Municípios
“fora da lei”
A mais dura crise econômica que o
Brasil enfrentou, e ainda enfrenta, atingiu em cheio a arrecadação de impostos
de todas as esferas de governo. Ela vem causando desequilíbrio nas finanças de
todos os municípios brasileiros, especialmente naqueles que possuem forte
dependência dos repasses dos tributos federais.
As
prefeituras que estão com as contas no vermelho são obrigadas a reduzirem as
ofertas dos serviços essenciais à população. A matemática é simples: gastam
mais do que arrecadam e dispõem de poucos recursos para investimentos. Como
sempre, as despesas com pessoal só aumentam e a Lei Complementar nº 101/2000,
Lei de Responsabilidade Fiscal que entre outras medidas estabelece o limite
percentual de gastos com pessoal, não é cumprida.
Os
municípios dispõem de três fontes de receita: arrecadação própria, parcela do
ICMS arrecadado pelo estado e as transferências constitucionais (FPM, IR e
IPI). A bem da verdade, a maior dificuldade encontrada trata-se da forte
dependência das verbas da União.
Os
dados contidos no estudo Índice FIRJAN de Gestão Fiscal 2017 – IFGF, ano de
referência 2016, avaliou a situação fiscal de 4.544 municípios, onde vivem
177,8 milhões de pessoas (87,5% da população brasileira). Apesar da
determinação da lei, os dados do exercício fiscal 2016 de 1.024 prefeituras não
estavam disponíveis ou não eram consistentes (informações que não foram
passíveis de análise). Nesse contexto, já fica demonstrado um grave problema de
transparência na gestão destes municípios.
O
estudo apontou que, muito embora a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, em
seus artigos 48 e 51, determine que até 30 de abril de cada ano os municípios
encaminhem suas contas referentes ao exercício anterior para a Secretaria do
Tesouro Nacional, até o dia 3 de julho de 2017 os dados de 1.024 municípios não
estavam disponíveis, o que representou 22,53% do total das prefeituras
analisadas.
A
região Norte apresentou o maior percentual de municípios sem transparência, 159
de um total de 450 prefeituras analisadas (35,3%). No estado do Amapá, apenas 2
das 16 prefeituras declararam suas informações, ou seja, 87,5% dos municípios
não haviam disponibilizado as informações.
Os
gastos com pessoal é o principal
elemento que compõe o orçamento das prefeituras brasileiras. Considerando o
disposto na rígida LRF, que fixou um limite prudencial e um teto para essas
despesas de 57% e 60% da Receita Corrente Líquida, respectivamente, o
comprometimento excessivo das receitas municipais com essa despesa continua acontecendo
e precisa ser evitado.
O estudo aponta que mais da metade das prefeituras
brasileiras analisadas (2.503 ou 55,1%) finalizaram o ano de 2016 comprometendo
mais de 50% de seus orçamentos com a folha de pagamento e, por isso, ficaram
com o Conceito C no IFGF - Gastos com Pessoal. Destas, 406 atingiram o limite
prudencial de 57% da RCL definido pela LRF, e 575 ultrapassaram o limite legal
de 60% da RCL (nota zero e Conceito D). Macapá foi a única capital a fazer
parte deste grupo.
Em 2016,
a despesa com pessoal da Prefeitura de Macapá chegou ao patamar de 73,7% da
Receita Corrente Líquida – RCL (Portal G1 AP, 11/10/2017).
A metodologia utilizada no estudo estabelece uma leitura
por indicador ou do índice geral da seguinte forma: a pontuação varia entre 0 e
1, sendo que, quanto mais próxima de 1, melhor a gestão fiscal do município no
ano em observação. Com o objetivo de estabelecer valores de referência que
facilitem a análise, foram convencionados quatro Conceitos para o IFGF:
Conceito A (Gestão de Excelência): resultados superiores a 0,8 pontos; Conceito
B (Boa Gestão); resultados compreendidos entre 0,6 e 0,8 pontos; Conceito C
(Gestão em Dificuldade): resultados compreendidos entre 0,4 e 0,6 pontos;
Conceito D (Gestão Crítica): resultados inferiores a 0,4 pontos.
Ainda com relação à
metodologia do IFGF, é importante destacar que ela permite tanto uma comparação
relativa quanto absoluta, isto é, o índice não se restringe a uma fotografia
anual, pode ser comparado ao longo dos anos.
No
item Gasto com Pessoal, o município de Macapá ficou classificado em penúltimo
lugar entre as capitais, com o Conceito D. O indicador deste componente obteve
0,0000, ou seja, foi enquadrado como Gestão Crítica. Veja o gráfico abaixo.
GASTO
COM PESSOAL (Ano 2016)
Fonte:
IFGF 2017 - ÍNDICE FIRJAN DE GESTÃO FISCAL - ANO BASE 2016
A
posição de Macapá no Ranking Nacional ficou em 3.970º, entre os 4.544
municípios que foram avaliados em todo o país. No Amapá, a capital ficou em
segundo lugar, abaixo de Vitória do Jarí que ficou na posição 3.127º. Dos 16
municípios amapaenses, Macapá e Vitória do Jarí foram os únicos avaliados,
portanto apenas 12,5% do total. Na Região Norte, 291 municípios foram
analisados pelo estudo e Macapá se posiciona entre aqueles com os piores
resultados com gasto de pessoal. Veja o gráfico:
Fonte: IFGF 2017 -
ÍNDICE FIRJAN DE GESTÃO FISCAL - ANO BASE 2016
Com
relação ao tema gastos com pessoal no município de Macapá, em maio de 2016 tive
a oportunidade de abordá-lo em um artigo que escrevi “2016, é ano de maquiagem”, aqui neste periódico em maio de 2016 (www.tribunaamapaense.com). Naquela época, já
deixava evidente o excessivo gasto com pessoal pela Prefeitura de Macapá.
Por ocasião da
elaboração da LRF, o legislador, ao fixar os percentuais do gasto com pessoal
em relação à Receita Corrente Líquida – RCL, o fez justamente para que os
serviços públicos a serem ofertados à população não viessem sofrer
descontinuidade. Entretanto, como se pode constatar, a lei não vem sendo
respeitada.
Em 2017, o estudo de Gestão Fiscal,
elaborado pelo Tesouro Nacional e que foi divulgado em outubro do mesmo ano
mostrou que três capitais brasileiras já ultrapassavam a meta de gastos com
pessoal: Florianópolis, Macapá e Natal. Este estudo apresenta Macapá com
57,88%,
o maior indicador do país. (Portal G1 AP,
11/10/2017).
A
bem da verdade, o Índice FIRJAN nos revela que a situação fiscal dos municípios
é tão grave que milhares já estão descumprindo as principais legislações sobre
finanças públicas, como está evidenciado com a Lei de Responsabilidade Fiscal -
LRF. O descumprimento está presente em todas as regiões do país. Em algumas,
contudo, há maior concentração em função dessa decorrência o estudo chama de
“municípios fora da lei”.
Matéria
publicada no jornal Valor Econômico em 27/11/2017 apontava que os investimentos
das capitais caíram 63,23% de janeiro a agosto de 2016. A queda de
investimentos no primeiro ano de mandato em relação ao ano de eleições foi
considerada, de certa forma, natural, dado à lentidão da economia. Entretanto, com receitas apertadas, um dos
indicadores que deteriorou foi o de gastos com pessoal. Nesta mesma matéria do
Valor Econômico, a Prefeitura de Macapá já apresentava gastos com pessoal de
51,3% da RCL.
Evidentemente
que os Órgãos de Controle e o Controle Social não devem ficar calados diante de
tais evidências. Os Órgãos de Controle são investidos de competência legal na
verificação das conformidades das atividades das instituições públicas com os
atos normativos legais e devem examinar se estão em consonância com os
princípios que regem a Administração Pública. O Controle Social é uma
fiscalização em sentido vertical, ou seja, a sociedade é o interessado direto
no bom desempenho da Administração Pública, averiguando a atuação dos
representantes eleitos para conduzirem os destinos de municípios, estados e da
União, visando a boa gestão da coisa pública.
Como
constatamos, os Prefeitos que são os responsáveis pela gestão das prefeituras
tem o dever da observância aos ditames legais. Eles não podem ficar omissos a
isso, transformando-os em municípios “fora da lei”.
A
Prefeitura de Macapá tem ainda uma oportunidade de fazer os ajustes perante à
LRF com a promulgação da Emenda Constitucional 98. Ela vai permitir que as pessoas que tenham mantido, por um
mínimo de 3 meses, qualquer tipo de relação de trabalho com os ex-territórios
de Roraima e do Amapá optem pelo quadro
em extinção do governo federal, caso esse vínculo tenha ocorrido até 5 anos após
a data de sua transformação em estado (entre 5 de outubro de 1988 e 5 de outubro de 1993. No Amapá, a previsão é
de que 1.350 servidores de 16 municípios possam integrar-se ao quadro da União.
Esta chance não pode ser desperdiçada ou corremos o risco de perder “o bonde da
nossa história”.
Adrimauro Gemaque, é
Analista do IBGE, graduado em Administração Pública e Articulista expressa seus
ponto de vista em caráter pessoal (adrimaurosg@gmail.com)
Referências:
Índice FIRJAN
de Gestão Fiscal – IFGF (2017). Disponível em: http://www.firjan.com.br/ifgf/
)
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