SAÚDE SEM RUMO
Parlamento inoperante e controle
social não respeitado
JARBAS DE ATAÍDE – Médico
Personalidades,
autoridades, juristas e entidades da sociedade civil compuseram o chamado
Movimento Sanitarista, que contribuiu para estabelecer a regulamentação do SUS,
debatendo os temas com o governo após a promulgação da Constituição Federal de
1988. Desse debate surgiram as principais leis que norteiam a sua organização,
que passaram a ser chamadas de Lei Orgânica da Saúde – LOS, constituindo a Lei
8.080 (19.09.19990) e a Lei 8.124 (28.12.1990). Para chegar a essa legislação
houve intensa participação e embates entre o movimento e o governo. Parte delas
foram propostas e discutidas na 8ª Conferencia Nacional de Saúde, ocorrida em
Brasília, de 17 a 23 de março de 1986.
Essa
conferência constituiu um marco histórico para a saúde pública brasileira, pois
representou uma contribuição da maior importância para o processo de
redemocratização, não só do setor Saúde, mas também da própria vida política
brasileira. Mas o que se vê agora, após essas conquistas, é o inverso. A
imposição de medidas antidemocráticas, imediatistas e antipopulares às vésperas
da 15ª Conferência Nacional da Saúde (15ª CONSA). Os movimentos sociais naquela
época contemplavam a participação do povo – através de seus representantes em
todas as instâncias – na busca de alternativas capazes de efetivar as soluções
para os problemas existentes. A 8ª CONSA em suas conclusões expressou o empenho
em colaborar concretamente para a busca de mudanças no Setor.
Mas
porque o temário central de 1986, ‘Saúde como Direito, Reformulação do Sistema
de saúde e Financiamento do Setor’ – hoje, há 29 anos depois, retorna na 15ª
CONSA? Seria um retrocesso rediscutir o
que já deveria estar sendo cumprido há três décadas? Seria o reconhecimento de
que o que foi proposto pela sociedade civil e pelos representantes do povo não
foi cumprido plenamente pelos governos e gestores?
A
Lei 8.142/90, que define a participação popular na gestão e no controle social,
foi fruto de grande negociação ocorrida na época entre os vários atores
envolvidos no processo de construção do SUS no Brasil. Ela reparou os vetos feitos
pelo chefe do Executivo à Lei 8.080/90 e dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. O Conselho
Nacional de Saúde, os Conselhos Estaduais e Municipais, sua constituição e
paridades entre gestores e entidades, e a realização das Conferências como
fóruns para propor mudanças, ficaram estabelecidos como direitos e garantias de
que o setor teria a voz e a vez da população. Mas não foi isso que aconteceu
nessas três décadas.
Um
exemplo bem claro da derrocada da saúde pública foi a não votação do PL 123/2013,
chamado Saúde +10, fruto de proposta popular, que seria um grande salto na
questão do financiamento, porém não teve o apoio do Parlamento e nem do governo
federal, que em vez disso aprovou a PEC do Orçamento Impositivo, destinando
recursos para emendas parlamentares e reduzindo os repasses para setores
importantes da saúde como a Atenção Básica.
Já
falando dessa situação escrevi em 07.12.2012, o artigo “SUS: Legislação e
Contradições da Prática”, comentando sobre a CF/88 e essa legislação posterior,
em que houve “avanços no arcabouço teórico em termos de pensar e normatizar o
setor de saúde, porém na sua prática, depois de passados 25 anos de criação do
SUS, a legislação é contrariada continuamente pelos governantes, gestores e
políticos, que deveriam zelar pela sua execução. Os parlamentares e o próprio
MP são pontuais e efêmeros nesse papel, sofrendo cobrança permanente da sociedade,
porém respondendo com lentidão, mantendo na impunidade as contravenções e
crimes contra a saúde pública” (TA. Ataíde, 2012).
Outra
garantia da lei que é descumprida pelas três esferas de poder é a não execução
orçamentária das transferências intergovernamentais de recursos financeiros no
setor da saúde. Projetos e programas considerados estratégicos pelo governo,
visando o desenvolvimento do setor estão passando por essa situação de falta de
investimento. As obras do PAC da saúde e o Programa Mais Médico são dois
exemplos de medidas que estão em análise pelo Conselho Federal de Medicina
(CFM) e Tribunal de Contas da União (TCU), mostrando desempenho abaixo do
esperado ou em situação crítica. “Apenas 25,7% das ações previstas na fase do
PAC II foram concluídas desde 2011. Entre as 21 mil ações do MS e FUNASA pouco
mais de cinco mil foram concluídas até outubro de 2014”. As analises do TCU são
parecidas com as do CFM em relação ao ‘Mais Médicos’: “a necessidade de revisão
do programa para que haja a extinção dos prejuízos aos cofres públicos... a preservação
da vida e da saúde dos brasileiros que se encontram na camada social mais
vulnerável e desfavorecida...”. (TA – Jarbas de Ataíde – 30-06-2015)
O
descumprimento das duas leis regulamentares citadas anteriormente é evidente
nas medidas eleitoreiras, antes da reeleição da presidente Dilma, anunciadas
como ação governamental para resolver problemas crônicos de assistência nas
áreas mais carentes e distantes do país. Implantou-se um programa, dito emergencial,
de enfrentamento da carência de profissionais nos interiores, colocou médicos
estrangeiros para atuarem, mas não foi aos locais para saber como as prefeituras
estão equipadas para dar suporte aos mesmos. Essas populações, principalmente
no Norte e Nordeste, estão há décadas abandonadas, sem as mínimas condições
sanitárias e saneamento.
Com
o retorno dessa discussão do investimento e financiamento, das obras de
logística e da infraestrutura e da saúde como direito e dever do estado na 15ª CONAS,
vem à tona o debate sobre o papel dos Conselhos e dos fóruns e Conferências
como instancias consultivas proponentes de medidas para enfrentamento desses
problemas graves e crônicos na saúde. Temos certeza que a situação que estamos
passando na saúde brasileira em termos de execução de orçamento e de colocação
em prática de políticas públicas não passou pelo aval e concordância dos
Conselhos e das Conferências. Caberia aos nossos representantes presentes
nessas entidades serem ouvidos e escutados em suas propostas de defesa da saúde
pública, pois são os espaços específicos e democráticos de debate.
Como
dissemos no começo, caso esteja acontecendo essa falta de fiscalização dos
legítimos representantes (Conselhos) e do não acatamento das sugestões e
indicações dos mesmos, estará havendo um verdadeiro retrocesso na discussão
desses temas relevantes e um evidente boicote à lei e a ordem, pois estão sendo
desrespeitados os legítimos direitos dos cidadãos previstos na norma legal. Os
estatutos e os regimentos internos das Câmaras Estaduais, Municipais e do Senado
não devem suplantar a Lei Magna do país e nem prevalecer a vontade exclusiva
dos políticos parlamentares ou de programas político-partidários de Estados ou
governos.
Caso
o Governo Federal, os parlamentares, os Tribunais Superiores e o Ministério
Público, executores, fiscalizadores e defensores da lei, estiverem omissos ou
em concordância com essas medidas, estaremos vivenciando um afrontamento à lei
e desrespeito ao estado de direito, só existentes nas oligarquias e nas
ditaduras, onde não se observa os mínimos direitos humanos, onde prevalece a
vontade de uma minoria que está no poder.
Estamos
sendo convocados a participar de mais uma Conferência Estadual da Saúde, mas de
nada adiantará nossa presença, nossa voz, nosso voto e nossas sugestões se elas
não forem contempladas ou acatadas nos programas e projetos dos governos ou, se
os integrarem, forem descumpridas ou alteradas pelos gestores discordantes das
medidas populares. Caberá à sociedade devidamente representada por suas
entidades organizadas ou por profissionais politizados e preparados a denunciar
e se contrapor a essas práticas que estão se tornando corriqueiras nos vários
setores dos serviços públicos, em particular nos desmandos da saúde.
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