João Paulo Vani (*)
"É som de preto, e favelado, mas
quando toca, ninguém fica parado". Assim, há anos, as pistas de dança de
todo o país pegaram fogo em um ritmo impossível de ignorar. Naquele momento,
ninguém se preocupou com o uso do termo "preto". Nem em "Verdade
tropical", de Caetano Veloso, quando o autor relata fala de sua mãe, dona
Canô, que o chama para ver "o preto que você gosta na TV",
referindo-se a Gilberto Gil.
Diante de toda a polêmica suscitada nas
redes sociais acerca do vazamento do vídeo de um famoso jornalista, muito se
disse que o problema está no termo "preto" em si, mas discordo e, já
que estamos usando literatura e música, lanço mão de uma letra dos Titãs:
"palavras não são más". Aqui, chamo a atenção para a intenção
comunicativa: o desejo de ofender, de humilhar.
Os exemplos de uso dos termos
"preto" ou "negro" são fartos. Nas narrativas de Sagarana,
de João Guimarães Rosa, aparece; nas poesias de Castro Alves e Menotti del
Picchia, aparece; na alcunha de Neguinho da Beija-Flor, Raça Negra e Negritude
Junior, e nas letras cantadas por Gal Costa e Alcione também. Ser um
"negão de tirar o chapéu" está bem longe de qualquer abordagem
pejorativa ou estereótipos de desvalorização, aliás; como se diz atualmente, é
ser um "homão da porra".
É claro que existem também inúmeros
exemplos do negro inferiorizado e estereotipado em nossa literatura, herança
dos séculos em que fomos uma colônia escravocrata, mas os problemas de
preconceito racial no Brasil e – no mundo, arrisco-me dizer, vão além da raça e
atingem homossexuais, mulheres, deficientes físicos, e não podem, portanto,
serem reduzidos ao uso de um termo visto como “politicamente incorreto”. O
problema é maior: reside no fato desses grupos receberem menos dinheiro pelos
mesmos serviços prestados, pelos jovens desse grupo serem agredidos com mais
frequência – física e verbalmente; de terem maior dificuldade para conseguir
emprego ou ingressar em universidades públicas. O preconceito se materializa
quando, de acordo com o Mapa da Desigualdade, um cidadão residente na cidade de
São Paulo tem expectativa de vida 40% maior ao viver no Jardim Paulista, em
comparação ao que vive no Jardim Ângela; para esse estudo, foram usados 30
indicadores socioeconômicos.
É fundamentalmente importante que nos
dias atuais, com o reaparecimento de movimentos que enaltecem a ideologia
nazista, com casos e mais casos de morte de jovens negros em situações escusas
ou com a persistente agressão a mulheres e homossexuais, a sociedade brasileira
reflita e cobre seus representantes nas casas legislativas acerca de políticas
públicas efetivas para minorias em situação constante de alerta. E que casos
como o do jornalista global não sejam vistos como mero desvio, nem tampouco
defendidos por ministros da Suprema Corte.
João Paulo Vani é Presidente da
Academia Brasileira de Escritores, Mestre em Teoria Literária e Doutorando em
Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Unesp de São José do Rio
Preto. Contato: jpvani@editorahn.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário