne de porco é vendida transforma esse comércio
em risco para a saúde da população amapaense.
Todo o abate é feito de forma clandestina e
não existe qualquer certificação que ateste a qualidade do produto. Segundo os
veterinários, a carne suína pode transmitir doenças fatais ao ser humano.
José Marques Jardim
A criação de porcos (suinocultura) é hoje uma das
atividades da agropecuária mais procurada e produzida no mundo. Informações dão
conta de que as primeiras espécies chegaram à América trazidas por Cristóvão
Colombo no ano de 1492. Já no Brasil, quem trouxe os animais foi Martim Afonso
de Sousa em 1532, durante a fundação de São Vicente no litoral paulista. De lá
para cá, tanto a criação quanto a comercialização não pararam mais.
Em muitos Estados esse tipo de comércio se dá aliado a
alta tecnologia e preocupação com certificações de qualidade expedidos por
órgãos de vigilância sanitária. O animal é inspecionado desde o cativeiro nos
matadouros até entrar na linha de abate.
Pesquisas e relatórios de entidades envolvidas com o
setor informam que a produção do Brasil afora acontece em propriedades
pequenas, médias e integradas a grandes processadores. A regra a ser obedecida
é produzir de acordo com as normas e fornecer o produto com qualidade e
características exigidas pela indústria.
Mas tal realidade é própria somente de Estados
considerados de ponta na comercialização desse produto. No Amapá, onde o
consumo de carne de porco é considerado relevante se comparado à carne de boi,
os métodos de abate e comércio estão muito abaixo das normas de saúde e higiene
observadas no restante do País. Na outra ponta, a população consumidora corre
sérios riscos ao consumidor a carne suína, sem saber sua procedência.
O problema é antigo e não parece ter solução. As
autoridades sanitárias dizem ter conhecimento, mas nunca colocaram em prática
uma ação que fiscalizasse o abate clandestino e as condições de higiene nas
quais o produto é exposto ao consumidor. Nas feiras, a carne suína fica
pendurada durante horas em locais improvisados em meio à poeira e moscas. Não
existe qualquer certificação veterinária de que o animal abatido estava ou não
saudável. Em resumo, quem compra carne de porco em Macapá, não sabe se está
levando um futuro problema para casa.
Comércio Clandestino
Prova desse comércio clandestino é a feira que funciona
na rampa do bairro Santa Inês, um dos principais atracadouros de pequenas
embarcações da capital. É uma estrutura de concreto que avança poucos metros no
rio Amazonas e também serve para o comércio do açaí.
É lá que aos
domingos, segundas e quartas-feiras os animais ficam expostos “peiados” aos
compradores. O negócio é fechado de forma rápida. Depois da escolha, o abate é
o segundo passo. O porco é sangrado na própria rampa e esquartejado. O sangue
geralmente escorre para o rio, o que é tratado com indiferença, tanto por quem
vende quanto para quem compra e vai revender o produto que na fonte custa de R$
5,00 a R$ 6,00 e chega nas mãos do consumidor em torno de R$ 20,00.
Momento do desembarque de porcos abatidos na rampa do açaí. |
De acordo com a Agência de Defesa e
Inspeção Agropecuária do Amapá – Diagro -, trata-se de prática ilegal e crime
contra a saúde pública. O diretor presidente Otacílio Barbosa, que tem em mãos
outro problema grave com a carne bovina dos rebanhos do Amapá ser considerada
de risco desconhecido disse que algo já deveria ter sido feito há muito tempo
com relação ao abate clandestino de suínos. Hoje, o Amapá não dispõe de
matadouros legalizados o que torna irregular e de risco, praticamente toda a
carne comercializada principalmente nas feiras. Consequentemente o produto não
é aferido por qualquer veterinário, o que garantiria que a carne que chega ao
consumidor não estivesse doente.
Já a vigilância
sanitária do município, além de reconhecer a falta de matadouros para suínos e
a procedência duvidosa da carne ainda informou que haveria a necessidade da
Guia de Trânsito Animal para o deslocamento dos suínos. A GTA exige que sejam
apresentados certificados de vacinação ou atestado de sanidade. São estes documentos
que asseguram que o animal está livre de doenças.
Os animais vendidos e mortos na
rampa do bairro Santa Inês geralmente são trazidos de localidades do Pará. Ano
passado a Vigilância Sanitária de Macapá disse não ter conhecimento dos abates
na rampa e que passaria a fiscalizar a situação. Nada aconteceu.
Já a Diagro reconhece que o abate de
suínos é feito sem qualquer controle, e isso dificulta as informações sobre a
procedência. A Agência tem a responsabilidade sobre o trânsito dos animais
cabendo à vigilância sanitária as fiscalizações. O projeto de um matadouro para
porcos já teria sido criado, mas nunca entrou em execução.
Amapaense consome 2, 1 kg de carne suína
Pesquisas revelam que a carne suína é a preferida em todo
o mundo, com algumas variações entre os países. Ela representa cerca de 40% do
consumo do planeta. Na Europa, se come por ano nada menos que 45 kg por
habitante. No entanto, o Brasil ainda consome mais carne bovina e aves. O
brasileiro come 13 kg de carne suína ao ano. 82% desse total é de embutidos
como presunto, mortadela, salsicha e linguiça. Somente 2,3kg são de carne
fresca. Em nível de Amapá o consumo de carne de porco chega a ser de 2,1 kg por
habitante ao ano. Os números são do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística e estão na Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF, feita entre os
anos de 2008 e 2009. A média está bem abaixo da nacional.
Já naquele ano o IBGE se deparava com um dado importante
e ao mesmo tempo preocupante ainda para os dias de hoje. Todo consumo de carne
suína comercializada no Amapá tem origem no abate clandestino e não é
fiscalizado pelos órgãos de saúde pública nem do Estado ou município. As
informações, no entanto, não estão catalogadas como oficiais, mas o próprio
instituto alerta que não podem ser ignorados.
A pesquisa, no entanto, fornece informações como a que
considera que em 160 mil domicílios pesquisados, o consumo aproximado de carne
de porco é de 400 toneladas ao ano. Em cifras o faturamento representa nada
menos que R$ 5 milhões para a economia local.
Para o estatístico Adrimauro Gemaque, as autoridades
tanto estaduais, municipais e federais puseram uma venda nos olhos com relação
ao problema do abate e condições de higiene deste comércio, incluído neste hall
o Ministério Público.
RISCOS
PARA SAÚDE
Com
a total falta de fiscalização sobre o abate de suínos no Amapá, o risco de
consumir carne contaminada é muito alto. O porco pode ser o hospedeiro de inúmeros
parasitas. O animal criado sem qualquer condição de higiene é um risco
potencial para a saúde do ser humano que venha a consumir esta carne. Nela
podem estar toxinas, vermes e doenças latentes. Segundo os veterinários, os
porcos são os animais comestíveis mais predispostos a doenças em comparação a
outros que fazem parte do cardápio cotidiano. O contágio pelo vírus Influenza é
uma das doenças mais comuns transmitidas pelos porcos. Ela se aloja nos pulmões
do animal e pode afetar ainda, outros animais.
Outro exemplo é o contágio por helmintos. Um
dos mais perigosos e comuns é a Taenia solium, popularmente conhecida como
“solitária”. O homem contrai este verme quando ingere carne crua ou mal passada
de suíno infestada de larvas, originando a doença chamada de Teníase. O verme
se aloja no intestino humano. A tênia pode viver até 8 anos ou mais
A Cisticercose é outra doença transmitida pela carne do porco. Uma parte dos cisticercos, que são vermes, pode se fixar no cérebro, causando neuro cisticercose, forma grave da doença que resulta em crises convulsão, hipertensão craniana e hidrocefalia. Ela também pode se localizar no coração, olhos e músculos. Tais doenças estão diretamente ligadas à ingestão de carne suína contaminada. Considerando que no Amapá não existe qualquer fiscalização que certifique se o produto vendido nas feiras e outros locais são saudáveis. O consumidor não está livre desses males. A situação pode vir a se tornar um caso de saúde pública. Por enquanto, trata-se de um grave descaso.
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