quarta-feira, 10 de abril de 2019

RECANTO LITERÁRIO - OBDIAS ARAÚJO


APOLOGIA


Obdias Araújo


Naqueles dias dos anos setenta a coisa estava feia no Amapá. O Engasga-Engasga havia sido eleito inimigo Público Nº 01. Era preciso caçá-lo. Pegá-lo. Acabar com a raça do sujeito que tinha mola nos pés e sebo no resto do corpo.
José Índio Machado distribuiu entre os guardas territoriais metralhadoras INA e revólveres cuja munição falava dos primórdios da civilização pré-colombiana.

Aquele menino tinha apenas 20 anos. Perito em executar dobrados e similares nada sabia de mosquete mosquetão mosquefal algema têje preso e coisas do gênero. Deram-lhe armas uniforme novo e poder de comando.
Uma tarde chuvisquenta veio o alarme :o engasgador estava debaixo do assoalho do Baianinho na Praça do Sapo que hoje atende pelo vulgo de Praça Floriano Peixoto. Realmente dava para ver entre os sauveiros altos e os esteios de sustentação da casa de madeira alguns tufos de cabelo.
O menino temperou a garganta e repetiu a ordem até à rouquidão: Têje preso! Têje preso! Têje preso! E nada do famigerado bandido sair de debaixo da casa. Sequer se mexia. Parecia extenuado após a noite inteira perseguindo alunas incautas do IETA, CCA, CA e adjacências.
O menino segurou firme a INA que sempre puxava para a direita quando se atirava e acionou o gatilho. Alguma coisa explodiu e o sangue manchou as tábuas do assoalho tingindo de vermelho a farofa amarela dos sauveiros próximos.
Após a anuência do proprietário duas ou três tábuas foram arrancadas e todos viram Palhaço o gato siamês do baiano dono da casa com a cabeça destroçada e o corpo ainda trêmulo.
Até onde eu sei este inocente gato foi a única vítima da Operação Engasga-Engasga.
Fora os poetas. E os amigos dos poetas.

 oOo 


### A  PRAÇA DO SAPO E O GATO DO BAIANINHO



A rua do Infraero II está apinhada de pessoas.
As pessoas da rua do Infraero II estão cheias de sonhos. 
Os sonhos das pessoas da rua do Infraero II são plenos de esperança.
A esperança dos sonhos das pessoas da rua do Infraero II está presente também nos meus sonhos.
Eu que me vou pedalando mastigando um pedação de pizza de calabresa e cruzando com as pessoas e com os sonhos que se acotovelam na rua do Infraero II. 

oOo 


### ZONA NORTE


Tarde maturada de abril. No Açaí é assim. Parece que 50 tons de cinza estão reunidos em conclave bem aqui entre minha cadeira de macarrão e o Pau Cavado para lamentar a morte do dia e deliberar sobre a posse do dia seguinte.
Os ônibus da União Macapá chegam vagarosamente cabisbaixos pneus meio murchos e mochila nos ombros doloridos.
Aliás alguém deveria pensar em trocar a frota inteirinha por aquelas jardineiras movidas a água de cheiro. Aquelas do encanto da vizinha Belém dos anos 60.
Capim gordura capim manteiga capim elefante lama lama lama muita lama e um algodoeiro lacrimogêneo e solitário do outro lado da rua.
Doze mil oitocentos e setenta e seis coqueiros somando duzentos e setenta e quatro cachos pendurando medianamente trinta e oito frutos cada qual.
Tais palmáceas rodeiam meu abrigo. Aconchegante esquinado onde eu e minha Branquinha gozamos da hospitalidade de Sua Excelência o Senhor Alan Salomão que lambe os dedos após finalizar o tambaqui na telha debaixo do cajueiro de dias contados.
E tem a jaca e o taperebá que igualmente abundam por aqui. 

oOo 


### GPS


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