sexta-feira, 9 de abril de 2021

– Direito & Cidadania – Tal qual há séculos, a liberdade de culto continua sendo mitigada

  – Direito & Cidadania – 

Tal qual há séculos, a liberdade de culto continua sendo mitigada



  Dr. Besaliel Rodrigues  

  A decisão do STF – Supremo Tribunal Federal brasileiro desta semana sobre a liberdade de culto, nos mostra que a liberdade religiosa em nosso país possui um roteiro muito sofrido e doloroso. Descoberto em 1500 por um país católico e em data vizinha ao episódio da Reforma Protestante, o Brasil sofreu inexoravelmente todos os efeitos da Contrarreforma e foi obrigado por 390 a ter somente uma religião.

  A blindagem monorreligiosa teve o total respaldo da legislação portuguesa medieval, por meio das ordenações do Reino. Com o advento da Constituição Imperial, a 1ª de nossa história, ficou sacramentalizado em seu artigo 5º: “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.”.

  Vejam que o texto constitucional explicitou a frase “... continuará a ser...”, pois já era desde 1500 e permaneceu até 1891, quando da promulgação da Constituição Republicana, a 2ª de nossa história, a qual consagrou o Estado Laico e a Liberdade Religiosa. Por isso diz-se que o Brasil teve o catolicismo legalmente oficial por mais de 390 anos.

  E mais, a proibição por séculos de “... Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo...”, fez com que o desenvolvimento institucional e espiritual das religiões não católicas ficasse entanguido.

  Dentro deste contexto, os evangélicos tentaram diversas vezes se estabelecer e se desenvolver em terras pindoramenses. Desde 1557 cultos protestantes avulsos foram sendo realizados a “altos preços”.

  No último dia 10 de Março de 2021, por exemplo, comemorou-se os 464 anos do primeiro culto Protestante realizado no Brasil.

  Adivinhem quem enviou os primeiros missionários para o Brasil? João Calvino! Ele mesmo. Calvino foi o responsável por enviar uma comitiva de missionários para o Brasil, a pedido do vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon que servia ao país.

  E quem eram esses missionários? Os franceses Pierre Richier e Guillaume Chartier foram os desbravadores que vieram refugiados de Genebra, na Suíça. Eles desembarcaram no Rio de Janeiro no dia 7 de Março de 1557. 

  Depois de três dias em solo brasileiro (dia 10), esses irmãos realizavam o primeiro culto. A passagem escolhida para a pregação foi o Salmo 24.4: “Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente”. Foram entoados alguns cânticos baseados no Salmos 5.

  E como foi a viagem pra cá? A viagem se deu após uma primeira e conturbada expedição, ocasionando em mortes de mais de 15 conspiradores. Após esse ocorrido, foi requerida a segunda expedição, e neles estavam a bordo os missionários huguenotes (calvinistas franceses). 

  Uma Santa Ceia foi realizada em celebração ao fato da chegada dos protestantes em terras brasileiras. O vice-almirante Villegaignon foi um dos primeiros a ceiar.

  Houve mais tarde uma conspiração contra os mesmos missionários. Jean de Bourdel, MathieuVerneuil e Pierre Bourdon foram os três primeiros mártires da fé evangélica no Novo Mundo. Mortos no dia 9 de Fevereiro de 1558, numa sexta-feira. O mandante desta atrocidade? Villegaignon. O mesmo que os auxiliou na chega dos protestantes ao Brasil. 

  Esses irmãos deixaram uma das mais lindas e antigas Declarações de Fé, e talvez a mais antiga. A “Declaração de Fé de Guanabara”, escrita em 1558.

  No Estado do Amapá episódio similar aconteceu no dia 27 de Junho de 1917, no residência simples de madeira localizada na hoje conhecida Alameda Serrano, no Centro da Capital Macapá. Mas, de acordo com os historiadores, a chegada do 1º evangélico em terras setentrionais se deu um ano antes, em 26 de Junho de 1916, com Clímaco Bueno Aza, missionário boliviano radicado em Belém do Pará.

  Tal qual aconteceu em 1558 no Rio de Janeiro, os evangélicos encontraram forte resistência católica para poderem se estabelecer por aqui. Já em 1916, o pároco da época, o jesuíta belga Padre Julio Maria Lombaerd acionou o delegado de polícia e o promotor de justiça da Cidade para expulsar aquele representante protestante da municipalidade. Não houve mortes, apenas prisões discricionárias e irregulares corrigidas, na época, pelo Poder Judiciário, por meio do juiz de Direito da Comarca de Icoaraci, responsável pela jurisdição da pequena cidade de Macapá, naquele tempo pertencente ao Estado do Pará.

  Por fim, a citada sentença do STF continua nos fazendo refletir que evangélicos, católicos, espíritas e demais religiões precisamos ainda amadurecer bastante este tema liberdade religiosa em nosso país.


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