LIÇÕES
DE TOLERÂNCIA
Aprendemos
a muito falar em tolerância, ser tolerante, a lidar pacientemente com o outro,
respeitar suas escolhas e seu espaço, mas, embora o discurso seja bonito,
grandiloquente, repetido por boa parte de nós, é uma pena que nós mesmos
estamos tão pouco propensos a aplicá-lo em nossas vidas.
Deixamos a
discussão para as coisas grandes, muito graves, e ignoramos que os exercícios
de tolerância se dão no dia a dia, na rotina, dia após dia.
Na verdade
esse é um mal dos nossos tempos, essa reprodução banal de discursos muito
polidos, ou mesmo inflamados, sempre em prol de uma nobreza das relações
interpessoais, mas que se torna problemático exatamente por não ser aplicado
para fora da dicção de palanque, no trato humano mesmo do cotidiano.
Exemplos
da intolerância nossa de cada dia não faltam, mesmo quando hoje tanto se fala
de respeito. Aqui em Fortaleza, por exemplo. Começou a época da chuva,
chuva como há alguns anos não vinha, e, nos dias em que a água resolve cair,
ela não para. Vai e volta o dia inteiro, numa quantidade absoluta para encher a
cidade.
E embora a
população se alegre muito com a perspectiva de um tanto de água cair também lá
no sertão, Fortaleza vira caos, porque a infraestrutura de escoamento da água é
um tanto precária, e as ruas colaboram para as enchentes, e, nesse contexto,
inevitavelmente, os ânimos de todos que têm de ir para escolas e trabalhos nos
ônibus ou a pé ou de bicicleta debaixo de tanta água acabam mesmo exaltados.
Nessas
horas, cadê a tolerância, o pensar também no outro? Os carros não se preocupam
em evitar as poças, e assim os pedestres viram banhistas. As pessoas nas
paradas de ônibus são algumas das que mais sofrem. Além dos banhos, não há
espaço para todos debaixo da cobertura de concreto das paradas, e até os
guarda-chuvas salvadores se tornam empecilhos cruéis, com todo mundo ali
espremido. Nesse momento, todos se odeiam.
E foi
dentro do ônibus que recentemente testemunhei uma das mais chatas demonstrações
de intolerância. Era manhã cedo, o ônibus lotado, chovia muito e havia uma fila
imensa de passageiros para descer no ponto em que o motorista acabara de
parar.
Uma mulher
então se deteve uns momentos na porta do ônibus para abrir o guarda-chuva e não
se molhar ao descer. Um homem na fila, atrás dela, começou a bufar. Logo vieram
dele os insultos, por conta da demora. E ela, nervosa, acabou demorando ainda
mais para conseguir abrir o treco de uma vez. E mais bufava o homem.
Veja,
porém, que estávamos todos nós ali na mesma situação. Todos pintos molhados,
todos atrasados para o trabalho, todos irritados, mas a culpa não era da mulher
que se demorou ao descer, e não havia porque se irritar com os cinco segundos
que ela tomou para sacar seu guarda-chuva. E o homem exasperado na fila abriu
também o dele ao sair. Quer dizer, uns podem, outros não?
Somos
pacientes quando os demorados somos nós. Somos compreensivos quando quem se
atrasa é a gente. De modo geral, a nossa tolerância é elástica, e nessa
elasticidade mora o perigo de concedermos perdão a uns e condenação a outros,
até em pequenos conflitos do dia, quando, na verdade, não cabe a nós, de
imediato, condenar ninguém, nem escolher em que momentos ser ou não tolerante.
Se se fala em tolerância, é indispensável um mínimo de constância, mansidão e
maturidade.
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