“Os desafios da
cyberpropaganda nas eleições 2018”
(*) José Seixas de Oliveira
No Brasil, o acesso à
internet na última década saltou, segundo dados do IBGE, de 7,2 milhões para
39,3 milhões de casas conectadas. Em 2016, éramos 116 milhões de pessoas
conectadas à internet, o equivalente a 64,7% da população brasileira com idade
acima de 10 anos. O número de smartphones já supera a marca de 208 milhões de
aparelhos, o que representa a proporção de 1 aparelho por habitante no país,
segundo dados da 28ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da
Informação realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
Atualmente, superamos a
marca de 147 milhões de eleitores e, nesse universo tecnológico de informação,
não há como menosprezar o poder da internet para a divulgação de propaganda
eleitoral em velocidade e alcance antes inimagináveis.
A propaganda eleitoral na
internet passou a ser prevista no art. 57-A da Lei das Eleições a partir da
minirreforma promovida pela Lei nº 12.034/09, sendo permitida em sítio do
candidato, partido ou coligação; por meio de mensagens eletrônicas, blogs,
redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet cujo
conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações, e até
mesmo por pessoas naturais, desde que estas não contratem impulsionamento de
conteúdos.
Com o advento da Lei nº
13.488/17, que alterou dispositivos da Lei nº 9.504/97, ficou proibida a
veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de
aplicação de internet com a intenção de falsear identidade (fakes), bem como a
utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não
disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas,
para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios
quanto de terceiros. Vedou ainda a veiculação de qualquer tipo de propaganda
eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que
identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por
partidos, coligações e candidatos e seus representantes.
Com a universalização da
internet, aliado ao impacto do estabelecimento de limites cada vez mais
estreitos de gastos de campanha, candidatos, partidos e coligações à cada
eleição vêm migrando com maior força para a propaganda eleitoral por meio das
redes sociais, cujo custo se mostra consideravelmente menor, quando comparado
às demais formas de propaganda tradicionais.
Nesse contexto, surgem como
desafios da legislação eleitoral lidar com certos, digamos, “efeitos
colaterais” decorrentes do abuso do direito fundamental da livre expressão do
pensamento, bem como da distorção do conceito da livre expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença, valores consagrados no art. 5º, IV e IX da Constituição
Federal.
Com lastro no falso
supedâneo da liberdade de expressão, as fakenews – notícias falsas – tem sido
veiculadas e ruminadas com as mais diversas finalidades, que vão desde o mero
humorismo sarcástico até a desconstrução sistemática de axiomas para o
estabelecimento de novos padrões sociais.
Sob o efeito desse fenômeno
digital, as últimas eleições presidenciais norte-americanas e francesas, que
elegeram, respectivamente, Donald Trump e Emmanuel Macron, passaram a ser
consideradas paradigmáticas quanto a ação das fakenews nos pleitos eleitorais,
o que levou o Tribunal Superior Eleitoral – TSE a criar uma força-tarefa com a
participação de representantes do Ministério da Defesa e da Agência Brasileira
de Inteligência – Abin.
O fenômeno das fakenews, por
essência, baseiam-se em fato inverídico travestido de verdade com forma de
notícia. No espectro eleitoral, tal fato necessariamente precisa possuir um
plus de relevância tal, a ponto de causar um efeito positivo ou negativo em
determinada candidatura.
Portanto, para que as
fakenews sejam puníveis na seara eleitoral, não se exige tão somente a
distorção de um fato verídico. É a distorção do fato, ou mesmo a criação de
fato inexistente para o fim específico de beneficiar determinado candidato, ou
de desconstruir a imagem pública de candidato a cargo eletivo.
Todavia, importante destacar
que as fakenews, por si só, não constituem tipo específico de conduta ilícita,
sendo necessário que o caso concreto se adeque a uma das situações tipificadas
na legislação eleitoral.
No âmbito penal-eleitoral, o
conteúdo de uma fakenews poderá constituir crime de: divulgação de fatos
sabidamente inverídicos e relação a partidos ou candidatos, capazes de
exercerem influência perante o eleitorado (Código Eleitoral, art. 323); calúnia
(Código Eleitoral, art. 324); ou injúria (Código Eleitoral, art. 326). Tais
condutas deverão ser apuradas por meio da competente ação penal.
Na esfera
cível-administrativa-eleitoral, prevê o § 1º do art. 22 da Resolução TSE nº
23.551/2017, que “a livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou
identificável somente é passível de limitação quando ocorrer ofensa à honra de
terceiros ou a divulgação de fatos sabidamente inverídicos”. Assim, as fakenews
serão consideradas propaganda irregular quando houver ofensa à honra de
terceiros (candidatos, partidos ou coligações) ou a divulgação de fatos
sabidamente inverídicos acerca destes, sujeitando o usuário responsável pelo
conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, a multa
de 5 a 30 mil reais ou valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se
esse cálculo superar o limite máximo da multa, por meio de representação de que
trata o art. 96 da Lei nº 9.504/97, instruída com prova da autoria ou do prévio
conhecimento do beneficiário.
Além das fakenews, há outros
fenômenos ligados à internet que poderão ter efeitos na propaganda eleitoral,
como as junkienews e os aparentemente inocentes memes.
Por junkienews, que
poderíamos traduzir livremente por “viciados em notícias”, entendem-se a
propagação de notícias, ainda que verdadeiras, que vez ou outra ressurgem em
outro cenário espaço-temporal. Diferentemente das fakenews, tais notícias são
verossímeis, porém não atuais. Na propaganda eleitoral, determinadas notícias
passadas poderão ressurgir propositadamente no intuito de manter viva uma
lembrança ou fato passado que possa beneficiar ou difamar determinado
candidato, partido ou coligação, constituindo, em tese, o crime de difamação,
tipo previsto no art. 325, caput, do Código Eleitoral.
Por fim, e não menos
importante, os memes, termo de origem grega que significa “imitação”, refere-se
a um fenômeno que objetiva rápida “viralização”, por seu conteúdo, geralmente
engraçado, nas redes sociais. Na propaganda eleitoral ganhou notoriedade para a
promoção de políticos “alternativos”, cujos bordões engraçados acabaram
cativando grande número de votos. Apesar de tal característica, geralmente no
sentido de promover candidaturas, eventualmente os memes também poderão ter
como mote a ridicularização de candidatos, situação que deve também ser
observada com atenção e reprimida, caso resulte em ofensa à honra de terceiros.
De toda forma, o princípio
norteador da propaganda eleitoral na internet é o da liberdade de manifestação
do pensamento do eleitor identificado ou identificável (portanto, vedado o
anonimato), sendo a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos
divulgados na internet, realizada com a menor interferência possível no debate
democrático (art. 33 da Resolução TSE nº 23.551/17).
Em que pese a veiculação de
propaganda por fakes (perfis falsos) ou bots (robôs virtuais que simulam ações
humanas) esteja passível de medida judicial para a remoção de conteúdo (art.
23, § 2º c/c art. 33, § 2º da resolução TSE nº 23.551/17), a ausência de
identificação imediata do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não
constitui circunstância suficiente para o deferimento do pedido de remoção, e
somente será considerada anônima caso não seja possível a identificação dos
usuários após a adoção das providências previstas nos arts. 10 e 22 da Lei nº
12.965/14 (Marco Civil da Internet), que tratam da guarda, disponibilização e
fornecimento dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet.
Se as Eleições Gerais de
2018 serão decididas na propaganda eleitoral pela internet, apenas o futuro
dirá. O fato é que estaremos diante da campanha eleitoral mais virtualizada de
todos os tempos. Além dos desafios tecnológicos, há também o desafio de
combater a desinformação disseminada pelos fenômenos virtuais, com o antídoto
eficaz da informação.
José Seixas de Oliveira – Bacharel em Direito, Especialista em Direito Eleitoral e em Direito Processual Civil, Analista Judiciário e Assessor Jurídico do TRE-AP.
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