REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA
MP 910/2019 perde
validade e é substituída pelo PL 2.633/20, chamado de PL da Grilagem e que pode
afastar empresas e investidores estrangeiros do Brasil
Reinaldo Coelho
A
Medida Provisória 910/2019 que trata da regularização fundiária de
ocupações em terras da União, assinada no estertor do ano de 2019 (11/12/2019)
pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, altera a Lei nº 11.952, de 25 de junho
de 2009, e é uma reivindicação dos Estados.
Em
agosto de 2019, governadores dos Estados da Amazônia Legal pediram ao governo
federal um programa de regularização fundiária. Para eles, esse é um dos
instrumentos básicos para o desenvolvimento sustentável da região.
Com
validade de 60 dias, prorrogadas por igual período. A MP da Regularização
Fundiária perdeu a validade na terça-feira (19/05) sem ser votada nos Plenários
da Câmara dos Deputados e do Senado. Por conta da pandemia de coronavírus a MP
não chegou a ser votada pela comissão mista e foi direto para o Plenário da
Câmara das Deputados.
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Presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) espera que os deputados encontre caminho para colocar a PL em votação |
Agora
cabe ao Congresso Nacional regulamentar, por meio de projeto de decreto
legislativo (PDL), os atos ocorridos na vigência da MP. Se isso não ocorrer
esses atos serão convalidados, já que a medida provisória teve força de lei no
período de 120 dias em que esteve em vigor.
O que estabelecia a
MP 910/2019

A
MP estabelecia novos critérios para a regularização fundiária de imóveis da
União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
ocupados.
O
texto original passou de julho de 2008 para até maio de 2014 a data máxima de
posse de propriedades que podem ser regularizadas. Além disso, permitiu que a
regularização fosse feita por autodeclaração para terras com até 15 módulos
fiscais.
Antes
isso valia apenas para pequenos lotes de até quatro módulos e apenas na Amazônia
Legal. Dependendo da região um módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares.
Segundo
a oposição as mudanças favoreciam a grilagem e serviam como uma anistia
àqueles que cometeram crimes ambientais.

Diante
da polêmica sobre o texto os deputados resolveram apresentar um projeto de lei
em substituição à medida (PL 2.633/20).
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Deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG) |
O
PL 2.633/20, de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), estabelece
critérios para a regularização fundiária de imóveis da União, incluindo
assentamentos. As regras são restritas a áreas ocupadas até julho de 2008 com
até seis módulos fiscais – unidade fixada para cada município pelo Incra, que
varia de 5 a 110 hectares. O relator do texto, que está em análise na Câmara, é
o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). Atualmente a PL aguardando a constituição de
Comissão Temporária pela Mesa Diretor da Câmara dos Deputados.
Denúncias
Mas
o referido Projeto de Lei está sendo considerado perigoso e cerca de 100
entidades nacionais e regionais de diversos Estados do Brasil assinam documento
no qual denunciam que o Projeto de Lei 2.633/20, em tramitação no Congresso
Nacional, traz um perigoso conjunto de medidas que se aprovadas vão facilitar a
legalização de grilagem de terras, piorando enormemente o cenário de
deterioração fundiária e ambiental em grandes áreas da União, com sérias e
negativas consequências sociais para o Brasil.
O
documento foi divulgado, no fim de maio nas páginas das entidades na internet.
Segundo
o documento – construído por servidores do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) e suas entidades de representativas, além de ser
apresentado em plena crise da pandemia do Covid-19, no país, sem nenhuma
justificativa de urgência, o PL 2.633/2020 manteve na sua essência os mesmos
problemas da MP 910/2019, ou seja, a falta de justificativas técnicas e os
graves riscos à gestão de terras, ao meio ambiente e à vida das populações que
moram nestas áreas.
Confira
AQUI a íntegra do documento.
Impasse
PL da regularização
fundiária é retirado da pauta da Câmara
O
governo pediu alterações no texto do projeto de lei, mas o relator, Marcelo Ramos
(PL-AM), afirma que não aceitará as mudanças propostas
Pontos discutíveis da
MP e do PL
Os
pontos mais discutidos da MP era que: A Regularização de Terras aconteceria por
AUTODECLARAÇÃO, com a Demarcação por
conta do Interessado; E que não teria fiscalização de campo por parte do órgão
regularizador e que a posse para ser regularizada deverá existir desde antes de
2008.
Esses
mecanismo dariam aos proprietários no Amapá, um grande problema, pois existem
processos de Regularização em espera com mais de 20 anos. Existem posses no Amapá de mais de 100 anos.
São posses ribeirinhas e extrativistas onde as famílias possuidoras estão
condenadas a nunca terem um Título de Domínio pois, tais terras são ditas de
Marinhas e seus ocupantes só tem direito a um documento precário que não serve
como garantia de Direito Real e não dá possibilidade de ser hipotecado para
empréstimos de bons projetos de FNO ou outros de grande vulto.
Por
outro lado, são esses os preservadores naturais que, secularmente vem mantendo
as Matas Ciliares em pé. É lá que se encontra o único produto nativo que mantém
a ECONOMIA DE VERDADE do Amapá, o tesouro verde tão escuro que parece marrom, é
o Açaí.
Tais
produtores não são vistos pelo ESTADO, eles não tem a dita posse que se traduz
por derrubada e morada constante. O PODER PÚBLICO, não consegue entender que se
trata de coleta por safra, tal qual as seringueiras e as castanheiras,
entretanto, mesmo sem limites implantados pelos órgãos públicos, os ocupantes
sabem exatamente seus limites.
Agora,
com a Regularização por Auto declaração, sem fiscalização, como se dará o
processo demarcatório?
Os
ribeirinhos sabem de seus Direitos ou serão engolidos pelos espertalhões de
plantão?

Se
os Agrimensores Credenciados pelo INCRA podem apresentar medições confiáveis,
podem também apresentar provas de posse reais colhidas e campo, haja vista que,
para medirem as áreas, eles tem que ir a campo e são responsabilizados cível e
criminalmente em caso de informações errôneas.
Entrevista
Para
conhecermos essa nova realidade que a Medida Provisória poderá trazer para os
que possuem terras e depende da garantia de titularidade, podem alcançar,
entrevistamos João Bosco Melem Técnico de Agrimensura desde 1972, Bacharel em
Direito desde 2012, Pós Graduado em Gestão Pública pela UEAP em 2019. Servidor
Público Efetivo do GEA, Técnico de Infraestrutura do quadro da SEINF a
disposição da UEAP. Geomensor Credenciado junto ao INCRA para
Georreferenciamento de Imóveis Rurais.
Acompanhe ...
Tribuna Amapaense – Quem o governo
pretende beneficiar prioritariamente com a edição da MP 910?
João Bosco Melem – Não se trata de
beneficiar A ou B. A prioridade é dar solução para processos de Regularização
Fundiária na Amazônia Legal que já se arrastam no INCRA a décadas, sem solução
e gerando graves conflitos agrários por falta de Gestão Pública dos órgãos
competentes. Em teoria os beneficiados LEGAIS seriam os antigos posseiros que
esperam por seus Títulos de Domínio incansavelmente e heroicamente, sendo
invariavelmente criminalizados e taxados de invasores de TERRAS DA UNIÃO.
É
COMO UM “MEA CULPA” DA UNIÃO PELOS MALES CAUSADOS POR DESMANDOS ADMINISTRATIVOS
DA PRÓPRIA UNIÃO PELA VERGONHOSA E MÍOPE VISÃO ADMINISTRATIVA DO INCRA. UMA
TENTATIVA DE RECUPERAR O TEMPO PERDIDO, COM POSSIBILIDADES DE CRIAÇÃO DE SÉRIOS
E IRREVERSÍVEIS PROBLEMAS QUE JÁ SE VISLUMBRAM.
Tribuna Amapaense – Porque regularizar os
assentamentos é importante?
João Bosco Melem – Outra aberração
criada pela União. Criados em terras áridas e sem orientação técnica, os
ASSENTAMENTOS, em sua maioria, são meros aglomerados improdutivos e foco de
atração de investimentos constantes de verbas federais pelo INCRA. Basta
verificar o volume de recursos destinados para assentamentos e comparar com o
volume de recursos aportados no destino final com estruturação, assistência
técnica e extensão rural, o que acaba sendo feito pelo ESTADO. Os Assentamentos
estão muito ligados às atividades dos Municípios, tanto na vertente econômica
assim como política. Por essas razões, os Assentamentos, após terem seus lotes
devidamente regularizados (titulados e registrados em Cartório de Imóveis)
deveriam passar para a administração direta das Prefeituras Municipais em suas
vias públicas de acesso e internas, assim como na manutenção urbanística e
extensão rural.
O
lote regularizado proporciona ao assentado a possibilidade de alcançar
financiamentos agrícolas dos Agentes Financeiros para projetos agrícolas de
longo prazo e baixos juros, o que é impossível sem regularização dos lotes.
Tribuna Amapaense – Quem mais pode ser
regularizado?
João Bosco Melem – Utopicamente, TODAS
AS POSSES RIBEIRINHAS EXTRATIVISTAS. Reservas Indígenas, Quilombos e Reservas
Florestais. AS POSSES RIBEIRINHAS EXTRATIVISTAS, apesar de Seculares em sua
grande maioria, mantém a floresta de várzea preservada. É ali que se encontra a
real riqueza dos vales amazônicos, O AÇAÍ.
Fruto
de altíssimo valor econômico, com comércio mundial e onde seus produtores
originais, são condenados pela UNIÃO a não terem uma regularização robusta e
consistente. São contemplados apenas com um documento frágil de posse que não
lhes dá direito de propriedade pois, tal tipo de posse, não é reconhecida pela UNIÃO
por não terem habitação e cultura permanente, as pessoas moram nos povoados
próximos e colhem frutos nas safras, entretanto conhecem perfeitamente seus
limites de uso e gozo Dizem que são TERRAS DE MARINHAS, (Terras da União). É a
própria UNIÃO competindo e impedindo o desenvolvimento regional, afinal, PARA
QUE A UNIÃO QUER SER DONA DE TERRAS, SE NADA PRODUZ?
Tribuna Amapaense – O governo fará a
vistoria presencial?

Tribuna Amapaense – Com o título da
terra em mãos, o proprietário pode vender seu terreno?
João Bosco Melem – É sempre bom lembrar
que propriedade se “usa, goza, dispõe e reivindica”. A posse que se “usa, goza
e dispõe”. São preceitos básicos do Código Civil e da Constituição Federal,
assim, qualquer outra norma inferior é questionável, ilegal ou nula. Por outro
lado, terra produtiva não se vende. Quando a família tira o sustento da terra
com dignidade e produtividade, a ideia de vender o terreno não entra nas portas
dos agricultores.
Com
título ou sem título o possuidor vende sua posse ou propriedade se o retorno
econômico da terra é insuficiente para o sustento da família. Por outro lado, o
mercado imobiliário é livre e não deve ser criminalizado. É uma atividade
lícita como outra qualquer.
Tribuna Amapaense – A concessão do título
da terra não irá estimular o desmatamento?
João Bosco Melem – O desmatamento
acontece com a clandestinidade. Se a terra tem título, o governo em tese sabe
de quem é aquela parcela titulada e fica mais fácil controlar, regularizar e
orientar o desmatamento, sabendo quem é o responsável.
Tribuna Amapaense – As mudanças podem
facilitar a grilagem de terras?
João Bosco Melem – Depende do que se
entende por GRILAGEM. Grilagem é falsificação de documento público de terras. A
medida provisória estipula um marco temporal para regularização da posse, a
discussão hoje é se antes de 2008 ou de 2014. Seja qual for o tempo de posse
estabelecido por lei, sempre vão aparecer aventureiros falsificando seu tempo
de posse, se é que elas existem realmente. Via remota, é perfeitamente
identificável a posse velha, assim como presencialmente também. O problema
estará na probidade dos fiscais.

O
INCRA tem um quadro nacional de Geomensores Credenciados, são Agrimensores,
Técnicos e Engenheiros habilitados para promoverem o Georreferenciamento das
áreas a serem Regularizadas ou Certificadas. Tais Credenciados, já são
penalizados cível e criminalmente por informações falsas se lançadas no SIGEF
(Sistema de Gestão Fundiária). Tais profissionais, invariavelmente sabem
identificar o tempo de posse sobre uma área. A sugestão é que os Credenciados
do INCRA passem também a informar o tempo da posse no próprio lançamento no
SIGEF, haja vista que, para medirem a área, eles tem obrigação de percorrer o
perímetro das posses.
Tribuna Amapaense – Haverá regularização
em terras indígenas, quilombolas ou em áreas de conservação ambiental?
João Bosco Melem – De acordo com o
Ministério da Agricultura, terras indígenas, quilombolas ou áreas de
conservação ambiental NÃO poderão ser regularizadas.
Outras
amarras do Governo Federal.
Os
índios deveriam ser sim, donos de seus territórios por via de Títulos
Definitivos Comunitários por família, Tribos ou Etnias.
Os
quilombolas, dentro das suas áreas demarcadas, manem a individualidade de seus
lotes, devendo assim serem titulados individualmente, aos moldes dos
Assentamentos.
Nas
reservas florestais cabe a figura legal da RPN (Reserva do Patrimônio Natural)
com liberdade para o manejo florestal aos moldes do Canadá.
Tribuna Amapaense – Qual o custo da
regularização para o beneficiado?
João Bosco Melem – O custo de
Regularização deveria ser zero para a titulação, ficando os encargos
cartorários por conta do beneficiado com renda superior a 5 salários mínimos,
aos moldes da REURB (Lei 13.465). Com renda inferior a 5 salários mínimos por
conta da União, inclusive o Registro Imobiliário.
Tribuna Amapaense – Após polêmica, Câmara
adia votar regularização fundiária por autodeclaração. E agora como fica? A
ideia é que o título seja concedido com base em autodeclaração do produtor.
Depois haverá fiscalização. “Com o Imposto de Renda é assim”. A autodeclaração
já existe com o ITR (Imposto Territorial Rural) e com o CAR (cadastro ambiental
rural). Só poderá ter o título, de acordo com a legislação a ser criada, quem
estiver na terra por prazo a ser definido.
João Bosco Melem – IMPOSTO DE RENDA, ITR
e CAR são realmente autodeclarados, entretanto em caso de informação errônea,
tendenciosa ou não são corrigíveis, não geram Direitos de Propriedade ou outros
Direitos mais perenes.
Para
a Titulação por autodeclaração, as consequências são imprevisíveis pela
quantidade de conflitos que pode criar. A titulação após Registro Imobiliário
só pode ser cancelada a pedido do Titular ou por Ordem Judicial.
Eis
a diferença.
Tribuna Amapaense – Após polêmica, Câmara
adia votar regularização fundiária por autodeclaração. Especialistas temem que
MP da regularização fundiária dê brecha para legalizar grileiros na Amazônia.
Isso pode acontecer?
João Bosco Melem – Como já respondido,
a Grilagem já existe via SIGEF. Aventureiros (pseudos possuidores em conluio
criminoso com alguns Credenciados) já vem praticando a falsificação de
documento público via SIGEF, criando posses inexistentes e criminosas,
inclusive lançando “Geos” sobre áreas patrimoniais de municípios.
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