Nesta semana a Editoria Amazônia abre espaço para a música com o texto de Alessandro Ronan da Silva Magalhães, aluno do curso de Licenciatura em Música pela Universidade Federal do Pará – UFPA e também acadêmico do curso de Bacharelado em Música da Universidade do Estado do Pará – UEPA. O fetichismo na música Gostaríamos de analisar hoje, nessa primeira oportunidade de vir a público e falar sobre música, o gosto musical.
O gosto está em constante mudança, fruto do próprio instinto humano. Assim, na medida em que a paz musical do ser humano se encontra perturbada existe a decadência do gosto pela música.Pensamos que nos tempos atuais todos tendem a obedecer cegamente a moda musical. O indivíduo já não consegue ter liberdade para opinar frente ao que lhe é apresentado, uma vez que tudo é tão semelhante. As artes autônomas não são mais valorizadas levando em consideração seu valor intrínseco, ou seja, sua essência; seu valor não existe mais na mente da massa.A música, nesse contexto, objetiva unicamente o entretenimento. É a única que comanda o mercado, dessa forma a morte da linguagem clássica como expressão e a incapacidade de comunicação são consequências óbvias desse processo. As pessoas, tomadas pela indústria da música de mercado, aprenderam a ouvir qualquer coisa.Platão na obra "A República" (séc. IV a.C.) já expunha a noção de música de entretenimento e música de apreciação. Mas hoje o prazer do momento e a multiplicidade de variedades se transformam em pretexto para desobrigar o ouvinte a pensar a realidade criticamente, cuja existência está incluída na audição adequada. Sem grandes opções, o ouvinte se converte em simples comprador e consumidor passivo.A consciência musical das massas se define pela rejeição do prazer no próprio prazer. Tamanho é o problema da apreciação musical que se se toca uma canção de sucesso de brega e uma música de Schöenberg, essa última não será desfrutada. Isso ocorre em função de que existe um verdadeiro estado de não escutar, dessa forma nenhuma música será entendida segundo sua estética, forma e sentido. Hoje ouvir música é se submeter à lei do consumo, pelo preço do seu conteúdo; ouvir uma música é como consumir uma determinada mercadoria. Esse processo dá origem à seguinte conclusão: "o mais conhecido é o mais famoso, e tem mais sucesso". Nesse prisma, ter boa voz e ser cantor muitas vezes é significado de vulgarização da apreciação materialista da música. Não existe mais a preocupação com o domínio técnico da voz, apenas exigi-se que se tenha potência e seja aguda para legitimar o renome do seu dono.Com o advento das tecnologias (programas, instrumentos) fazem com que qualquer pessoa possa produzir música e colocá-la à disposição de todos na internet. Chegamos na era onde teclados, saxes, guitarras podem ser executados por meio do Iphone, tabletes, etc.Um mestre nessa arte atualmente chama-se Jordan Rudess que em muitas apresentações em vez de tocar em teclados convencionais os substitui por um "Tablet". O indivíduo que está na favela produzindo música e o estúdio mais conceituado utilizam o mesmo programa de gravação, ou seja, os recursos estão à disposição de todos. Por efeito, a quantidade de música lançada no mercado é absurda. O diferencial é saber como harmonizar a monstruosa gama de recursos tecnológicos de maneira a produzir algo interessante.Assim, para produzir música, não precisa ser músico, basta colocar uma batida de matéria no fundo e fazer algumas rimas e pronto, você pode fazer sucesso! Isso é bom, pois a música é utilizada como meio de expressão de muitas pessoas, por outro lado é negativo, pois o ouvinte tem um universo muito vasto para escolher o que deseja ouvir, não tendo condições de apreciar com precisão e aprofundamento estético o que deseja. De qualquer forma estamos diante de uma nova forma de produzir música, mas será que se Mozart e Beethoven tivessem acesso a toda essa tecnologia teriam composto sua obra?Conforme Adorno (1903-1969) – repensando Marx (1818-1883) – a modificação da função da música atinge os próprios fundamentos da relação entre arte e sociedade. Quanto mais inexoravelmente o princípio do valor de troca subtrai aos homens os valores de uso, tanto mais impenetravelmente se mascara o próprio valor de troca como objeto de prazer. O processo de coisificação radical produz a sua própria aparência de imediatidade e intimidade. Os momentos de encantamento dos sentidos, que resultam das unidades isoladas e decompostas, são em si mesmos, pelo fato de serem apenas momentos separados do conjunto, demasiadamente fracos para produzir o encantamento dos sentidos que deles se exige, e para cumprir os requisitos publicitários que lhe são impostos.Temos a ilusão de conhecer muitas músicas. Todas elas, de todas as épocas, de todos os gêneros e todas as culturas estão ao alcance das mãos em mp3. O ouvinte se tornou então uma espécie de colecionador que conhece não a música, mas fragmentos dela. É capaz de assobiar uma melodia que escutou no rádio, se encantar com um trecho de canção ao passar por uma loja, mas cada vez menos tem tempo e iniciativa de realizar uma escuta atenta e imersiva.Além disso, deixa de fazer um exercício essencial para a compreensão de qualquer produto cultural: o exercício da contextualização. Nossa escuta aos poucos vai perdendo a referência de que cada música é produto de uma determinada época, de um determinado conhecimento, de um determinado contexto. Já não sabemos aonde ou em que época foi criado aquilo que ouvimos, já que a proliferação da diversidade pasteuriza as diferenças intrínsecas de estilos, composições e práticas musicais. As músicas dos povos e culturas mais diferentes são colocadas lado a lado sob rótulos como world music.Concluindo, ouve-se a música conforme preceitos estabelecidos, pois, como é óbvio, a depravação da música não seria possível se houvesse resistência por parte do público. Tanto na música quanto nas demais áreas, a distância entre substância e fenômeno, entre essência e aparência agigantou-se em tal proporção que já é inteiramente impossível que a aparência chegue a ser um testemunho do valor da essência.
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