As transformações na dinâmica
demográfica mundial foram espetaculares a partir do fim da Segunda Guerra, em
meados do século passado. Primeiro caíram as taxas de mortalidade e depois as
taxas de natalidade. Todos os países e regiões que passaram pela transição
demográfica (TD) passaram também pela mudança da estrutura etária. No início da
TD, quando as duas taxas estão altas, a pirâmide etária tem uma base larga e
com alta presença de crianças e jovens. Após o início da redução da natalidade,
a base da pirâmide se estreita e cresce o percentual de pessoas em idade
economicamente ativa. Este momento favorável à elevação proporcional da força
de trabalho e de redução do percentual de dependentes na população é conhecido
como “bônus demográfico”. Porém, este período é transitório, pois, no longo
prazo, aumenta o percentual de idosos na população e há um alargamento do topo
da pirâmide.
O gráfico abaixo mostra o
percentual População em Idade Ativa (PIA = 15-64 anos) na população mundial
total e a Razão de Dependência (RD), representada pela seguinte relação entre
os grupos etários (0-14 + 65 anos e mais)/(15-64)*100. Observa-se que a PIA
representava 60% da população total no início da década de 1950 e caiu até
56,8% em 1967. Neste mesmo período a Razão de Dependência subiu de 64,9% para
75,8%. Ou seja, as condições demográficas não ajudavam a decolagem do
desenvolvimento.
População em Idade Ativa (PIA) e
Razão de Dependência (RD) no mundo: 1950-2100
UN/Pop Division: World Population Prospects 2019
https://population.un.org/wpp2019/
Porém, a partir de 1968 a
percentagem da PIA começa a crescer até atingir o valor máximo de 65,6% em
2015. Neste mesmo período, a RD caiu de 75,8% para o seu valor mais baixo de
52,4%. A janela de oportunidade estava se abrindo. Ou seja, entre 1968 e 2015
as condições demográficas foram extremamente favoráveis ao desenvolvimento
econômico e à melhoria do padrão de vida das pessoas e das famílias. Este
período é o auge do bônus demográfico mundial.
A partir de 2016, a percentagem da
PIA em relação à população mundial iniciou uma trajetória de redução e deve
atingir 61,8% no ano de 2065, enquanto a RD começou uma trajetória de aumento,
devendo atingir a mesma taxa de 61,8% também em 2065. Portanto, a janela de
oportunidade começou a se fechar. Contudo, o percentual da PIA – mesmo caindo
em relação ao seu pico – continua mais elevado do que o percentual do início do
bônus (56,8%) e o percentual da RD continua mais baixo do que o valor do início
do bônus (75,8%). Assim, tendo uma visão generosa, o período 2016-2065 pode ser
considerado como os momentos finais do bônus demográfico.
O bônus demográfico da população
mundial termina irremediavelmente a partir de 2066 e, a partir daí, as
condições demográficas vão se tornar muito desfavoráveis ao desenvolvimento
socioeconômico, pois o percentual da PIA vai continuar caindo e terá um
percentual menor do que aquele de 1950, sendo que, em termos absolutos, a PIA
vai diminuir a partir de 2093. Neste mesmo período a RD vai subir e apresentar
um percentual maior em 2100 do que o percentual que havia em 1950. Ou seja, a
partir de 2066, o percentual de pessoas em idade de trabalhar vai diminuir
significativamente, enquanto aumentará o percentual de pessoas dependentes,
especialmente de idosos não só os acima de 65 anos, mas também aqueles com mais
de 80 anos.
O caso brasileiro segue o mesmo
padrão, mas o nível da PIA e da RD e as datas que estas duas curvas se cruzam
são diferentes. O bônus demográfico no Brasil é, em termos temporais, mais
curto, mas mais profundo, conforme mostra o gráfico abaixo.
A PIA brasileira representava 55,5%
da população total no início da década de 1950 e caiu até 53,2% em 1964. Neste
mesmo período a RD subiu de 80,3% para 88%. Ou seja, as condições demográficas
atuavam no sentido contrário aos indicadores de desenvolvimento. Porém, a
partir de 1965 a percentagem da PIA começou a crescer até atingir, em 2019, o
valor máximo de 69,7%. Neste mesmo período, a RD caiu de 88% para o seu valor
mais baixo de 43,4%. A janela de oportunidade se abriu entre 1965 e 2019, pois
as condições demográficas favoreceram o desenvolvimento econômico e à melhoria
do padrão de vida das pessoas e das famílias. Este foi o período áureo do bônus
demográfico brasileiro.
População em Idade Ativa (PIA) e
Razão de Dependência (RD) no Brasil: 1950-2100
UN/Pop Division: World Population Prospects 2019
https://population.un.org/wpp2019/
A partir de 2020, a percentagem da
PIA em relação à população brasileira total inicia uma trajetória de redução e
deve atingir 62% no ano de 2053, enquanto a RD começou uma trajetória de
aumento, devendo atingir a mesma taxa de 62% também em 2053, quando as duas
curvas se invertem. Mas no caso brasileiro, o valor absoluto da PIA que era de
29,9 milhões de pessoas em 1950 e atingiu 148,1 milhões em 2020, deve
apresentar o seu valor máximo, de 153 milhões de pessoas, em 2034, iniciando um
decrescimento a partir de 2035. A população brasileira que era de 53,9 milhões
em 1950, atingiu 212,6 milhões em 2020 e deve atingir o pico em 2045, com 229,6
milhões de pessoas. Portanto, a janela de oportunidade no Brasil deve se fechar
a partir de 2034, quando houver redução absoluta no número de habitantes em
idade de trabalhar.
No caso brasileiro, o bônus
demográfico termina em 2034, mas as condições demográficas vão ficar ainda mais
desfavoráveis a partir de 2053 quando as duas curvas se inverterem e o
percentual da PIA vai ficar menor do que o percentual da RD. No ano de 2100 o
percentual da PIA será menor e o percentual da RD será maior do que os
respectivos percentuais prevalecentes em 1950. O Brasil vai passar por um
rápido e profundo processo de envelhecimento e terá, em 2100, 40,1% de pessoas
com 60 anos e mais, 34% de pessoas com 65 anos e mais e 15,6% de pessoas com 80
anos e mais.
Todos estes números chamam a
atenção para a urgência de se aproveitar os momentos finais do bônus
demográfico brasileiro. O país tem apenas 15 anos para ficar rico (com alto
Índice de Desenvolvimento Humano) antes de envelhecer, pois não existe exemplo
de nação que atingiu alto padrão de vida depois de ter uma estrutura etária
envelhecida.
A crise econômica que teve início
em 2014 e se prolonga até os dias de hoje veio no pior momento possível, pois
jogou no desemprego e no subemprego um grande contingente de trabalhadores que
poderiam estar contribuição para a riqueza da nação. A pesquisa PNADC, do IBGE,
indica que a taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o
percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas
trabalhadas e na força de trabalho potencial) foi de 25% no primeiro trimestre
de 2019, representando 28,3 milhões de pessoas subutilizadas no Brasil. Isto
quer dizer que o Brasil está desperdiçando o bônus demográfico e deixando de
dar o salto necessário no nível de desenvolvimento enquanto as condições
demográficas ajudam.
Caso o Brasil não consiga reverter
o quadro de estagnação e caso não consiga aproveitar os momentos finais do
bônus demográfico, pode ficar eternamente preso na “armadilha da renda média”.
O “Brasil do futuro” poderá nunca ser alcançado. Se a nação brasileira já
apresenta dificuldades de progredir quando a demografia ajuda, terá dificuldade
muito maiores quando a demografia jogar contra. O fim do bônus demográfico
brasileiro pode trazer barreiras intransponíveis, caso o país não se prepare
para a nova realidade do envelhecimento populacional que avança, ano a ano, mas
que vai recrudescer na segunda metade do século XXI.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
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