Das surpresas que roubam a
segurança
Bárbara de Azevedo Costa
Espero que o tema não traga desconforto. Mas toque um pouco, sensibilize. Que nos tire a impassibilidade do cotidiano, da fria rotina que parece nunca mudar, até que algo nos atinja assim, de surpresa, sem que estivéssemos preparados. E como estar preparado?
Recentemente minha avó foi internada no hospital com fortes dores no peito. Tudo terminou bem, sem qualquer intervenção cirúrgica ou algo tipo. Mas há sempre o risco e o medo, sobretudo em se tratando de pessoas mais velhas, com casos crônicos de males desse tipo.
Quando de sua internação, a notícia me inquietou. Afligiu-me o inesperado, e nós, assim, nunca preparados. Ela saiu bem e logo da observação médica, mas o assunto - as surpresas da vida, envolvendo sobretudo a saúde e a existência de quem amamos -, não saiu da minha cabeça. Muito disso se deve também porque perto de mim outras pessoas vivem situações como essa, embora mais críticas e agravadas.
Amiga minha recentemente viu o pai ter um AVC. Um homem jovem, de seus cinquenta anos, com pressão alta. Prova de que não precisa ser assim tão mais velho para passar por sustos desse valor.
Essa amiga teve então de uma hora para outra a vida transtornada, redemoinho e furacão. Sem falar do pai, é claro. Ela estava muito bem, ou normal, razoável, até aquela manhã em que a mãe ligou e disse: "Filha, não se desespera, mas seu pai sofreu um AVC". Foi socorrido a tempo, com os procedimentos certos, levado para a unidade de tratamento indicada. A tudo isso se deve gratidão, uma vez que por conta das medidas tomadas a vida dele foi mantida.
Mas como ser grato numa hora dessas? Quando se contempla agora um pai, homem comunicativo, cheio de opiniões, expansivo, apreciador de boa música, de repente privado de coisas tão simples e básicas, mas essenciais, como a fala, o movimento das mãos, as respostas aos estímulos, que antes eram tão fáceis, naturais.
Contou-me minha amiga que, após o sucedido, a volta do pai para casa, as recentes idas ao fonoaudiólogo, todo o tratamento que procede um AVC, é como testemunhar o nascimento de uma criança, limitada, impotente, dependente. Ela mesma e o pai. Tendo de aprender tudo de novo e se esforçando pelos mínimos avanços, que agora significam muito.
Imaginemos: ter na cabeça aquela imagem construída, inteira de alguém que se ama, com quem se conversava e convivia em intimidade, e de repente a pessoa não está mais ali. Ou melhor, está. Mas privada de manifestar-se como antes. Lenta caminhada... Sem chegar jamais perfeitamente ao que um dia fora.
E quem é que prepara a gente na vida para coisas assim? Como estar atento às prováveis surpresas, aos choques de realidade, às coisas e pessoas que eventualmente perdemos ou são colocadas em risco? Nada nos prepara, é verdade. A bigorna da rotina rouba nossa sensibilidade. Quantas vezes nos mostramos gratos por quem nos ama, por ter gente a quem amar? Decerto quase não pensamos nisso. Ocupações mais sérias urgem.
Mas é preciso, de algum modo, quando a breve e lampejante consciência bate, estar alegre por quem se tem. Ainda que, sem a comparação com um estado ruim instalado, dificilmente consigamos destacar aquilo que é ou foi bom. Ainda assim, que não esperemos pelo pior para valorizar o que é maravilhoso. Que estejamos atentos, não de modo a impedir surpresas - elas simplesmente vêm –, mas de modo a aproveitar intensamente o agora, o hoje, o já, ao lado de quem se ama.
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