Pacote para turbinar benefícios sociais pode esbarrar em restrições eleitoral e fiscal
A 100 dias das
eleições, criação de uma bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil tem como entrave a
legislação eleitoral
BRASÍLIA -
Em busca de amenizar o custo político da disparada dos combustíveis, a proposta
do governo de turbinar benefícios sociais, incluindo a criação de uma
bolsa-caminhoneiro de até R$ 1 mil por mês, a 100 dias das eleições, esbarra em
restrições jurídicas e fiscais, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.
A
reportagem apurou que as movimentações têm sido acompanhadas com lupa por
membros do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que fiscaliza o uso do
dinheiro público.
A legislação eleitoral determina
que, no ano em que se realizam as eleições, fica proibida a distribuição
gratuita de bens ou benefícios pela administração pública. As únicas exceções
são programas sociais que já estejam em curso. Fora isso, é preciso que o
governo publique um decreto de “estado de calamidade pública” ou de “situação
de emergência”.
Na avaliação do líder do governo no
Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), a criação do benefício não exigiria nenhum
tipo de decreto pelo governo federal, porque se trata de uma situação
emergencial internacional – a guerra entre a Rússia e Ucrânia, cujo conflito se
iniciou há quatro meses – já instaurada e que tem exigido movimentos de todos
os países em programas sociais e de compensação devido à alta dos combustíveis.
“O decreto de calamidade da
pandemia, que envolvia vários segmentos da sociedade, era recomendado. Mas não
podemos abrir a porteira agora por causa de um problema específico, que é do
segmento de combustível, para isso não virar uma festa nos municípios”, disse
Portinho à reportagem. “Eu entendo que a questão é emergencial e internacional.
Não dá para esperar as eleições. Não há necessidade de decreto.”
O plano em análise neste momento é
usar os R$ 29,6 bilhões previstos na Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
dos combustíveis e que seriam destinados à compensação de Estados que zerassem
o ICMS sobre diesel e gás até dezembro deste ano. A preocupação do governo é de
que o dinheiro chegue à mão da população, em vez de ser repassado aos governos
estaduais e, assim, não surtir o efeito esperado nas urnas.
Além da bolsa-caminhoneiro de até
R$ 1 mil, que seria dada mensalmente até dezembro, o governo quer usar esses
recursos para ampliar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e, ainda, dobrar o
valor do vale-gás (hoje, de R$ 53 a cada dois meses).
“É um conjunto de iniciativas,
entre todas que estão sendo debatidas, para que caiba dentro dos R$ 30 bilhões
da PEC do Ministério da Economia”, afirmou o senador. “Temos o receio de que os
Estados estejam insensíveis com a população. Não adianta isso não chegar na
ponta da sociedade. É preciso que o benefício chegue a quem precisa.”
Gasto transitório ou permanente?
Na avaliação do diretor da Instituição Fiscal Independente, Daniel
Couri, ainda que a criação da bolsa-caminhoneiro de R$ 1 mil possa ser
questionada pela proximidade da eleição, do ponto de vista fiscal, ela seria
permitida desde que o benefício seja criado por uma PEC, que é a intenção do
governo.
"Pode-se argumentar que esse novo auxílio aos caminhoneiros
fere a legislação eleitoral, mas isso pode ser resolvido via PEC", diz.
"Agora, continua sendo um gasto fora do teto de gastos – isso porque já
era extra-teto se esse valor fosse usado para compensar os Estados, só muda o
destino do dinheiro. O governo não tem espaço fiscal para gastar R$ 30
bilhões."
A grande preocupação, avalia Couri, é que ainda que as propostas
na mesa tenham data de validade – até o fim do ano –, há grandes chances de se
tornarem gastos permanentes. Um exemplo é o próprio Auxílio Brasil, que
inicialmente teria o valor de R$ 400 apenas em 2022; mas, em abril, uma medida
provisória tornou esse piso permanente.
"Essas medidas têm um custo fiscal relevante e a gente já
teve prova de que reduzir gastos sociais é difícil. Ainda que seja temporário,
cria-se um risco de que esse gasto permaneça em 2023, na próxima gestão, como
se você estivesse aumentando o sarrafo”, diz Couri.
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