Cabralzinho, defensor da soberania amapaense e herói
nacional
Há 124 anos, surgiu um herói defensor das terras do Amapá, em uma ação de defesa contra a invasão francesa na questão
do Contestado do Amapá. Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho liderou
a resistência as tropas francesas.
Reinaldo Coelho
Esta quarta-feira
(15) é feriado no Amapá, considerado o “Dia do Cabralzinho”. A data foi criada
em julho de 2017 e é comemorada oficialmente pela segunda vez no estado.
O herói nacional e
amapaense, Francisco Xavier da Veiga Cabral nasceu em 05 de maio de 1861 e
faleceu dia 18 de maio de 1905 em Belém aos 44 anos de idade, era paraense,
natural da cidade de Cametá foi comerciante por muito tempo, exerceu vários
cargos públicos, assim como escrivão e despachante da Alfândega Paraense,
chegou ao Amapá, depois de se envolver em uma revolta armada, para restaurar a
monarquia, depor o governador na época Duarte Huet Bacellar e impedir a posse
do novo Governador da Província do Grão-Pará Lauro Sodré, segundo Queiroz,
[...] Francisco
Xavier da Veiga Cabral manifestou-se favorável ao emprego da força para impedir
a reunião da Assembleia e, consequentemente, a posse de Lauro Sodré no cargo de
governador. Ele alegou contar com o apoio do 15º Batalhão de Infantaria e
praças do Corpo Policial, que com sua gente formariam um contingente de mil
pessoas (QUEIROZ, 1999, p. 335).
Francisco Xavier da
Veiga Cabral, mais conhecido como Cabralzinho, tinha esse apelido por causa de
sua baixa estatura, ele se envolveu nessa revolta que mais tarde foi denominada
de Batalha de Cacaualinho, mas após denúncias foram reprimidos pelo Governo que
abriu inquérito para apurar as supostas denúncias sobre as pessoas que
estiveram envolvidas na tentativa do golpe, os responsáveis da revolta foram
identificados e deportados para fora do Estado, exceto Cabralzinho, que fugiu
antes de ser preso e exilado.
Cabralzinho foi
para os Estados Unidos da América, retornado apenas após a declaração de
anistia aos envolvidos na revolta, mesmo assim Cabralzinho preferiu se instalar
na Vila do Espírito Santo do Amapá, pois tinha receio de represália política e
também porque soube da descoberta de campos auríferos em Calçoene na área
contestada por França e Brasil, que reafirmava a ideia que o El Dourado se
localizava na Amazônia.
Cabralzinho
chegando à vila continuou no ramo do comércio, ganhou muito prestigio (além de
dinheiro e terras é claro) no Amapá, fez parte do Triunvirato e foi, a partir
da composição deste governo local, que passou a ser conhecido, pois seus feitos
como Presidente do Triunvirato começaram a incomodar principalmente os
franceses, como afirma Cardoso, ao ressaltar que, nos primeiros anos em que Cabral permaneceu
na vila do Amapá não há maiores referências ao seu nome ou qualquer grupo
organizado de brasileiros. Foi apenas a partir de 1895 que o governador da
Guiana Francesa passou a pedir autorização de interferências no Contestado para
o Ministro das Colônias em Paris, em virtude de Cabral ter se tornado
governador da vila Amapá, em dezembro de 1894, e instituído uma legislação que
permitia a exploração aurífera no leito do rio Calçoene [...] (CARDOSO, 2008,
p. 72).
Cabralzinho se
tornou um líder dentro da Vila do Espírito Santo do Amapá, pois tinha a malícia
que todo e bom político têm e começou juntamente com o Triunvirato organizar
politicamente e socialmente com legislações aquela região esquecida pelo
Governo Brasileiro.
Segundo Meira
(1975, p.52), “entre as primeiras medidas surgiram à proteção ao comércio dos brasileiros,
a exploração das minas auríferas, a instituição de tributos [...]. Sobre as
mercadorias provindas de Caiena criou-se o imposto de 10%. Os gêneros
brasileiros eram isentos”, sem dúvidas essas leis foram criadas para se ter um
maior controle sobre o contestado franco-brasileiro e o mesmo tempo favorecer a
elite empresarial da vila do Amapá e do Pará ao modo de garantir seu controle
econômico, já que Cabralzinho líder máximo do Triunvirato era um comerciante.
Pois, conforme
Raiol (1992, p.196), “o Triunvirato passou a ser a lei que determinava o
direito de vida e de morte de toda aquela gente”; Logo, com isso aumentaram os
conflitos entre brasileiros e franceses por causa das leis que foram criadas e
impostas na região aurífera, primeiramente pelos franceses e depois pelos
brasileiros.
A Vila do Espírito
Santo do Amapá pertencia à área contestada desde o século XVII pela França, a
qual nunca teve direitos sobre a mesma, conforme tratados que foram assinados,
primeiramente o Tratado Provisional de 1700, onde essa área ficou conhecida por
algum tempo como Contestado franco-luso, criando o primeiro contestado na área
e se tornou, em uma terra de sonhos no imaginário de muita gente, como escravos
fugitivos tanto da Guiana Francesa como do Brasil, soldados desertores e
criminosos, assim, essa área se tornou um ótimo lugar de refúgio para essas
pessoas, mais tarde no decorrer dos séculos XVIII e XIX, essa área foi
contestada por França e Brasil, sobre isso, Cardoso diz que, durante o decorrer
dos séculos XVIII e XIX, o contestado Franco-Brasileiro representou, no
imaginário de escravos e soldados desertores, bem como no de prisioneiros
fugitivos, um território de liberdade. Chegar às terras situadas entre o
Araguari e o Oiapoque significava a possibilidade de uma nova vida, fora do
controle, tanto do estado português (e depois brasileiro) quanto do estado
francês [...] (CARDOSO, 2008, p. 19).
O fluxo de
aventureiros em busca de riqueza fácil e as disputas entre brasileiros e
estrangeiros que vieram de diversos países para a localidade aurífera
aumentaram bastante. A cobiça pelo ouro foi despertada em ingleses, holandeses
e norte-americanos, mas a disputa maior pelos campos auríferos ficou mesmo
entre franceses que vinham por muito tempo, tentando ocupar a área e por
brasileiros, sendo que os brasileiros começaram a ser perseguidos pelos
estrangeiros que aqui aportaram em especial pelos franceses, que praticamente
já tinha tentado de tudo para obter o domínio das terras em litígio com
Portugal e mais tarde com o Brasil, conforme Meira,
A invasão e a
reação brasileira
No dia 01 de maio
de 1895, na então pequena vila de Amapá, Francisco Xavier da Veiga Cabral, o
Cabralzinho, rechaçou uma invasão francesa ao comando do capitão Lunier. Este
fato foi o mais radical da questão do Contestado do Amapá, que foi resolvido
somente cinco anos mais tarde, através de arbitragem internacional.
Isto aconteceu há
124 anos. Os franceses comandados por Lunier chegaram para obedecer às ordens
do governador de Caiena, Mr. Charvein, que queria a prisão imediata de
Cabralzinho caso este não colocasse em liberdade o "delegado" francês
Trajano, que havia sido feito prisioneiro do Exército Defensor do Amapá, uma
força paramilitar comandada por Cabralzinho.
A história do Herói nacional
Por ter defendido a
vila de Amapá, Cabralzinho foi consagrado herói nacional pelas Forças Armadas,
que lhe deram o título de General Honorário do Exército Brasileiro, e pela
Maçonaria, a qual Cabralzinho era membro. Eis sua história:
Forma-se o Triunvirato
No tempo da
Cabanagem, os franceses construíram uma fortificação nas imediações de Amapá,
mais precisamente numa localidade banhada pelo lago Ramudo Essa guarnição
francesa foi descoberta pelo capitão Harris que, imediatamente comunicou o fato
ao governo imperial do Brasil. Assumindo o Segundo Império, D. Pedro II
resolveu, com o seu colega de França, Napoleão III, neutralizar a região
disputada pelos dois países, hoje a área situada entre os rios Oiapoque e
Araguary.
Assim, a área
passou a se chamar Contestado Franco-Brasileiro, com um representante no Brasil
morando em Belém, e outro da França morando em
Caiena. O
local-sede do contestado era então a vila do Espírito Santo do Amapá.
A descoberta do
ouro no rio Calçoene, em 1894 (há autores que mencionam 1893), pelos
garimpeiros paraenses naturais de Curuçá, Germano e Firmino, veio despertar
maior interesse da França e do Brasil na posse definitiva do Contestado. Do
lado francês é nomeado Trajano, escravo fugitivo de Cametá (no Pará) que passou
a atuar em Cunani como delegado francês. Em Amapá (àquela época vila) quem
representava os interesses da França era Eugene Voissien, que veio mais tarde
proibir o acesso de brasileiros à área aurífera, franqueando o direito apenas
aos "crioulos" de Caiena.
Com a situação
criada por Voissien, os amaparinos começaram a reagir e o primeiro passo foi
cassar os direitos do representante francês. Assim, reunida em 26 de dezembro
de 1894, a população depôs Voissien e criou um governo triúnviro, do qual
assumiram o cônego Domingos Maltez na presidência, tendo como vices Francisco
Xavier da Veiga Cabral e Desidério Antonio Coelho.
A sugestão do
Triunvirato foi de Desidério que, escolhido no dia 10 do mesmo mês para ser o
líder de um governo independente em Amapá, sugeriu uma nova reunião para que a
administração passasse a ser exercida por três pessoas. No dia seguinte é
criado o Exército Defensor do Amapá, para tentar garantir a ordem no local. A
formação do governo triúnviro é comunicada em seguida a Belém.
Trajano é preso em Cunani
Na vila de Cunani,
que já foi república independente por duas vezes (1889 a 1902), Trajano
continuava com suas atitudes de perseguição aos brasileiros que se fixassem por
lá, chegando até mesmo a rasgar a bandeira brasileira e, em seu lugar, fazer
tremular a francesa, sob os acordes de Marselha.
O cônego Domingos
Maltez, nos primeiros anos de 1895, deixa a presidência do Triunvirato e
assume, em seu lugar, o vice, Cabralzinho. Uma das primeiras providências
tomadas por Cabral foi atender a uma carta assinada pela população de Cunani
relatando as atitudes de Trajano no local. Sem procurar instaurar qualquer
inquérito, o que era de praxe nessas situações, Cabralzinho enviou uma
guarnição a Cunani para mandar intimar e prender Trajano. Foi encarregado da
missão o major Félix Antonio de Souza, que levou consigo uma proclamação
oficial do
Triunvirato aos brasileiros daquele distrito.
Os franceses invadem a vila
Era uma
quarta-feira, 15 de maio de 1895. A população adulta se encontrava nos seus afazeres
diários, seja no centro da vila, seja no campo, tomando conta do gado ou das
"tarefas da roça". Cabralzinho encontrava-se em sua casa descansando,
próximo à Igreja, pois havia chegado de madrugada de uma viagem que fizera,
para atender a uma criança doente na região dos Lagos.
Os franceses desde
cedo vinham subindo o rio Amapá Pequeno, a bordo da canhoneira Bengali, que era
pilotada por um brasileiro de nome Evaristo Raimundo. O comando era do
capitão-tenente Lunier e a missão tinha a finalidade de prender Cabralzinho se
este resistisse à ordem de soltar Trajano. Após a prisão de Cabral, os
gendarmes deveriam leva-lo para Caiena.
Os invasores
desembarcaram às 9 horas e foram logo em direção à residência de Veiga Cabral.
A casa foi cercada por uma patrulha enquanto que outra vinha do outro lado,
deixando um rastro de mortes entre velhos, mulheres e crianças amaparinas.
As declarações do
capitão Lunier foram ouvidas com bastante clareza. Diante da negativa de
Cabralzinho, formou-se o combate. Com poucos minutos os amigos de Cabral
começaram a vir, e oitenta homens, comandados pelo capitão Lunier, começaram a
lutar descontroladamente, talvez por causa da morte de seu comandante, e
preocupados também com a baixa da maré que provocaria, com certeza, o encalhe
da embarcação, que tinha casco muito fundo.
Se Cabralzinho
matou ou não Lunier com a própria pistola do gendarme francês, agora o fato não
interessa. A reação dos brasileiros e o massacre de amapaenses ocorrido na vila
apressou de uma vez a resolução do conflito do Contestado, cujas conclusões
saíram no dia 1º de dezembro de 1900, cinco anos depois, pelo presidente da
Suíça, Walter Hauser, que fora escolhido como mediador da questão.
Mas a repercussão
dos acontecimentos ocorridos no Amapá foi de grande valia no cenário da
imprensa internacional. No Brasil a Imprensa se movimenta com protestos contra
a pretensão do governador de Caiena, Mr. Charvein, em pretender fuzilar os
brasileiros levados prisioneiros pelos franceses. O próprio governador de
Caiena coloca como prêmio de um milhão de francos a quem capturar vivo
Cabralzinho.
As relações
diplomáticas entre o Brasil e a França necessitavam de providências urgentes. O
governo francês reconheceu a responsabilidade de Mr. Charvein pelo massacre
ocorrido em 15 de maio de 1895. O seu afastamento do comando de Caiena foi
imediato, valendo-lhe, como "prêmio", uma aposentadoria compulsória.
De 1896 a 1897,
Cabralzinho percorre o sul do país como herói nacional e defensor da Pátria.
Mas a imprensa francesa insiste em declarar Cabralzinho culpado. O fato só foi
resolvido com o Laudo Suíço expedido pelo presidente Walter Hauser, em 1º de
dezembro de 1900, em que dá ganho de causa ao Brasil na questão do Contestado.
Vítimas da Invasão
O jornal paraense
"Diário de Notícias", em edição de 12 de junho de 1895, quase um mês
depois do ocorrido, publica a relação das vítimas do massacre, com indicação de
nomes, idade e informações a respeito da morte:
Leia mais:
Cabralzinho, o Herói Desconhecido
Crônica de Fernando Canto sobre a nossa história
Por Fernando Canto
O 15 de Maio
sempre foi um dia importante para os habitantes do Amapá pelo famoso combate
entre franceses e brasileiros, comandado por Francisco Xavier da Veiga Cabral,
no ano de 1895. Era uma data comemorada por todas as escolas que reverenciavam
o triúnviro como o “Herói do Amapá”, pelo seu ato de defender a Pátria dos
invasores inimigos.
Passados 123
anos do episódio e 118 da vitória de Rio Branco em tribunais internacionais,
quando as terras então litigiosas da fronteira foram definitivamente
incorporadas ao território brasileiro, pouco se vê de reverência a essas datas
magnas da História do Amapá.
Passei ao largo da Praça Veiga Cabral e contemplei a
estátua ali colocada em sua homenagem em 2001, após ter sido removida da frente
da cidade pela Prefeitura de Macapá, atendendo a vários pedidos de munícipes
que “achavam uma apologia à violência ela estar erguida na Beira Rio, onde
passam crianças”. O monumento1895-002-Cabralzinho mede uns cinco metros de
altura e representa Cabralzinho atirando com uma pistola, trazendo uma espada
na cintura. Se os monumentos construídos com o propósito de representar heróis
ou atos de heroísmo forem olhados por esse lado moralista será necessário
derrubar quase todos, até porque, segundo se sabe, o herói é aquele que foi
capaz de realizar atos guerreiros extraordinários, magnânimos, antes de ser
simplesmente um personagem de romance ou de histórias em quadrinhos. Na hora
chovia sobre a estátua e as pessoas se abrigavam em sombrinhas coloridas ou sob
as mangueiras da praça. Foi então que resolvi perguntar a elas se conheciam a
pessoa representada na estátua.
Das doze
pessoas com quem conversei na praça, dez eram nordestinas ou paraenses e não
conheciam a nossa História. As outras duas eram macapaenses, que quando
perguntadas, respondiam se não foi “aquele que não sabia se corria pro mato ou
pro morro”. Mais tarde visitei um importante órgão público e indaguei sobre a
História de Cabralzinho e o que ele representava para o Amapá. Amapaenses que
conheço há muito tempo também fizeram pilhérias sobre o fato e acham a história
muito controversa. São cidadãos de classe média e de alguma maneira
considerados formadores de opinião.1505aptv_cabralzinho1
Não sei
exatamente como começou a distorção dessa história, mas lembro que a frase “O
Amapá não tem História, tem piada” era atribuída, supostamente, ao governador
Arthur Henning em função de anedotas produzidas por gozadores descomprometidos
com a as coisas do nosso lugar. Na própria cidade de Amapá, no início dos anos
80, um comerciante de nome Siáudio e seus companheiros mostravam aos visitantes
a “Arma de Cabralzinho”. Era uma brincadeira na qual ele pedia que abrissem um
estojo onde estava um falo de madeira. Caiam na gargalhada.
As
especulações que se seguiram à época do episódio deixaram a figura de
Cabralzinho bastante controversa. As baixas francesas foram seis mortos e 20
feridos enquanto 38 brasileiros, na maioria velhos, crianças e mulheres, perderam
a vida de forma macabra e cruel. O próprio Emílio Goeldi, cientista emérito do
pistoladecrabralzinhoMuseu do Pará, em relatório de novembro de 1895 ataca
Veiga Cabral, embora dizendo que não quer acusá-lo diretamente da culpabilidade
dos abusos cometidos, “mas que seus companheiros são gente da pior espécie, que
não lhe inspiram confiança”.
Sobre esses
aspectos, e levando em conta que a ciência histórica hoje considera que “as
atitudes mentais, a relação com o corpo, com o espaço, com a paisagem, a cultura
política, as relações socioeconômicas, a festa, a cultura material, etc, se
constituem objetos do conhecimento em história”, (Coelho: 2003), não seria
interessante se a academia local fizesse mais estudos para tentar solucionar o
problema? Consideremos que não é apenas o heroísmo de Cabralzinho que está em
jogo, mas a própria História do nosso Estado.
O professor
Jonas Marçal de Queiroz, no seu estudo “História, Mito e Memória: o Cunani e
outras Repúblicas”, diz que Veiga Cabral foi esquecido assim que o litígio com
a França foi resolvido. Ele questiona também a atitude de Trajano, que teria
sido escravo em Cametá e que vira o significado de liberdade na bandeira
francesa. Deste modo é inegável a necessidade de surgirem novos e
esclarecedores estudos na área. Com a palavra os historiadores.
* Texto que
publicado no jornal A Gazeta em 2010.
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