segunda-feira, 10 de setembro de 2012

CEA na mira da Aneel


por Gabriel Fagundes

Para complicar ainda mais o grave e delicado momento de crise pelo qual vem passando há mais de 10 anos, a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) foi recentemente posta numa encruzilhada, tudo por causa da Medida Provisória de número 577, publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 30 de agosto de 2012, que permite ao Governo Federal intervir em casos de companhias elétricas em situação como a do Amapá.
Protesto do sindicato dos urbanitários
do Amapá exigindo a federalização da CEA  

A CEA encaixa-se perfeitamente nos quesitos da MP 577, pois possui uma dívida que não pode pagar, tem constantes prejuízos operacionais e um patrimônio líquido negativo, o que pode resultar numa intervenção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), não sendo possíveis quaisquer entradas na Justiça com pedido de recuperação.

De acordo com informações do site da revista Veja, para o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a MP 577apenas tornou possível a intervenção, com maior fluidez, do poder público nas concessionárias. "Não se trata de uma intervenção de outra natureza. Não temos a intenção de ferir contratos. O Brasil tem tradição de cumprir contratos", garantiu o ministro.

O ministro também salientou que a decisão de publicar a medida foi a de garantir segurança de entrega de eletricidade aos brasileiros. "O Estado tem de zelar pelo funcionamento adequado de todo o sistema. É bom lembrar que se tratam de concessões", afirmou. Segundo o ministro, a Aneel, como agência reguladora, tem de estar atenta aos interesses da população. Ele afirmou também que houve interpretações de advogados "que não são muito corretas" das intenções do governo.

Caso haja a intervenção da Aneel, o que levará a CEA à caducidade - termo que se refere à queda e/ou quebra-, todas as dívidas da companhia serão transferidas ao Estado, e há um sério risco do quadro efetivo de 1200 trabalhadores, de acordo com o blog Café e Cia (cafeecia-ap.blogspot.com.br/), ficar desempregado.

A voz do Sindicato
Na visão do presidente doSindicato dos Urbanitários do Amapá (Stiuap), Audrey Cardoso, a caducidade prejudicará a CEA e principalmente os seus funcionários e a população.

"Em uma caducidade está bem claro que os empregados vão ficar à deriva, ou seja, não terão escolha. E quem assumir não se responsabilizará pelo quadro de funcionários", disse.

Como tudo começou
Segundo informações apuradas pela reportagem, a crise da CEA começou há muitos anos, quando foi criado o plano nacional de desestatização de 1990, na época do governo Collor. Depois, veio uma lei de 1993 que afetou e muito a CEA, que é a lei n° 8631/93. Essa lei extinguiu os institutos paternalistas que existiam no setor elétrico, que eram tarifa igual para o Brasil todo (tarifa equalizada), regime de remuneração garantida, independentemente da eficiência ou não da empresa, esta recebia remuneração de tarifa e conta de resultados a compensar, isto é, se o balanço da CEA desse negativo, fazia-se um grande acordo nacional e tudo fechava no azul; e o quarto e mais importante é que as concessionárias de distribuição não tinham contratos regulares com as geradoras, e a partir daí criou-se a obrigação de firmar contratos de suprimento.

Também de acordo com informações recolhidas, a lei n° 8631 foi de 10 de março e em maio a CEA assinou contrato de suprimento com a Eletronorte e, pelo que se sabe, já naquele ano a CEA deixou de pagar esse contrato. Sucederam-se vários governos que pagaram uma ou duas parcelas da dívida, e depois pararam de pagar. Além do mais, quando saiu a lei de n° 10848/04, que proibiu, vedou o reajuste de tarifas e o recebimento de recursos setoriais para empresas inadimplentes, entre elas a CEA, isso também ajudou a afundar a CEA, que está desde 2004 sem reajuste de tarifa.

O desfecho
A saída viável para o caso CEA, como comumente tem se colocado, seria a federalização da companhia. De acordo com a fonte que concedeu entrevista a este jornal, a CEA já devia ter sido federalizada há 20 anos. "As empresas da região Norte foram todas federalizadas, com exceção da do Pará que foi privatizada. Aqui não houve federalização por questão ideológica. Eram anos propícios para a federalização, ainda mais porque o presidente daquela época perdoou R$ 10 milhões da dívida com a Eletronorte que era de R$ 40 milhões em 1997", afirma.

Resta saber se o governador do Estado vai federalizar a companhia ou deixa-la no estado em que está, pronta para receber intervenção da Aneel.


Entenda o processo de transformação do setor elétrico brasileiro

A reformulação do setor elétrico brasileiro, a partir da criação de um novo marco regulatório, pegou o Amapá de “calças curtas”. O advento da Lei 8.631/93 trouxe mudanças que estabeleceram uma verdadeira quebra de paradigmas para as empresas energéticas, especialmente para a CEA. Até então, o Setor Elétrico vivia um ambiente de total ineficiência, que não inspirava investidores internacionais a aplicar dinheiro em tão arriscados negócios. A Lei 8.631/93 eliminou, de uma só tacada, institutos considerados paternalistas e, de certo modo, incentivadores dessa ineficiência empresarial, extinguindo o chamado Regime de Remuneração Garantida, o Sistema de Contas de Resultados a Compensar (CRC) e a aplicação de tarifa unificada em todo o País (as tarifas equalizadas), que , na prática, permitiam às empresas independentemente de seus desempenhos operacionais, fecharem seus balanços em condições falsamente positivas, tendo essa reformulação legal exigido das empresas a partir de então, que começassem a caminhar com as próprias pernas. Coube ainda à Lei 8.631, de 04 de março de 1993, impor ao setor o acerto de débitos de suprimentos existentes até então e a assinatura de contratos de suprimento (o que deu início a essa longa novela da dívida da CEA com a Eletronorte).

Ressalte-se que esse foi um marco que deu início a uma verdadeira revolução legal no âmbito do setor elétrico, com o advento posterior da Lei das Concessões Públicas (Lei 8.987/95), Lei de Criação da ANEEL (Lei 9.427, de 27.12.1996), Lei do Apagão (Lei 10.438/2002) que criou o Programa Luz para Todos e estendeu o prazo de vigência da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis - CCC , até 2022 e a Reserva Global de Reversão até 2010 (já prorrogada até 2035 pela MP 517/2010).  

Todas essas medidas, lastreadas na necessidade de dar ao setor uma nova dinâmica, baseada na atuação do Estado como regulador e fiscalizador, e da iniciativa privada como prestadora do serviço público de energia (nos termos do art. 173 da CF), geraram uma imediata reação dos governadores dos estados onde tal modelo não se enquadrava com a realidade econômica, geográfica e social. Nesse aspecto, é importante ressaltar que já em 1997, foram federalizadas as empresas CERON, CEAM, ELETROACRE, BOA VISTA ENERGIA, CEAL E CEPISA, sendo que a CELPA foi privatizada em1998. Lamentavelmente, no Amapá houve grande resistência à federalização da CEA, sempre sob o forte discurso de que se tratava de “patrimônio do povo amapaense”, mas que na realidade simbolizava a luta de um governo estadual que não se identificava politicamente com o governo de FernandoHenrique Cardoso, que, aliás, sempre foi muito generoso em relação a busca de uma solução para a questão da dívida da CEA.


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