sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Antenados - Telefonema


Papai Noel ligou para a casa do menino naquele dia e disse:

- Ho, ho, ho! Aqui quem fala é o papai Noel, e eu soube que nesta casa mora um rapaz chamado Carlinhos Eduardo...

- Sim, sou eu! Carlinhos sou eu!

- Pois você foi um bom rapaz ao longo desse ano, Carlinhos, e por isso eu estou ligando aqui do Polo Norte, para saber o que você quer ganhar de Natal.

O menino ficou eufórico. Àquela época, não sabia ainda que os Papais Noéis eram, de fato, os próprios papais. A princípio ficara preocupado porque, afinal, com o braço engessado - caíra da árvore tentando salvar um filhote de passarinho abandonado -, não pudera escrever sua cartinha de Natal e colocá-la na árvore. Entretanto, ali estava a prova de que mesmo assim Papai Noel dera um jeito, e ainda por cima telefonando!... Fizera o garoto se sentir muito especial.

Então Carlinhos se pôs a pensar no que poderia pedir de presente. Obviamente, já havia arrolado mentalmente seus itens favoritos. Uma bola de futebol, um boneco Max Steel, quem sabe até um patinete! Mas aí algo lhe veio à cabeça. Lembrou-se da noite em que passou pela sala e viu a mãezinha assistindo a um programa jornalístico na televisão, numa dessas ocasiões quaisquer... Lembrança pesada. Carlinhos oprimiu-se. Suprimiu-se. 

Ai, a TV!... Esse maquiavélico instrumento, que muitas vezes domina, e nos limita, mas tantas outras nos expande!... Gloriosa TV, que comumente aliena, mas por vezes também nos questiona.

Pois bem, Carlos Eduardo lembrou-se. Recordou a reportagem e, tristonho, disse ao Papai Noel (e não sem dor, mas dor generosa):

- Eu quero... Eu queria que o senhor levasse o meu presente até Naputo.

- "Naputo"?! - o Papai Noel estranhou.

- Sim. Naputo. Naquele lugar onde as crianças morrem de fome.

Papai Noel enfim entendeu. Então riu.

- Ah, meu filho!... Você quis dizer "Maputo".

- Sim, Maputo. Lá onde as crianças morrem de fome. O senhor poderia trocar o meu presente 
por comida, e então se todo mundo...

- Meu filho - o Papai Noel interrompeu-o -, não é só em Maputo que as pessoas passam fome.

- Não?!

O pai tentara dissuadir o menino daquela ideia estapafúrdia, mas acabara criando um conflito maior.

- E por que ninguém faz nada?!

- Porque não podem.

- Mas o senhor pode! O senhor é o Papai Noel...

Papai Noel exasperou-se.

- Tá legal, Carlos Eduardo Junior, o que vai ser? Uma bola, um videogame...?

Carlinhos não queria bola. Não queria videogame. Queria que as crianças não mais passassem fome. Queria que ninguém passasse fome. Ninguém morresse de fome. Para falar a verdade, queria que a morte não existisse. Nem a fome.

- Um videogame está legal - respondeu enfim, cabisbaixo.

Papai Noel ficou satisfeito, a seu modo. Encerrara-se a questão. Reforçou a ideia de que Carlinhos tinha sido um bom menino durante todo o ano, e instruiu-lhe a permanecer assim. Então o telefonema internacional do Polo Norte terminou. Desligaram.

Carlinhos ficou estático um momento, ao lado do telefone. Olhou para os pés. Então para o gesso, o gesso que cobria seu metacarpo, e o antebraço, do cotovelo às metades dos dedos. Lágrimas subiram-lhe as olhos. Era a sua incompetência. Não conseguira salvar nem mesmo um passarinho!... Como é que poderia tirar a fome de alguém? Como poderia?

Naquele dia, Carlinhos morreu. A alma, agora desnutrida, as esperanças, a criança no peito, morreram todas. Morreu Carlinhos. Morreu de fome.

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