terça-feira, 28 de julho de 2020

Crônica da Semana: Venta porque morreu padre

Crônica da Semana: Venta porque morreu padre 



Por Rodrigo Alves de Carvalho  

- Que ventania danada hoje? 
- Deve ser porque morreu algum padre! 
O amigo olha bem para o outro e cai na gargalhada. 
- Que idiotice! Vai me dizer que acredita nessa crendice? 
- Claro, desde pequeno ouço falar que quando venta muito, com certeza é porque morreu um padre. 
- E já morreu algum padre para você confirmar? 
- Nunca soube. Mas é impossível que no mundo inteiro não tenha morrido um padrezinho sequer nos dias de ventania. 
O amigo não para de rir. 
- Então quando tem um furacão ou um tornado é porque morreram uma centena de padres de uma vez? 
O outro amigo fica amuado. 
- Você ri porque não acredita nessas coisas. 
- Ora amigo. Ontem estava um sol quente e a tarde choveu, ficou sol com chuva. Vai me dizer que acredita que alguma viúva estava casando? 
- Eu acredito que sim! 
O amigo se surpreende com a resposta e não para mais de rir. 
- Vai me dizer também que existem tantas viúvas desesperadas para casarem outra vez? 
- Não é bem assim. Raramente chove e faz sol ao mesmo tempo como ontem. Nessa proporção é bem provável que uma viúva estava se casando. 
- Isso é uma superstição! Uma bobagem! 
Os dois amigos caminham em direção a um boteco em uma cidadezinha do interior. Já é tardezinha e o sol aos poucos vai se escondendo atrás de um monte. 
- Vamos tomar uns goros e jogar bilhar porque essa conversa de padre que morre e viúva que casa me deu vontade de beber. 
Ficaram no bar até altas horas. Na volta, uma enorme lua cheia clareava o caminho. 
O amigo gozador olhando a lua indaga o amigo supersticioso. 
- Acredita também que existe Lobisomem em noite de lua cheia? 
- Não vou responder por que vai zoar com a minha cara! 
- Claro que não! Respeito sua opinião! 
O supersticioso sinceramente responde: 
- Não só acredito como acho que já vi um! 
O amigo gozador não se aguenta e senta no chão de tanto rir. 
- Já viu um Lobisomem! Isso é demais! 
O amigo supersticioso se irrita: 
- Você disse que não iria zoar comigo! 
- Desculpa. Mas não dá para aguentar. Em pleno Século Vinte e Um, você vem falar que acredita em Lobisomem! 
- Você pode ironizar, achar graça e tudo mais. Mas que existe, existe. 
- Mas temos que convir, viúva casando só porque tem sol e chuva, padre que morre só porque está ventando forte e lobisomem que aparece só porque tem lua cheia é um pouco demais para nossa racionalidade! 
No resto do caminho o amigo supersticioso não abriu mais a boca, mesmo com o amigo zoador tirando sarro com aqueles assuntos misteriosos. 
No outro dia saiu uma reportagem especial no Jornal da Record: 
“Mistério numa cidadezinha do interior. Um padre que havia realizado o casamento de uma viúva num pequeno povoado é surpreendido e morto por um terrível Lobisomem quando voltava à noite para sua paróquia. Moradores e autoridades locais estão na caça da famigerada criatura”.  

Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.

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