segunda-feira, 13 de abril de 2015

ARTIGO



Entre adultos e crianças: a maioridade penal

Schleiden Nunes Pimenta 

O interesse de muitos juristas pelo Direito Penal não é estimulado exatamente pelo gosto, mas pela indignação. A ânsia de querer melhorar o sistema, revolucionar os métodos, solucionar os problemas. Tal indignação é a propulsora deste texto, que possui o objetivo de refletir sobre a polêmica da maioridade penal.

Como escritor literário parece-me imprescindível que a abordagem da questão também seja feita de um ponto de vista literário. Mas não significa dizer que é imprescindível realizar uma análise da questão penal em Franz Kafka e em seu absurdo jurídico representado em O Processo, ou sob o Crime e Castigo de Dostoiévski. Analisar o Direito sob uma técnica literária significa subverter a questão principal; se por um lado a literatura possui o papel genuíno de revelar aspectos que poucos veem, problematizar dogmas e propor reflexões profundas, a crítica do Direito realizada por um literato não pode ter outro objetivo senão o de desvirtuar o maniqueísmo que domina os debates na seara jurídica. O objetivo de tal crítica deve ser o de abandonar o confronto “bem x mal”, “justo x injusto”, “legal x ilegal” e buscar algo mais sublime, o âmago do problema, um ponto de vista que seja marcado pela verdade e às vezes também pela utopia – se necessário for –, já que seu comprometimento é com a perfeição e não com a possibilidade jurídica ou política do pedido.
Se por um lado, nos temas cotidianos ou que tratam da alma humana, a literatura tem como função o abandono das mentiras e das ilusões relacionais, no Direito tal apontamento também é razoável de ser feito: desapegar-se das ideologias institucionais, bem como apontar o verdadeiro justo que está por detrás das suas discussões pobres porque meramente duais. Nesse raciocínio, adianto-me em dizer que o debate que se pauta em descobrir qual a idade ideal para se punir é irrelevante.
O problema da causa do crime, o problema da consequência do crime e o problema de como solucionar o crime em si não repousa no debate da maioridade penal. Objetivamente dizendo é irrelevante debater sobre qual é a idade adequada para prender pessoas que cometem atos tipificados como crime.
Falar de Direito Penal é falar de liberdade. O objetivo do Direito Penal, mais do que a pena, deveria ser a liberdade. Quando falo a esse respeito a sensação é de que o Direito seja pobre, de uma pobreza sem tamanho, porque a única coisa que ele faz é privar-nos da nossa liberdade. Poder-se-ia dizer que o Direito Penal é a disciplina mais importante já que se trata de algo tão essencial como a liberdade, mas é o contrário: torna-se pobre porque, em vez de cuidar da liberdade, aprisiona-a; em vez de estudá-la, ignora-a; em vez de instruí-la, torna-a motivo de mais fúria por parte do criminoso e também da sociedade. A vingança, o troco, a segregação, a protelação.
Contrario as duas frentes do debate porque não defendo a diminuição nem a manutenção e nem o aumento da maioridade penal. Pouco me importa. Simplesmente penso que a sua própria existência é mais do que inútil para o que o aparato jurídico-político quer. Debater a maioridade penal não é debater o problema; debatê-lo é apenas debatê-lo, ou seja: por mais uma vez, os pensadores e aplicadores do Direito se abstraem no mundo das ideias – ao mesmo tempo em que se prendem a um só tópico –, deixando de visualizar referido tópico dentro do ambiente no qual ele se encontra.
De quê adianta a prisão? Ou, para o debate presente, de quê adianta a prisão para uma pessoa de 12, 14, 16 ou 18 anos? Essa é a pergunta que enseja a problemática da maioridade penal. Longe de adentrar o estudo da teoria da pena (se seu caráter é apenas retributivo ou também educador), arrisco-me a dizer que a consequência do enclausuramento para a pessoa de 12, 14, 16 ou 18 anos pode ser a mesma: toda, ou nada. Sua consequência é subjetiva pois falamos de um ser único e complexo, que é submetido a uma convivência prisional e a uma reflexão pessoal cujos resultados estão fora do controle de qualquer ente punitivo. Sob essa realidade, uma das únicas afirmativas razoáveis a se fazer é: a função da prisão é prender, ou, noutras palavras, a função da prisão é retirar da sociedade, por um determinado tempo, uma pessoa que agiu conta algum bem jurídico que lhe era importante. Todavia, tendo 12 ou 18 anos, o seu simples enclausuramento não soluciona absolutamente nada; não nos trás a garantia de sua reabilitação, e muito menos a esperança de que a sociedade esteja a salvo.
Numa posição ultra-realista, poder-se-ia dizer que a sociedade jamais estará a salvo por culpa da instabilidade e da subjetividade dos próprios cidadãos que a compõem. Por ironia, tal instabilidade é matéria prima da literatura.
Mas este ensaio se propôs a trabalhar a possibilidade de uma utopia. Nesta esteira, a conclusão é a de que, independentemente da idade, qualquer punição ou qualquer atitude pode ser tomada para solucionar qualquer problema de pessoas que se encontram em qualquer idade. O alvo do Direito Penal não pode ser o ser em si, mas o ser encaixado num determinado ambiente que o influenciou.
Uma vez que o Direito Penal não se preocupa em conhecer a fundo as razões do crime e o ambiente no qual ele foi praticado, pouco importa debater a questão etária. Uma vez que não importa mais saber se o crime se deu por uma questão psicológica, biológica, ou sociológica, a única vazão da pena seria mesmo a retributividade. Quiçá, resguardando um tento reeducador que se dá na marra, tal marra que marcou nosso processo educacional desde a invenção do brasileiro...
O correto seria que cada contravenção, que cada ato atentatório contra algum bem caro à sociedade, fosse tratado adequadamente não importando qual a idade do infrator. Sendo adolescente ou adulto, a análise aprofundada do caso dirá qual a melhor decisão ou qual o melhor procedimento a se tomar: se medicação, se enclausuramento, se tratamento psicológico, se reabilitação do meio em que se vive, seja o que a análise disser. Por mais que uma penitenciária reabilite o sujeito, seu retorno para o meio do qual saiu, para a fonte que o criou, fará com que tudo retorne para o estado anterior. Preocupamo-nos com o criminoso, mas não preocupamo-nos com o meio. Neste sentido, em vistas da ignorância para com o âmago da mazela social, de nada vale a discussão da maioridade penal.
A maioridade penal encaixa-se num debate tão somente acerca do enclausuramento ou não, quando a análise aprofundada do crime debate a real solução para o problema. Em razão de tal raciocínio, a conclusão a que chego é a de que a nação se perde; perde-se em seus amontoados de argumentos que não farão qualquer mudança considerável, em termos positivos, para a nossa sociedade.
O ideal, o perfeito, seria a reflexão acerca da reforma criminal. Todavia, e aqui, retomo a despreocupação que a literatura guarda para com os anseios da política – atendo-se tão somente à realidade das coisas –: difícil é de se acreditar que algo acontecerá. Como Adorno ensina, a literatura guarda naturalmente um anseio social, mas de forma alguma ela deve se materializar como uma ideologia; deve acontecer de dentro para fora e não de fora para dentro. Ora, a indignação, que agora me dilacera, vem do mais profundo do meu ser.
Não dou esperanças; por um lado, discutir a maioridade penal não resolverá, e, por outro, não teremos por agora uma reforma criminal que interaja todos os entes sociais. Nossa educação rasteja, nosso sistema criminal fracassa, e nossos debates continuam inúteis, bem como esse texto é inútil também. Entre o gosto e a indignação resta-nos a frustração. Para os escritores e literatos, o que sobra é a possibilidade de perpetuar romances a respeito da derrocada das penitenciárias, seja escrevendo o absurdo processual de Kafka, seja narrando o terror do crime e do castigo.


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