quinta-feira, 23 de julho de 2015

SAÚDE EM FOCO



SAÚDE SEM RUMO
Parlamento inoperante e controle social não respeitado


JARBAS DE ATAÍDE – Médico

Personalidades, autoridades, juristas e entidades da sociedade civil compuseram o chamado Movimento Sanitarista, que contribuiu para estabelecer a regulamentação do SUS, debatendo os temas com o governo após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Desse debate surgiram as principais leis que norteiam a sua organização, que passaram a ser chamadas de Lei Orgânica da Saúde – LOS, constituindo a Lei 8.080 (19.09.19990) e a Lei 8.124 (28.12.1990). Para chegar a essa legislação houve intensa participação e embates entre o movimento e o governo. Parte delas foram propostas e discutidas na 8ª Conferencia Nacional de Saúde, ocorrida em Brasília, de 17 a 23 de março de 1986.
Essa conferência constituiu um marco histórico para a saúde pública brasileira, pois representou uma contribuição da maior importância para o processo de redemocratização, não só do setor Saúde, mas também da própria vida política brasileira. Mas o que se vê agora, após essas conquistas, é o inverso. A imposição de medidas antidemocráticas, imediatistas e antipopulares às vésperas da 15ª Conferência Nacional da Saúde (15ª CONSA). Os movimentos sociais naquela época contemplavam a participação do povo – através de seus representantes em todas as instâncias – na busca de alternativas capazes de efetivar as soluções para os problemas existentes. A 8ª CONSA em suas conclusões expressou o empenho em colaborar concretamente para a busca de mudanças no Setor.
Mas porque o temário central de 1986, ‘Saúde como Direito, Reformulação do Sistema de saúde e Financiamento do Setor’ – hoje, há 29 anos depois, retorna na 15ª CONSA?  Seria um retrocesso rediscutir o que já deveria estar sendo cumprido há três décadas? Seria o reconhecimento de que o que foi proposto pela sociedade civil e pelos representantes do povo não foi cumprido plenamente pelos governos e gestores?
A Lei 8.142/90, que define a participação popular na gestão e no controle social, foi fruto de grande negociação ocorrida na época entre os vários atores envolvidos no processo de construção do SUS no Brasil. Ela reparou os vetos feitos pelo chefe do Executivo à Lei 8.080/90 e dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. O Conselho Nacional de Saúde, os Conselhos Estaduais e Municipais, sua constituição e paridades entre gestores e entidades, e a realização das Conferências como fóruns para propor mudanças, ficaram estabelecidos como direitos e garantias de que o setor teria a voz e a vez da população. Mas não foi isso que aconteceu nessas três décadas.
Um exemplo bem claro da derrocada da saúde pública foi a não votação do PL 123/2013, chamado Saúde +10, fruto de proposta popular, que seria um grande salto na questão do financiamento, porém não teve o apoio do Parlamento e nem do governo federal, que em vez disso aprovou a PEC do Orçamento Impositivo, destinando recursos para emendas parlamentares e reduzindo os repasses para setores importantes da saúde como a Atenção Básica.
Já falando dessa situação escrevi em 07.12.2012, o artigo “SUS: Legislação e Contradições da Prática”, comentando sobre a CF/88 e essa legislação posterior, em que houve “avanços no arcabouço teórico em termos de pensar e normatizar o setor de saúde, porém na sua prática, depois de passados 25 anos de criação do SUS, a legislação é contrariada continuamente pelos governantes, gestores e políticos, que deveriam zelar pela sua execução. Os parlamentares e o próprio MP são pontuais e efêmeros nesse papel, sofrendo cobrança permanente da sociedade, porém respondendo com lentidão, mantendo na impunidade as contravenções e crimes contra a saúde pública” (TA. Ataíde, 2012).
Outra garantia da lei que é descumprida pelas três esferas de poder é a não execução orçamentária das transferências intergovernamentais de recursos financeiros no setor da saúde. Projetos e programas considerados estratégicos pelo governo, visando o desenvolvimento do setor estão passando por essa situação de falta de investimento. As obras do PAC da saúde e o Programa Mais Médico são dois exemplos de medidas que estão em análise pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e Tribunal de Contas da União (TCU), mostrando desempenho abaixo do esperado ou em situação crítica. “Apenas 25,7% das ações previstas na fase do PAC II foram concluídas desde 2011. Entre as 21 mil ações do MS e FUNASA pouco mais de cinco mil foram concluídas até outubro de 2014”. As analises do TCU são parecidas com as do CFM em relação ao ‘Mais Médicos’: “a necessidade de revisão do programa para que haja a extinção dos prejuízos aos cofres públicos... a preservação da vida e da saúde dos brasileiros que se encontram na camada social mais vulnerável e desfavorecida...”. (TA – Jarbas de Ataíde – 30-06-2015)
O descumprimento das duas leis regulamentares citadas anteriormente é evidente nas medidas eleitoreiras, antes da reeleição da presidente Dilma, anunciadas como ação governamental para resolver problemas crônicos de assistência nas áreas mais carentes e distantes do país. Implantou-se um programa, dito emergencial, de enfrentamento da carência de profissionais nos interiores, colocou médicos estrangeiros para atuarem, mas não foi aos locais para saber como as prefeituras estão equipadas para dar suporte aos mesmos. Essas populações, principalmente no Norte e Nordeste, estão há décadas abandonadas, sem as mínimas condições sanitárias e saneamento.
Com o retorno dessa discussão do investimento e financiamento, das obras de logística e da infraestrutura e da saúde como direito e dever do estado na 15ª CONAS, vem à tona o debate sobre o papel dos Conselhos e dos fóruns e Conferências como instancias consultivas proponentes de medidas para enfrentamento desses problemas graves e crônicos na saúde. Temos certeza que a situação que estamos passando na saúde brasileira em termos de execução de orçamento e de colocação em prática de políticas públicas não passou pelo aval e concordância dos Conselhos e das Conferências. Caberia aos nossos representantes presentes nessas entidades serem ouvidos e escutados em suas propostas de defesa da saúde pública, pois são os espaços específicos e democráticos de debate.
Como dissemos no começo, caso esteja acontecendo essa falta de fiscalização dos legítimos representantes (Conselhos) e do não acatamento das sugestões e indicações dos mesmos, estará havendo um verdadeiro retrocesso na discussão desses temas relevantes e um evidente boicote à lei e a ordem, pois estão sendo desrespeitados os legítimos direitos dos cidadãos previstos na norma legal. Os estatutos e os regimentos internos das Câmaras Estaduais, Municipais e do Senado não devem suplantar a Lei Magna do país e nem prevalecer a vontade exclusiva dos políticos parlamentares ou de programas político-partidários de Estados ou governos.
Caso o Governo Federal, os parlamentares, os Tribunais Superiores e o Ministério Público, executores, fiscalizadores e defensores da lei, estiverem omissos ou em concordância com essas medidas, estaremos vivenciando um afrontamento à lei e desrespeito ao estado de direito, só existentes nas oligarquias e nas ditaduras, onde não se observa os mínimos direitos humanos, onde prevalece a vontade de uma minoria que está no poder.
Estamos sendo convocados a participar de mais uma Conferência Estadual da Saúde, mas de nada adiantará nossa presença, nossa voz, nosso voto e nossas sugestões se elas não forem contempladas ou acatadas nos programas e projetos dos governos ou, se os integrarem, forem descumpridas ou alteradas pelos gestores discordantes das medidas populares. Caberá à sociedade devidamente representada por suas entidades organizadas ou por profissionais politizados e preparados a denunciar e se contrapor a essas práticas que estão se tornando corriqueiras nos vários setores dos serviços públicos, em particular nos desmandos da saúde.

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