terça-feira, 14 de maio de 2019

Cabralzinho, defensor da soberania amapaense e herói nacional


Cabralzinho, defensor da soberania amapaense e herói nacional


Há 124 anos, surgiu um herói defensor das terras do Amapá, em uma ação de defesa contra a invasão francesa na questão do Contestado do Amapá. Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho liderou a resistência as tropas francesas.


Reinaldo Coelho

Esta quarta-feira (15) é feriado no Amapá, considerado o “Dia do Cabralzinho”. A data foi criada em julho de 2017 e é comemorada oficialmente pela segunda vez no estado.

O herói nacional e amapaense, Francisco Xavier da Veiga Cabral nasceu em 05 de maio de 1861 e faleceu dia 18 de maio de 1905 em Belém aos 44 anos de idade, era paraense, natural da cidade de Cametá foi comerciante por muito tempo, exerceu vários cargos públicos, assim como escrivão e despachante da Alfândega Paraense, chegou ao Amapá, depois de se envolver em uma revolta armada, para restaurar a monarquia, depor o governador na época Duarte Huet Bacellar e impedir a posse do novo Governador da Província do Grão-Pará Lauro Sodré, segundo Queiroz,

[...] Francisco Xavier da Veiga Cabral manifestou-se favorável ao emprego da força para impedir a reunião da Assembleia e, consequentemente, a posse de Lauro Sodré no cargo de governador. Ele alegou contar com o apoio do 15º Batalhão de Infantaria e praças do Corpo Policial, que com sua gente formariam um contingente de mil pessoas (QUEIROZ, 1999, p. 335).

Francisco Xavier da Veiga Cabral, mais conhecido como Cabralzinho, tinha esse apelido por causa de sua baixa estatura, ele se envolveu nessa revolta que mais tarde foi denominada de Batalha de Cacaualinho, mas após denúncias foram reprimidos pelo Governo que abriu inquérito para apurar as supostas denúncias sobre as pessoas que estiveram envolvidas na tentativa do golpe, os responsáveis da revolta foram identificados e deportados para fora do Estado, exceto Cabralzinho, que fugiu antes de ser preso e exilado.


Cabralzinho foi para os Estados Unidos da América, retornado apenas após a declaração de anistia aos envolvidos na revolta, mesmo assim Cabralzinho preferiu se instalar na Vila do Espírito Santo do Amapá, pois tinha receio de represália política e também porque soube da descoberta de campos auríferos em Calçoene na área contestada por França e Brasil, que reafirmava a ideia que o El Dourado se localizava na Amazônia.

Cabralzinho chegando à vila continuou no ramo do comércio, ganhou muito prestigio (além de dinheiro e terras é claro) no Amapá, fez parte do Triunvirato e foi, a partir da composição deste governo local, que passou a ser conhecido, pois seus feitos como Presidente do Triunvirato começaram a incomodar principalmente os franceses, como afirma Cardoso, ao ressaltar que,    nos primeiros anos em que Cabral permaneceu na vila do Amapá não há maiores referências ao seu nome ou qualquer grupo organizado de brasileiros. Foi apenas a partir de 1895 que o governador da Guiana Francesa passou a pedir autorização de interferências no Contestado para o Ministro das Colônias em Paris, em virtude de Cabral ter se tornado governador da vila Amapá, em dezembro de 1894, e instituído uma legislação que permitia a exploração aurífera no leito do rio Calçoene [...] (CARDOSO, 2008, p. 72).

Cabralzinho se tornou um líder dentro da Vila do Espírito Santo do Amapá, pois tinha a malícia que todo e bom político têm e começou juntamente com o Triunvirato organizar politicamente e socialmente com legislações aquela região esquecida pelo Governo Brasileiro.


Segundo Meira (1975, p.52), “entre as primeiras medidas surgiram à proteção ao comércio dos brasileiros, a exploração das minas auríferas, a instituição de tributos [...]. Sobre as mercadorias provindas de Caiena criou-se o imposto de 10%. Os gêneros brasileiros eram isentos”, sem dúvidas essas leis foram criadas para se ter um maior controle sobre o contestado franco-brasileiro e o mesmo tempo favorecer a elite empresarial da vila do Amapá e do Pará ao modo de garantir seu controle econômico, já que Cabralzinho líder máximo do Triunvirato era um comerciante.

Pois, conforme Raiol (1992, p.196), “o Triunvirato passou a ser a lei que determinava o direito de vida e de morte de toda aquela gente”; Logo, com isso aumentaram os conflitos entre brasileiros e franceses por causa das leis que foram criadas e impostas na região aurífera, primeiramente pelos franceses e depois pelos brasileiros.


A Vila do Espírito Santo do Amapá pertencia à área contestada desde o século XVII pela França, a qual nunca teve direitos sobre a mesma, conforme tratados que foram assinados, primeiramente o Tratado Provisional de 1700, onde essa área ficou conhecida por algum tempo como Contestado franco-luso, criando o primeiro contestado na área e se tornou, em uma terra de sonhos no imaginário de muita gente, como escravos fugitivos tanto da Guiana Francesa como do Brasil, soldados desertores e criminosos, assim, essa área se tornou um ótimo lugar de refúgio para essas pessoas, mais tarde no decorrer dos séculos XVIII e XIX, essa área foi contestada por França e Brasil, sobre isso, Cardoso diz que, durante o decorrer dos séculos XVIII e XIX, o contestado Franco-Brasileiro representou, no imaginário de escravos e soldados desertores, bem como no de prisioneiros fugitivos, um território de liberdade. Chegar às terras situadas entre o Araguari e o Oiapoque significava a possibilidade de uma nova vida, fora do controle, tanto do estado português (e depois brasileiro) quanto do estado francês [...] (CARDOSO, 2008, p. 19).
 
1895-Amapá-Casa-onde-morou-Cabralzinho
O fluxo de aventureiros em busca de riqueza fácil e as disputas entre brasileiros e estrangeiros que vieram de diversos países para a localidade aurífera aumentaram bastante. A cobiça pelo ouro foi despertada em ingleses, holandeses e norte-americanos, mas a disputa maior pelos campos auríferos ficou mesmo entre franceses que vinham por muito tempo, tentando ocupar a área e por brasileiros, sendo que os brasileiros começaram a ser perseguidos pelos estrangeiros que aqui aportaram em especial pelos franceses, que praticamente já tinha tentado de tudo para obter o domínio das terras em litígio com Portugal e mais tarde com o Brasil, conforme Meira,

A invasão e a reação brasileira


No dia 01 de maio de 1895, na então pequena vila de Amapá, Francisco Xavier da Veiga Cabral, o Cabralzinho, rechaçou uma invasão francesa ao comando do capitão Lunier. Este fato foi o mais radical da questão do Contestado do Amapá, que foi resolvido somente cinco anos mais tarde, através de arbitragem internacional.

Isto aconteceu há 124 anos. Os franceses comandados por Lunier chegaram para obedecer às ordens do governador de Caiena, Mr. Charvein, que queria a prisão imediata de Cabralzinho caso este não colocasse em liberdade o "delegado" francês Trajano, que havia sido feito prisioneiro do Exército Defensor do Amapá, uma força paramilitar comandada por Cabralzinho.
A história do Herói nacional


Por ter defendido a vila de Amapá, Cabralzinho foi consagrado herói nacional pelas Forças Armadas, que lhe deram o título de General Honorário do Exército Brasileiro, e pela Maçonaria, a qual Cabralzinho era membro. Eis sua história:

Forma-se o Triunvirato
No tempo da Cabanagem, os franceses construíram uma fortificação nas imediações de Amapá, mais precisamente numa localidade banhada pelo lago Ramudo Essa guarnição francesa foi descoberta pelo capitão Harris que, imediatamente comunicou o fato ao governo imperial do Brasil. Assumindo o Segundo Império, D. Pedro II resolveu, com o seu colega de França, Napoleão III, neutralizar a região disputada pelos dois países, hoje a área situada entre os rios Oiapoque e Araguary.
Assim, a área passou a se chamar Contestado Franco-Brasileiro, com um representante no Brasil morando em Belém, e outro da França morando em
Caiena. O local-sede do contestado era então a vila do Espírito Santo do Amapá.
A descoberta do ouro no rio Calçoene, em 1894 (há autores que mencionam 1893), pelos garimpeiros paraenses naturais de Curuçá, Germano e Firmino, veio despertar maior interesse da França e do Brasil na posse definitiva do Contestado. Do lado francês é nomeado Trajano, escravo fugitivo de Cametá (no Pará) que passou a atuar em Cunani como delegado francês. Em Amapá (àquela época vila) quem representava os interesses da França era Eugene Voissien, que veio mais tarde proibir o acesso de brasileiros à área aurífera, franqueando o direito apenas aos "crioulos" de Caiena.
Com a situação criada por Voissien, os amaparinos começaram a reagir e o primeiro passo foi cassar os direitos do representante francês. Assim, reunida em 26 de dezembro de 1894, a população depôs Voissien e criou um governo triúnviro, do qual assumiram o cônego Domingos Maltez na presidência, tendo como vices Francisco Xavier da Veiga Cabral e Desidério Antonio Coelho.

A sugestão do Triunvirato foi de Desidério que, escolhido no dia 10 do mesmo mês para ser o líder de um governo independente em Amapá, sugeriu uma nova reunião para que a administração passasse a ser exercida por três pessoas. No dia seguinte é criado o Exército Defensor do Amapá, para tentar garantir a ordem no local. A formação do governo triúnviro é comunicada em seguida a Belém.

Trajano é preso em Cunani

Na vila de Cunani, que já foi república independente por duas vezes (1889 a 1902), Trajano continuava com suas atitudes de perseguição aos brasileiros que se fixassem por lá, chegando até mesmo a rasgar a bandeira brasileira e, em seu lugar, fazer tremular a francesa, sob os acordes de Marselha.
O cônego Domingos Maltez, nos primeiros anos de 1895, deixa a presidência do Triunvirato e assume, em seu lugar, o vice, Cabralzinho. Uma das primeiras providências tomadas por Cabral foi atender a uma carta assinada pela população de Cunani relatando as atitudes de Trajano no local. Sem procurar instaurar qualquer inquérito, o que era de praxe nessas situações, Cabralzinho enviou uma guarnição a Cunani para mandar intimar e prender Trajano. Foi encarregado da missão o major Félix Antonio de Souza, que levou consigo uma proclamação
oficial do Triunvirato aos brasileiros daquele distrito.

Os franceses invadem a vila
Era uma quarta-feira, 15 de maio de 1895. A população adulta se encontrava nos seus afazeres diários, seja no centro da vila, seja no campo, tomando conta do gado ou das "tarefas da roça". Cabralzinho encontrava-se em sua casa descansando, próximo à Igreja, pois havia chegado de madrugada de uma viagem que fizera, para atender a uma criança doente na região dos Lagos.
Os franceses desde cedo vinham subindo o rio Amapá Pequeno, a bordo da canhoneira Bengali, que era pilotada por um brasileiro de nome Evaristo Raimundo. O comando era do capitão-tenente Lunier e a missão tinha a finalidade de prender Cabralzinho se este resistisse à ordem de soltar Trajano. Após a prisão de Cabral, os gendarmes deveriam leva-lo para Caiena.
Os invasores desembarcaram às 9 horas e foram logo em direção à residência de Veiga Cabral. A casa foi cercada por uma patrulha enquanto que outra vinha do outro lado, deixando um rastro de mortes entre velhos, mulheres e crianças amaparinas.
As declarações do capitão Lunier foram ouvidas com bastante clareza. Diante da negativa de Cabralzinho, formou-se o combate. Com poucos minutos os amigos de Cabral começaram a vir, e oitenta homens, comandados pelo capitão Lunier, começaram a lutar descontroladamente, talvez por causa da morte de seu comandante, e preocupados também com a baixa da maré que provocaria, com certeza, o encalhe da embarcação, que tinha casco muito fundo.
Se Cabralzinho matou ou não Lunier com a própria pistola do gendarme francês, agora o fato não interessa. A reação dos brasileiros e o massacre de amapaenses ocorrido na vila apressou de uma vez a resolução do conflito do Contestado, cujas conclusões saíram no dia 1º de dezembro de 1900, cinco anos depois, pelo presidente da Suíça, Walter Hauser, que fora escolhido como mediador da questão.
Mas a repercussão dos acontecimentos ocorridos no Amapá foi de grande valia no cenário da imprensa internacional. No Brasil a Imprensa se movimenta com protestos contra a pretensão do governador de Caiena, Mr. Charvein, em pretender fuzilar os brasileiros levados prisioneiros pelos franceses. O próprio governador de Caiena coloca como prêmio de um milhão de francos a quem capturar vivo Cabralzinho.
As relações diplomáticas entre o Brasil e a França necessitavam de providências urgentes. O governo francês reconheceu a responsabilidade de Mr. Charvein pelo massacre ocorrido em 15 de maio de 1895. O seu afastamento do comando de Caiena foi imediato, valendo-lhe, como "prêmio", uma aposentadoria compulsória.
De 1896 a 1897, Cabralzinho percorre o sul do país como herói nacional e defensor da Pátria. Mas a imprensa francesa insiste em declarar Cabralzinho culpado. O fato só foi resolvido com o Laudo Suíço expedido pelo presidente Walter Hauser, em 1º de dezembro de 1900, em que dá ganho de causa ao Brasil na questão do Contestado.

Vítimas da Invasão
O jornal paraense "Diário de Notícias", em edição de 12 de junho de 1895, quase um mês depois do ocorrido, publica a relação das vítimas do massacre, com indicação de nomes, idade e informações a respeito da morte:
Leia mais:

Cabralzinho, o Herói Desconhecido
Crônica de Fernando Canto sobre a nossa história


Por Fernando Canto
O 15 de Maio sempre foi um dia importante para os habitantes do Amapá pelo famoso combate entre franceses e brasileiros, comandado por Francisco Xavier da Veiga Cabral, no ano de 1895. Era uma data comemorada por todas as escolas que reverenciavam o triúnviro como o “Herói do Amapá”, pelo seu ato de defender a Pátria dos invasores inimigos.

Passados 123 anos do episódio e 118 da vitória de Rio Branco em tribunais internacionais, quando as terras então litigiosas da fronteira foram definitivamente incorporadas ao território brasileiro, pouco se vê de reverência a essas datas magnas da História do Amapá.

Passei  ao largo da Praça Veiga Cabral e contemplei a estátua ali colocada em sua homenagem em 2001, após ter sido removida da frente da cidade pela Prefeitura de Macapá, atendendo a vários pedidos de munícipes que “achavam uma apologia à violência ela estar erguida na Beira Rio, onde passam crianças”. O monumento1895-002-Cabralzinho mede uns cinco metros de altura e representa Cabralzinho atirando com uma pistola, trazendo uma espada na cintura. Se os monumentos construídos com o propósito de representar heróis ou atos de heroísmo forem olhados por esse lado moralista será necessário derrubar quase todos, até porque, segundo se sabe, o herói é aquele que foi capaz de realizar atos guerreiros extraordinários, magnânimos, antes de ser simplesmente um personagem de romance ou de histórias em quadrinhos. Na hora chovia sobre a estátua e as pessoas se abrigavam em sombrinhas coloridas ou sob as mangueiras da praça. Foi então que resolvi perguntar a elas se conheciam a pessoa representada na estátua.

Das doze pessoas com quem conversei na praça, dez eram nordestinas ou paraenses e não conheciam a nossa História. As outras duas eram macapaenses, que quando perguntadas, respondiam se não foi “aquele que não sabia se corria pro mato ou pro morro”. Mais tarde visitei um importante órgão público e indaguei sobre a História de Cabralzinho e o que ele representava para o Amapá. Amapaenses que conheço há muito tempo também fizeram pilhérias sobre o fato e acham a história muito controversa. São cidadãos de classe média e de alguma maneira considerados formadores de opinião.1505aptv_cabralzinho1

Não sei exatamente como começou a distorção dessa história, mas lembro que a frase “O Amapá não tem História, tem piada” era atribuída, supostamente, ao governador Arthur Henning em função de anedotas produzidas por gozadores descomprometidos com a as coisas do nosso lugar. Na própria cidade de Amapá, no início dos anos 80, um comerciante de nome Siáudio e seus companheiros mostravam aos visitantes a “Arma de Cabralzinho”. Era uma brincadeira na qual ele pedia que abrissem um estojo onde estava um falo de madeira. Caiam na gargalhada.

As especulações que se seguiram à época do episódio deixaram a figura de Cabralzinho bastante controversa. As baixas francesas foram seis mortos e 20 feridos enquanto 38 brasileiros, na maioria velhos, crianças e mulheres, perderam a vida de forma macabra e cruel. O próprio Emílio Goeldi, cientista emérito do pistoladecrabralzinhoMuseu do Pará, em relatório de novembro de 1895 ataca Veiga Cabral, embora dizendo que não quer acusá-lo diretamente da culpabilidade dos abusos cometidos, “mas que seus companheiros são gente da pior espécie, que não lhe inspiram confiança”.

Sobre esses aspectos, e levando em conta que a ciência histórica hoje considera que “as atitudes mentais, a relação com o corpo, com o espaço, com a paisagem, a cultura política, as relações socioeconômicas, a festa, a cultura material, etc, se constituem objetos do conhecimento em história”, (Coelho: 2003), não seria interessante se a academia local fizesse mais estudos para tentar solucionar o problema? Consideremos que não é apenas o heroísmo de Cabralzinho que está em jogo, mas a própria História do nosso Estado.

O professor Jonas Marçal de Queiroz, no seu estudo “História, Mito e Memória: o Cunani e outras Repúblicas”, diz que Veiga Cabral foi esquecido assim que o litígio com a França foi resolvido. Ele questiona também a atitude de Trajano, que teria sido escravo em Cametá e que vira o significado de liberdade na bandeira francesa. Deste modo é inegável a necessidade de surgirem novos e esclarecedores estudos na área. Com a palavra os historiadores.

* Texto que publicado no jornal A Gazeta em 2010.


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