sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Demandas territoriais no Amapá e o trabalho antropológico
O potencial das demandas por demarcações territoriais no estado do Amapá definem um cenário interessante para análises por parte dos profissionais em antropologia. A existência de comunidades indígenas e de afro-descentes possibilita contextos de observação onde na medida em que atualiza discussões sobre os potenciais analíticos do discurso científico, revela realidades sobre disputas, atuações institucionais, atores, problemas, carências. É bem certo que em relação às comunidades indígenas já existe uma situação bem resolvida; salvo a atualidade de novos empreendimentos da modernidade técnica que se insurge nos espaços reconhecidos dos povos indígenas, vide as questões atuais sobre a estrada que corta a terra Uaçá, ainda precisando de estudos antropológicos. Afora isso temos alguns outros pontos que merecem reflexão quando ao trabalho antropológico em terras amapaenses.
Nesse contexto alguns atores sociais estão diretamente envolvidos, e mais diretamente quando o tema de territorialidade toca as comunidades afro-descendentes, sejam aquelas já tituladas como terras quilombolas, ou as que estão em processo, mas que já se auto-identificam como quilombos. A demarcação nessas terras parte, portanto, de uma dimensão cultural, simbólica, identitária, coletiva. Mas que também fundamenta certo caráter político. E nesse ponto é preciso considerações breves, para as dimensões desse artigo. A quem interessa o tornar-se quilombola? Ou o auto-reconhecimento é um processo de construção que não necessita de mediações, sendo construído por força do grupo interessado em se auto-identificar e ser reconhecido pelo resto da sociedade? No caso de haverem mediadores, o que representam no contexto do grupo, a voz coletiva, dispondo claramente todos os desdobramentos do tornar-se quilombo? Essas são algumas questões fundamentais para o trabalho do antropólogo. Muitas vezes não são postas claramente, mas ao longo das elaborações dos Laudos Antropológicos ou Relatórios de Impacto Ambiental, os documentos técnicos que corroboram o judiciário nos contextos de demarcação, precisam ser respondidas.  A construção do trabalho antropológico é um processo demorado, necessita de reconhecimentos, relativizações, imersões no cotidiano histórico e cultural. É um trabalho em etapas, compondo momentos indispensáveis: a auto-identificação das terras, o processo direcionado a Fundação Palmares, o acionamento das instituições públicas de justiça, o laudo antropológico, dando suporte às outras etapas. Nesse contexto, o trabalho técnico do profissional de ciências sociais, o antropólogo, é de participar a lógica da comunidade sobre o uso da terra, sua historicidade, suas ligações entre o ontem e o hoje enquanto grupo. É preciso haver clareza nesses desdobramentos.
Há hoje uma clara defasagem de pessoal nas instituições competentes sobre territorialidade no Brasil, que precisam da elaboração dos estudos antropológicos para resolver certas demandas. Essa defasagem enseja em geral demora nos processos, disputas que muitas vezes procuram distorcer dados, emperrar processos. É preciso entender que, no contexto das disputas, há sempre discursos que querem ser identificados como verdadeiros, construindo narrativas sobre propriedade a terra que exigem pesquisa, estudo, verificação. Nesses pontos é onde se situa o trabalho antropológico.
A atualidade do conceito quilombola, assim como a posse da terra nos possibilita a reflexão sobre problemas que estão situados no presente, mas que remontam sincronias e diacronias históricas que precisam ser equacionadas cientificamente, criteriosamente, mesmo que o contexto dessa pesquisa seja o campo de tradições, de práticas e entendimentos coletivos; isso tudo posto na mesa. Menos o exclusivo poder do dinheiro. Nesse ponto é onde se situa a antropólogo como profissional multidisciplinar, atento as demandas de coletividades, em suas realidades específicas, mas vendo ao longe os movimentos da sociedade mais amplamente.

Msc. Luciano Magnus de Araújo
Antropólogo, professor do curso de Ciências Sociais, UNIFAP

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