A falácia das políticas urbanas no Brasil: Até quando as cidades
irão suportar?
Quando discutimos sobre políticas urbanas no Brasil vamos chegar as seguintes
conclusões: muito embora tenham ocorrido inúmeros avanços nas últimas três
décadas em relação aos direitos de todos os usuários, há um enorme
distanciamento, entre o que está descrito nos textos dos diversos documentos
como leis, decretos, portarias, resoluções normativas e tantos outros, o que se
conclui é que o problema no Brasil não é a ausência de legislação, mas o
planejamento, o cumprimento e a fiscalização eficaz de todos os requisitos previstos
através destes distintos instrumentos legais.
Neste
artigo, vamos comentar como tal distanciamento tem sido nocivo para alcançarmos
o desenvolvimento equilibrado nos municípios e cidades brasileiras. Devemos
lembrar, foi a partir da Constituição Brasileira de 1988 que foi garantido os
capítulos específicos em direção da política urbana no país, posteriormente a
partir de 2001 e 2003 com a efetivação do Estatuto da Cidade e a criação do
Ministério das Cidades avançamos em direção da real tentativa de encontrar os
meios para elaboração e execução de políticas urbanas mais integradas, duradouras,
consistentes e continuadas, entretanto, apesar dos instrumentos norteadores,
tudo aquilo que está no papel não tem sido suficiente, se não for devidamente
combinado com outros mecanismos, assim destacados: qualificação de mão de obra,
políticas públicas integradas, planejamento e gestão compatível com a realidade
do lugar, orçamento público transparente, políticas setoriais de acordo com as
grandes metas nacionais e regionais.
O que se vê na atualidade, é um abismo entre
o que propõe a politica urbana descrita nos instrumentos legais e o sistema de
planejamento e gestão no Brasil definido pela União, estados e municípios. As
políticas habitacionais, acessibilidade e mobilidade urbana e transportes são
muitas vezes antagônicas entre si, há casos, dentro do mesmo governo que se
contrapõem as metas oficiais estabelecidas, até hoje, a politica de
financiamento de novos conjuntos habitacionais é realizada sem estar conjugadas
com as políticas que integram a cidade, sendo assim, programas como “Minha
Casa, Minha Vida” é tratada como a redenção dos problemas de acesso a moradia, não
é bem assim, existem múltiplos casos pelo Brasil afora, de concepções
insuportáveis que só aumentam a segregação urbana.
Outro fator decisivo para isso, quando nos referimos à aplicabilidade de
políticas urbanas, constata-se o distanciamento das ações entre os governos
federal, estadual e municipal, como nem sempre falam a mesma linguagem
política, cada ente, se posiciona de uma forma, contribuindo para aumentar a
segregação e os vazios urbanos. Cada lei tem a sua peculiaridade, o Estatuto da
Cidade, na prática já fosse um Estatuto das Metrópoles, na sua essência tenta
definir princípios importantes para serem assegurados, mas como todo documento
legal, são ideias que precisam ser aplicadas em médio e longo prazo, sem isso,
será sempre um instrumento de prateleira com pouco uso. A prova disso é a
maneira como o governo federal tratou a questão dos planos diretores, dos planos
setoriais e agora mais recentemente o Plano Municipal de Resíduos Sólidos.
O problema da exigência de planos, programas e projetos por parte do governo é
travada pela pouca capacidade de planejamento e gestão por parte da grande
maioria dos municípios brasileiros, o resultado é o não cumprimento de metas e
ações previstas dentro do prazo estabelecido. Todos os anos, os congressistas
destinam recursos para distintos municípios de seus estados de origem, se isso
fosse feito com base em todos os instrumentos legais de planejamento, se
evitaria muitos desperdícios de recursos públicos.
Então, chega-se a conclusão que o problema não são as leis e os instrumentos
legais que permeiam a orientação e ocupação do território urbano e rural, mas a
completa incapacidade para fazer frente às múltiplas demandas existentes no
país. A política urbana na prática tem sido conduzida pela pressão política,
social e econômica, quando concretamente, deveria ser o contrário, daí resulta
a pouca eficácia de um instrumento tão importante quanto o Estatuto da Cidade.
Na Amazônia, pesquisa recente, mostrou que mais de 60% de todos os prefeitos
dos municípios da região alegaram nunca ter lido o documento ou pelo menos
conhecer os princípios importantes.
As políticas urbanas ficaram reféns do poder especulativo, do capital volátil,
dos interesses escusos e dos grandes projetos privados, o remédio para isso é
bastante amargo, significa ir em direção contrária de uma ordem estabelecida de
forma perversa no Brasil. Enquanto os governos não derem conta que os problemas
estão nos municípios, não vamos avançar na aplicabilidade de políticas urbanas
sérias e bem realizadas. O exemplo está no cotidiano das cidades, corta-se uma
via pública como se fosse algo banal, coloca-se um semáforo em uma esquina, só
porque lá já ocorreram vários acidentes, muda-se o trajeto de uma via por
entender que irá reduzir o fluxo de veículos no lugar, e assim por diante. A
política não é urbana, é de fazejar, aquilo que chamamos de planejamento está
longe, onde tudo isso irá alcançar, não se sabe, porém o que estamos percebendo
em muitos anos, é o estado caótico das cidades, dos bairros, das quadras, das
vias etc.
Outro importante aspecto a ser considerado é que no
Brasil, em que pese se afirmar que vivemos em uma “democracia”, na prática é
uma democracia de conveniência para quem está no poder e dá as cartas, sem
Reforma Política e sem Reforma urbana, pouco avançará a aplicabilidade de
políticas que abracem a cidade de fato como deveria. Os políticos elaboram as
políticas neste país, são os primeiros a burlarem os instrumentos legais, a
sociedade assiste passivamente tudo, pouco se envolve, as consequências são
evidentes, politicas públicas e urbanas enfraquecidas, com reduzida aplicação,
o que temos de forma efetiva são politicas frágeis, temporárias e cercadas de
uma enormidade de problemas. A política econômica deste país não considera em
nada a qualidade de vida nas cidades, colocam-se todos os anos milhões de novos
veículos nas vias e estradas, sem, no entanto, pensarem nos transportes
públicos, espaços alternativos e outros meios de garantir a qualidade de vida
urbana, até quando tudo isso irá ocorrer, isso já sabemos, nos restar perguntar:
até onde as cidades irão suportar?
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