A admissão da PEC 07/2018 pela Comissão de Constituição e Justiça no último dia 23 de maio reascendeu a esperança dos servidores públicos egressos do extinto território federal do Amapá.
Por Roberto Coelho do Nascimento Junior, advogado (*)
A aprovação da proposta
na CCJ é um grande passo em direção a promulgação da nova legislação, que agora
passará pela deliberação do plenário nas duas casas legislativas, em dois
turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos
respectivos membros, nos termos do art. 60, §2º da Constituição Federal.
Para compreender melhor
todas as implicações jurídicas dessa nova legislação, vamos fazer uma análise
técnica acerca das principais mudanças abarcadas pela nova proposta de emenda
constitucional.
Sumariamente,
destacamos a ampliação da chamada “janela de admissibilidade”, que gora
compreenderá um período maior de reconhecimento do vínculo dos servidores.
Isto porque, nos termos
da legislação atual (Lei 13.681/2018) os servidores devem comprovar seu vínculo
funcional com a administração do antigo território federal do Amapá entre 05 de outubro de 1988 e 05 de outubro de
1993 (05 anos), além de demonstrar que o vínculo foi contínuo pelo
período mínimo de 90 dias ininterruptos.
Entretanto, nos termos
da nova proposta, a janela de admissibilidade se ampliará, compreendendo um período de 10 anos, sendo especificamente
entre 05 de outubro de 1998 (data de
transformação do Amapá em Estado membro de Federação) e 05 de outubro de 1998.
Significa dizer que os servidores
que tiveram seu requerimento de opção indeferido por apresentarem vínculo em
janela posterior (após 1993), possuirão direito de reanalise de seus
requerimentos, a partir da vigência da nova emenda.
Vejamos então
exatamente o que diz a nova redação dada ao art. 31 da EC 19/98 nos termos da
PEC 07/2018:
“Art. 1º O art. 31
da Emenda Constitucional no 19, de 4 de junho de 1998, passa a vigorar com as
seguintes alterações:
"Art. 31. Poderão integrar, mediante opção,
quadro em extinção da administração pública federal:
(...)
Ill - a pessoa que comprove ter revestido a condição
de profissional, servidor público, empregado, trabalhador, prestador de
serviço, e tenha atuado ou desenvolvido atividade direta ou indireta, mesmo que
por interveniência de cooperativa, tendo como tomador do serviço órgão ou
entidade pública do ex-Território, do Estado ou de Prefeituras nele localizada,
e tenha mantido, nos períodos abaixo discriminados, relação ou vínculo, de
caráter efetivo ou não, com a administração pública dos ex-Territórios, dos
estados ou das prefeituras neles localizadas ou com empresa pública ou
sociedade de economia mista, inclusive as extintas, que haja sido constituída
pelos ex-Territórios, pelos Estados ou pelos seus municípios, para atuar em
seus âmbitos:
a)
Até a data da
transformação em estado e
outubro de 1998, relativamente aos estados do Amapá e de Roraima;
(Grifamos).
Observa-se também que
os empregados públicos (aqueles que mantem relação com a administração pública
sem caráter efetivo), também possuem interpretação favorável de acordo com o
texto do inciso III, do art. 31 da nova emenda. Nota-se que o dispositivo é
claro ao mencionar trabalhadores, prestadores de serviço ou aqueles que
desenvolvem atividade por interveniência de cooperativa.
Assim, muitos
empregados que prestavam serviço para a administração pública em regime
celetista finalmente poderão ter seu direito reconhecido.
Outra grande questão
que gerou muita controvérsia foi quanto aos servidores que integravam o poder
legislativo. Segundo entendimento da Comissão Especial dos Ex-territórios
Federais (CEEXT), estes servidores não possuíam relação ou vínculo com a
administração direta, e por isso não poderiam ser enquadrados.
Falando pessoalmente
como causídico, e com a devida vênia aos analistas da CEEXT, esta vedação aos
servidores do poder legislativo sempre representou flagrante violação de
direitos. Isto porque, quando falamos em poder legislativo, somente os parlamentares (deputados,
senadores e vereadores) exercem a função legiferante. Já os demais
servidores (analistas, auxiliares administrativos, assistentes, entre outros)
são membros de carreira, que não exercem mandato eletivo, e por isso seguem o
mesmo regime jurídico dos servidores do poder executivo, não existindo qualquer
fundamento legal que justifique esta distinção.
Porém, caso aprovada no congresso, a nova
legislação encerrará de vez a discussão, visto que traz expressa proteção em
seu texto aos servidores que pertenceram ao legislativo e ao judiciário, nos termos do art. 31, §1º, in verbis;
§
1° O disposto nos incisos de I a Ill, do caput, se
aplica à pessoa que comprove ter mantido relação ou vinculo de trabalho, de
caráter efetivo ou não, com órgãos públicos do Poder
Judiciário, do Ministério Público e do Poder Legislativo,
incluídos os Tribunais de Contas, dos estados do Amapá, de Roraima de Rondônia
e de seus Municípios, nos períodos descritos na forma das alíneas a e b, do
inciso III.
(Grifamos).
Destacamos ainda que,
caso a emenda seja aprovada em definitivo, a União terá o prazo de 180 (cento e
oitenta) dias para regulamentar o exercício do direito de opção, a partir da
edição de decreto regulamentar, que indicará o prazo para o ajuste do termo de
opção dos interessados, na forma do art. 2º da PEC 07/2018.
Apesar de todos os
avanços benéficos ao povo, a única crítica que faço a PEC 07/2018 é sua omissão
em tratar de um dos maiores causadores de indeferimentos de pedidos de
transposição: O requisito da
escolaridade.
Hoje, o entendimento da
Comissão Especial dos Ex-territórios (CEEXT) é de que os requerentes devem
comprovar a escolaridade à época do exercício da função, o que ao meu ver é um
completo contrassenso, explico.
Atualmente, os
servidores precisam comprovar que possuíam, à época do exercício da função, a
escolaridade necessária para o exercício do cargo, nos termos do art. 9º da Portaria Normativa SGP/SEDGG/ME 384, in verbis:
“Art. 9º O
requerente deve comprovar o atendimento, à época do desempenho das atividades,
do requisito de escolaridade ou habilitação profissional específica, se exigida
pela legislação então vigente. ”
Além de ser
manifestadamente ilegal, tal exigência é completamente desleal com os
servidores do extinto território, uma vez que exige critérios atuais para
relações que ocorreram no passado, ignorando todas as circunstancias da
realidade precária da época.
Isto porque, na época
do antigo território, existia uma precariedade sociocultural muito comum de um
Estado em formação. Muitos professores, agentes de segurança pública,
assistentes administrativos, entre outros profissionais que não possuíam o grau
de escolaridade que hoje se exige eram convocados para preencher as vagas em
razão da premente necessidade de continuidade
do serviço público.
Ora, as demandas sociais nunca param, aliás,
estão constantemente aumentando, e por isso a educação, a segurança, o serviço
público em geral, não podia deixar de atender ao povo em razão da ausência de
profissionais com nível superior. Por isso, é muito comum conhecermos pessoas
que exerceram funções públicas no antigo território sem possuir diploma, ou
mesmo sem aprovação em concurso.
Porém, inegável que
estes profissionais pertenceram aos quadros funcionais da administração do
antigo território, sendo admitidos, mantidos e remunerados pelo poder público.
Assim, possuem aquilo que chamamos de direito
adquirido, não podendo haver uma regulamentação posterior que limite o
reconhecimento deste direito.
Aliás, vale mencionar
que a Portaria Normativa SGP/SEDGG/ME
384 é um ato normativo secundário, que não passou pelo rito do processo
legislativo, nos termos do art. 59 da Constituição federal, e por isso não pode
limitar ou reduzir direitos previstos em uma Emenda Constitucional.
Assim, lamentamos que a
PEC 07/2018 não tenha discutido este grande problema, mas aguardamos que os
novos debates no congresso possam trazer entendimento mais favorável nesta interpretação
que ainda causa grandes prejuízos aos requerentes da transposição.
Em síntese, a
expectativa segue muito grande, uma vez que, de fato, as novas previsões da PEC
07/2018 são animadoras. Nos resta agora cobrar uma postura ainda mais enérgica
de nossos representantes em favor do povo, e seguir lutando na representação
dos direitos daqueles que são ilegalmente indeferidos.
(*) Roberto Coelho do Nascimento Junior, advogado (OAB/AP 4851), pós-graduando em direito público pela PUC-MG, pós-graduando em direito empresarial pela Escola Brasileira de Direito, militante da causa da transposição no Amapá.
E-mail: robertocoelho.adv10@gmail.com
Instagram: @roberto_coelho.adv
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