ARAGUARI
UM RIO QUE AGONIZA
O fim da pororoca é um dos sinais da morte de um dos rios
mais importantes do Amapá. O Araguari, hoje seco em sua foz, deixou na
lembrança dos ribeirinhos seu imenso volume de água e correnteza. O temido
estrondo provocado pelo encontro da água doce com a do oceano, silenciou. A
pesca enfraqueceu e o turismo que trouxe surfistas e a imprensa nacional e
internacional acabou.
José Marques Jardim
Da Redação
O anúncio do fim da pororoca divulgado em rede nacional
de televisão há mais ou menos um mês caiu como uma bomba em meio a pecuaristas,
geólogos, biólogos, ambientalistas e até na própria justiça. De um lado os que
querem explicar o fim do fenômeno e do outro os que querem saber a razão da
extinção e de quem é a responsabilidade.
Em primeiro plano a culpa foi atribuída aos pecuaristas
que trabalham com a criação de búfalos na região do rio Araguari. Os rebanhos,
com o passar dos anos teriam aberto inúmeros canais que deram cursos diferentes
ao fluxo da água enfraquecendo a vazão natural que corria ao encontro do Oceano
Atlântico. O encontro da água doce com a salgada originava a pororoca. Com os
canais, a água que corria em uma única direção com fluxo acentuado passou a ser
desviada para os "varadouros" abertos pelos búfalos enfraquecendo o
curso natural.
O fluxo das águas do Araguari passou a ser desviada
para os "varadouros" abertos pelos búfalos
enfraquecendo o curso natural do rio.
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Com a afirmativa de que os pecuaristas teriam acelerado o
fim do fenômeno o questionamento das informações foi imediato. Eles alegam que se
a razão do fim da pororoca fossem os búfalos, o problema já teria se
apresentado muito antes considerando o tempo de criação na região.
Outra hipótese coloca as hidrelétricas construídas no
Araguari como as vilãs. Ao todo, três delas existem hoje na extensão do rio:
Paredão, Cachoeira Caldeirão e Ferreira Gomes. Na opinião de especialistas, as
mudanças provocadas por essas estruturas são muito mais prejudiciais ao
fenômeno da pororoca e ao próprio rio Araguari do que os búfalos. Um dos
fenômenos esperados como consequência das barragens é a transformação do
Araguari em ambiente lacustre. Neste caso, o rio, com o passar do tempo vai
assumir a característica de lago, o que já vem ocorrendo passo a passo.
A afirmação foi feita em maio pelo geólogo Antônio Feijão
nos dias seguintes à inundação de Ferreira Gomes, que deixou centenas de
pessoas desalojadas. A cidade fica às margens do rio Araguari e foi atingida em
cheio pela abertura de uma comporta da hidrelétrica Cachoeira Caldeirão. Feijão
explicou que a ação das hidrelétricas vem alterando o ambiente local há muito
tempo e que muita coisa ainda vai acontecer. Ele citou também os estragos feitos
pelos búfalos, mas que seriam em menor proporção. Já as hidrelétricas alteram a
força dos rios quando acabam com suas quedas. "O que hoje é rio vai virar
lago", disse Antônio Feijão ao Tribuna Amapaense.
O geógrafo Gesiel Oliveira defende que o fim da pororoca está diretamente ligado ao assoreamento provocado pela ação do homem na foz do Araguari. |
O geógrafo Gesiel Oliveira defende que o fim da pororoca
está diretamente ligado ao assoreamento provocado pela ação do homem na foz do
Araguari. Trata-se da prática de antropização, termo técnico para ação
depredatória provocada pelo homem. Neste caso, o acúmulo de lixo, entulho e
outros detritos no fundo do rio acaba fazendo com que o fluxo de água seja cada
vez menor. Para Gesiel, no caso do Araguari, há uma obstrução por sedimentos,
areia e detritos em seu estuário, provocando o paulatino fechamento de sua
foz. O fenômeno foi agravado em razão de canais abertos pela
bubalinocultura desenvolvida de forma desordenada nas margens do rio. O Búfalo
acelera a lixiviação, que é o carregamento de sedimentos pelas chuvas e acelera
o assoreamento no leito dos rios. Esses canais, chamados na região de
“varadouros” provocaram a entrada de água salgada alterando o meio ambiente e
causando a salinização de regiões ribeirinhas e a extinção da fauna aquática
até então predominante. Gesiel diz ainda, que hoje é comum ver espécies de
peixes de água salgada em locais antes banhados exclusivamente pela água doce
do Araguari. A abordagem do geógrafo foi publicada no blog Gesiel Oliveira. O
artigo, com data de 2013 antecipava as consequências drásticas vistas hoje por
conta do assoreamento do Araguari para os ribeirinhos que sobrevivem da pesca
há décadas e passaram a conviver com o processo de salinização da água, uma vez
que o Araguari deságua no Oceano Atlântico que tem invadido cada vez mais a
água doce, sem encontrar resistência.
UM RIO QUE
AGONIZA...
Ao longo dos anos, geólogos e geógrafos detectaram que o
rio Araguari tem ficado cada vez mais raso. A consequência disso é que
atualmente é praticamente impossível navegar da cidade de Cutias até Ferreira
Gomes como se fazia no passado.
A situação é atribuída ao assoreamento que transformou o
Araguari, antes o
o maior em volume de água, largura e extensão do Estado,
em um rio raso e de fluxo baixo em vários trechos. Hidrelétricas e búfalos à
parte, a verdade é que o fenômeno da pororoca acabou no Araguari e agora só
pode ser visto em regiões do Arquipélago do Bailique, distrito distante 180
quilômetros de Macapá que tem como único acesso as embarcações. A região poderá
ser a única no Amapá a ter a pororoca que já chamou a atenção do Brasil e do
mundo. Na opinião dos especialistas, o Araguari hoje está agonizando, perto do
que já foi um dia, fruto da transformação da paisagem.
NOVA
GEOGRAFIA
Na visão do Secretário de Estado do Meio Ambiente,
Marcelo Creão, a pororoca não acabou, mas está se adequando à nova geografia do
Amapá. A afirmativa foi feita depois dos resultados de uma expedição que
observou o fluxo de águas no Amapá e o percurso do rio Araguari. Os técnicos
chegaram à conclusão de que existe um novo mapeamento fluvial no Estado e
diversos pontos naturais de ligação entre rios que antes não ocorriam.
Fotos de satélite já começam a desenhar a nova realidade
geográfica dos rios da região que, segundo Creão, está mudando de forma rápida.
Um dos exemplos vem da bacia do rio Gurijuba, que hoje se
junta com as bacias do Uricurituba e Pacuí. O resultado é a expansão de 42 mil quilômetros quadrados
para 55 mil e a modificação do que era igarapé e se transformou em grande rio.
Para Marcelo Creão, tudo vem acontecendo pela falta da
mata ciliar, vegetação que fica na beira dos rios e que está caindo para dentro
da água. O fenômeno, segundo os técnicos, é natural e vai continuar ocorrendo. Uma
modificação natural da paisagem.
O fato mais notado da pesquisa foi a mudança de lugar da
pororoca. O fenômeno, dizem os técnicos, continua acontecendo muito embora em
proporções menores, em dois pontos distantes de onde antes ocorria. As atuais
condições do Araguari, avaliam os pesquisadores, não dá mais condições para a ocorrência
do fenômeno.
Outra observação da expedição feita com o auxílio de um
helicóptero foi possível notar que a foz do rio Araguari está totalmente
obstruída e o que eram estreitas passagens se transformaram em canais largos e
extensos. Muitos, perto dos cem metros de largura e que permitem a "invasão"
da água salgada.
A presença dos búfalos também foi percebida pela
expedição. Nada menos que 230 mil cabeças. O crescimento dos rebanhos, para os
pesquisadores, acelerou o problema.
O Araguari de antes impressionava qualquer espectador,
principalmente os que contemplavam a pororoca pela primeira vez. O encontro da
água doce com a água salgada do Atlântico resultava em um espetáculo de ondas
violentas que por décadas criaram no imaginário caboclo ribeirinho um universo
de mitos. Já para os turistas era a possibilidade sem igual de inúmeras
fotografias e imagens de beleza ímpar. Para os surfistas, uma aventura a mais e
a quebra de recordes criados a partir do primeiro contato com as duradouras
ondas. Hoje, no entanto, tudo isso vai ficar apenas na memória de cada um que
presenciou o fenômeno. O assoreamento que levou ao fim da pororoca trouxe
também a morte dos peixes que tem atingido em cheio as comunidades ribeirinhas.
A paisagem se transformou acentuadamente. Ver a pororoca agora, só é possível às
margens da Ilha do Maracá e Rio Livramento no município de Amapá.
O encontro da água doce com a salgada originava a pororoca, hoje com o Rio Araguari assoreado na sua foz, o fenômeno está desaparecendo. |
A MORTE DOS
PEIXES
Onde antes ocorria o fenômeno, não há nada além do
"razeamento" das águas, como dizem os ribeirinhos e a presença de
peixes mortos. O fato tem ocorrido há pelo menos dois anos nos trechos mais
próximos às hidrelétricas, principalmente a Ferreira Gomes Energia. Os
protestos da população provocaram o Instituto de Ambiente e Ordenamento
Territorial (IMAP) a começar uma investigação. A empresa alegou que a barragem
não é responsável pelo problema. Na opinião do geógrafo Gesiel Oliveira,
existem sempre os riscos ao meio ambiente sempre que se trata da construção de uma
hidrelétrica. O processo, segundo ele, afeta diretamente o ciclo de reprodução
natural de maioria das espécies durante a piracema, quando os peixes sobem o
rio para desovar. Tanto a barragem quanto as turbinas interrompem o ciclo de
reprodução natural e acaba resultando na morte das espécies.
Hidrelétricas construídas no Araguari como as vilãs. Ao todo, três delas existem hoje na extensão do rio: Paredão, Cachoeira Caldeirão e Ferreira Gomes. |
As usinas teriam que obedecer a uma determinação que
considera o período de reprodução dos peixes. Durante essa época, as turbinas
teriam que ser ativadas com potência reduzida para proteger os grandes cardumes
que sobem a correnteza para reproduzir.
O Imap já chegou a divulgar laudo dizendo não ter
detectado contaminação da água, o que seria uma hipótese para a morte dos
cardumes. No entanto, o parecer não foi definitivo. No contraponto,
funcionários da hidrelétrica chegaram a informar extra oficialmente que a
empresa teria utilizado sabão em pó e solução de bateria, além de outros
produtos em um serviço de limpeza e que tudo teria escorrido para a água. No
fim de julho um fato novo foi acrescido às investigações do que vem acontecendo
com as águas do Araguari.
NOVAS
PESQUISAS
Amostras de treze estações de pontos estratégicos do rio estão
sendo analisadas no laboratório do Núcleo de Pesquisas Aquáticas do Imap. O
material foi colhido durante a expedição que vem reunindo elementos para
determinar as razões do fim da pororoca. De acordo com os pesquisadores, o
estudo vai verificar até onde vão as águas claras trazidas pelo Araguari
e o exato local onde ocorre o encontro com as águas do Amazonas, além de
verificar se existe a presença de água salobra trazida pelo mar, tanto para o Araguari
quanto para o Bailique.
Foram percorridos mais de 250 quilômetros de rio, segundo
o pesquisador Admilson Torres. Os pontos escolhidos estão entre Ferreira Gomes e
uma área próxima a desembocadura no oceano. Outros locais compreendem as valas
que misturam água do Araguari com as do Amazonas no trecho que corta o arquipélago
do Bailique.
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