sexta-feira, 20 de março de 2015

SAÚDE EM FOCO

FRATERNIDADE, SOCIEDADE E SAÚDE: DILEMAS QUE QUESTIONAM.
         
A  Campanha da Fraternidade (CF) no Brasil tornou-se um período de reflexão e um instrumento de manifestação da ação evangelizadora da Igreja Católica, buscando entre os cristãos e as pessoas de boa vontade a viverem o espírito de solidariedade. Surgiu em 1962, impulsionada pelo espírito renovador do Concílio Vaticano II, que durou entre 1961 a 1965, explanando temas seculares e de relação com problemáticas do mundo temporal e da sociedade.

Como no tema de 1996, Fraternidade e Política passaram a ser a tônica das campanhas, analisando, discutindo, denunciando e dando incentivo e sugestões para uma melhor convivência social.  Com o tema de 2015—“Fraternidade: Igreja e Sociedade”—busca não só a renovação da vida da Igreja, mas também contribuir com a transformação e humanização da sociedade: da melhoria das estruturas, do incentivo a uma relação ética e moral entre os fiéis, do aprimoramento e aproveitamento das vivências e experiências concretas e da atuação oportuna e consciente dos cristãos e instituições da sociedade civil na vida sócio-política do país.

Falar em sociedade no seio da Igreja deixou de enfatizar temas focais e domésticos. Os temas passaram a ser mais conjunturais e estruturantes, ou seja, que interferem na vida concreta do cidadão e  da sociedade. Em relação à saúde, várias experiências, como na CF/2012 (Fraternidade e Saúde Pública), mostram que existem saídas para o momento que vivemos. Nesse ano o lema foi: “que a saúde se difunda sobre a terra”. Indicava mais ação e implantação do óbvio e consolidação dos princípios do SUS, na universalização e equidade na oferta dos serviços.

Hoje, com o lema “Eu vim para servir”, a Igreja reflete não só a real implantação das garantias constitucionais do SUS, mas também questiona a postura e posicionamento dos executantes investidos de autoridade (gestores, governantes, parlamentares e políticos católicos e não católicos) em interferir oportuna e concretamente nessa mudança. É difícil buscar essa coerência entre Fé e Política, entre vivência pessoal e atuação político-social. Mas é isso que a Igreja Católica visa, estimula e busca: a dialética e o equilíbrio de contrários e a quebra de paradigmas erroneamente instalados nas instituições de saúde.

Não acompanhei os resultados do relatório final da CF/2012 sobre saúde pública. Mas uma coisa é certa. O sistema de saúde oficial brasileiro  (SUS) estagnou; os vícios e relações corruptas se institucionalizaram; políticas e conquistadas populares foram descumpridas (Conferencias de Saúde); os resultados e indicadores do SUS pouco avançaram nos últimos 20 anos. As denuncias da mídia e das instituições fiscalizadoras de descumprimento das políticas públicas foram, em grande parte, ignoradas pelos poderes constituídos; e as interpelações  de instituições como Pastorais Sociais , CNBB, OAB, ABI e Conselhos Federal e Regional de Medicina pouco adiantaram. Isso significa que a sociedade se mobilizou, exigiu mudanças, mas seu grito não chegou a mãos  de homens de boa vontade. Isso mostra o descompasso e afastamento dos agentes públicos e das instituições com as aspirações do povo.
 Grandes autoridades “defensoras” dessas mudanças, que ocuparam as ruas e palanques pela redemocratização do país e pelas “Diretas Já”, na década de 80, hoje ocupam listas de denunciados e possíveis indiciados em atos de crime de corrupção. Vida separada da Fé. Atuação política separada da religião. Falta de coerência e de convicção político-ideológica. Exemplos de crise moral e ética das consciências. Em termos religiosos pecados pessoais e institucionais (Cf. Ef 5, 8-13), que jamais fogem da luz divina.
Estreitamente falando, pensamos que “servir” é apenas um ato isolado e mesquinho de dar esmola, de contribuir com dízimos, de ter pena esporádica e dar um tostão ou um pedaço de pão, para amenizar a dor da consciência; de ir à missa em busca do sagrado e ignorar o sofrimento humano ao seu lado; de falar e discursar em palanques e depois trair e contradizer o que disse.

A fé viva, revigorada, renovada e questionadora do Ressuscitado Jesus é algo maior, mais sublime e transformador.  É uma conduta que surge no espírito, no coração e na consciência e se expressa nos pensamentos, nas atitudes, nas normas, nas leis, na ordem, no convívio social e na atuação política dos fiéis envolvidos e na própria discussão político-administrativa. Como diz São Paulo na carta a Tiago: “Meus irmãos, o que adianta alguém dizer que tem  fé, se não tiver obras?” ( Cf. Tg 2,14-17).

Com o lema da CF/2015, “Eu vim para servir”,a Igreja chama atenção não só de seus fiéis católicos. Inclui os demais membros da sociedade civil que possuem boa vontade para melhorar e renovar as estruturas, visando o bem comum, ou melhor, pede para revermos nossas posturas  e escolhas e contribuamos para uma sociedade mais democrática, solidária e sustentável. Chama os fiéis para serem “ sal, luz e fermento no mundo” (Cf. Mt 5,13-16). Conclama os excluídos (opção preferencial pelos pobres) não ao anarquismo, ao fanatismo, a homofobia, à desordem, mas os convida para uma caminhada que busque ambientes saudáveis e de paz, de concórdia, de negociação e de vivência mais igualitária, partindo dos mais necessitados ou marginalizados.

Com seu Magistério, sua Doutrina Social (Dimensão Social da Fé Cristã), os documentos Pastorais e as orientações do CELAM, a Igreja busca o diálogo com as outras denominações religiosas (ecumenismo) e da sociedade civil. Busca, enfim, a paz e o bem-estar social incentivando a prática de medidas permanentes e duradouras. Com esse lema nos interpela a não esquecermos: “ Javé, o Deus solidário e libertador, optou pelos pobres, ao ouvir o clamor dos oprimidos e descer para libertá-los das garras do imperialismo dos faraós do Egito” (Cf. Ex. 3,7-10). JARBAS DE ATAÍDE.



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