– Direito & Cidadania –
Conflitos internacionais no Amapá: A “república” do Cunani
Dr. Besaliel Rodrigues
Depois da independência do Brasil, o governo francês, se aproveitando da fragilidade da vigilância brasileira em decorrência da Revolta Cabana, reclamou a posse das terras na região do contestado, através de comunicação formal feita pelo governador de Caiena, Lourens Choise. A diplomacia do governo brasileiro apenas protestou formalmente a decisão do governo francês.
A “república” do Cunani foi fundada em 1885 na chamada “região do contestado Franco-Brasileiro”, trecho compreendido entre os rios Araguari e Oiapoque. Assim foi denominada porque naquela época havia uma disputa territorial entre França e Brasil.
O nome Cunani veio da língua tupi, que significa “tucunaré”. A sede burocrática da caricata república funcionava em Paris, mas foi escolhida como sua capital a vila de Cunani, hoje vila pertencente ao município de Calçoene.
Como o governo da “república” do Cunani funcionava na França foi nomeado, sem nenhuma interferência do governo brasileiro, um presidente vitalício chamado Jules Gros, integrante da Sociedade de Geografia Comercial de Paris.
O governo da França não apoiou essa aventura de um grupo de comerciantes em criar uma República no meio da Amazônia. Então, em 1887, decidiu extingui-la.
Em 1902, o senhor Adolph Brezet, francês naturalizado brasileiro, tentou proclamar novamente a “república” do Cunani, mas seus planos foram denunciados ao governo brasileiro que enviou tropas militares para desmobilizar o grupo que queria a separação.
Este episódio internacional transformou-se num daqueles “causos” contados por gente humilde dos sertões, aqueles dos ribeirinhos, que mais parecem “histórias para boi dormir”. Não encontramos outro que tenha sido mais cômico que a questão das repúblicas do Cunani em Calçoene. Seria trágico, se não fosse cômico, mas retratou um pouco da essência imperialista, que via com desdenho as terras e populações de regiões da América do Sul, mormente a região norte-amapaense.
A história conta que o intrépido desbravador francês se tornou então o primeiro presidente da famigerada república. Ele criou moeda e selo próprios, criando um desconfortável clima para o governo francês, que envergonhado tratou de frear o ímpeto de Gross.
Ressalte-se, ainda, que a vida retorna à normalidade após a desconstituição da primeira “república” do Cunani, mas a descoberta de ouro na região do Lourenço fez explodir uma euforia que acirrou os ânimos entre franceses e brasileiros. Com a solução do conflito entre os dois países através do acordo assinado em Berna na Suíça. Como dito acima, outro sujeito francês pareceu ter se inspirado no fracasso de Jules Gross e planejou restituir a (segunda) “república” do Cunani. Dessa vez a aventura cômica foi de Adolphe Brezet, o qual foi prontamente combatido pelas autoridades brasileiras no sentido de evitar a perda da região, como acima falado.
A história, ou melhor, o “causo” das repúblicas do Cunani serviu pouco para inspirar historiadores, poetas, políticos, no sentido de levantar a relevância daquela região para a historiografia internacional amapaense. Não obstante, a necessidade de se pensar aquele povo, não resistiu sequer ao interesse em preservar a memória daquele povo que por duas vezes foram independentes do Brasil. Portanto, esse é o retrato que não foge aos dias atuais onde cada vez mais somos bombardeados por atores estrangeiros que alinham seus interesses à revelia dos povos nativos da Amazônia, quiçá do Cunani. Fonte: Trabalhos extraclasses dos acadêmicos de Direito de Oiapoque Robson Cardoso Maciel e Eliel Cleberson da Silva Nery (Turma 2014/2).
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