Os pensamentos alheios jamais soarão iguais aos seus, e então há essa frequente possibilidade de se maravilhar com aquilo que brota do outro. Não existe, portanto, a dita "burrice", nem mesmo em se tratando de indivíduos com defasagens mentais comprovadas. Talvez haja preguiça mental, falta de interesse completo ou raciocínio lento. Mas a burrice involuntária, esta não.
Entretanto, o fato de não haver pessoas burras não anula a existência de pessoas notavelmente inteligentes. Alguns seres humanos nascem com a bênção do brilhantismo, crescem e se tornam prodígios naturalmente. Outros são estimulados suficientemente na infância, e se tornam grandes cérebros ambulantes, tão brilhantes quanto os primeiros. E existem ainda aqueles sem uma genética abençoada, sem memória fotográfica, nem jogos de xadrez ou aulas de esperanto aos seis meses de idade, mas que perseveram muito, estudam, pesquisam, dedicam-se mais do que o regular, e terminam por atingir um grau de conhecimento elevadíssimo, não menos brilhante que os já citados.
Vale esclarecer que este texto não está sendo patrocinado por nenhum neonazista em busca de argumentos a favor de uma raça superior. O simples princípio é que pessoas burras não existem, mas que alguns foram presenteados com uma massa cinzenta um pouco mais intrépida e fervilhante que a média. É o espetáculo das mentes extrapolando o esperado!
Todavia, parece que o brilhantismo também carrega consigo uma maldição. Chamá-la-ei "arrogância". Nem todo intelectual está marcado com o selo da soberba, mas poucos conseguem evitá-la. Quando não estão sofrendo com algo que só eles conseguem perceber, devido a seu elevado grau de observação e minúcia, os inteligentes costumam ostentar uma espécie de blaseísmo extremado por tudo aquilo que não está à altura de seu nível.
Obviamente, um filósofo com doutorado não conseguiria estabelecer diálogo frutífero com seu filho recém-nascido. São etapas mentais diferentes. No entanto, estaria o bebê condenado à inferioridade de julgamento simplesmente porque mal aprendeu a balbuciar palavras? De maneira nenhuma! Menciono ainda, de passagem, que um filósofo perde seu valor ao deixar de se portar como um neném, maravilhando-se com cada pequeno espetáculo do corriqueiro...
O que aborrece é essa postura intelectual que tende a marginalizar e massacrar tudo aquilo que não for tão brilhante ao ponto de merecer uma teoria ou estudo aprofundado. A coisa piora no momento em que são criadas facções, classes "pensantes", e estas passam a se portar como órgãos de censura, determinando aquilo que presta e o que não presta.
Essa criticidade em favor de uma qualidade de conteúdo seria válida, se um pouco mais sensata e cordata. O problema aparece quando se aglutinam padrões de "pensamentos superiores", rigidamente estabelecidos e já sedimentados, e esse aglomerado de ideias inflexíveis acaba regendo uma sociedade onde nada mais é aceito, nem mesmo analisado, caso previamente julgado como banal.
Perde-se a maravilha do simplório, o colorido mistério humano encerrado nas caixinhas-surpresa pintadas de um branco simples, só para despistar; perde-se a possibilidade de descobrir o novo, o atordoante, o chocante, simplesmente porque não vieram vestidos com a capa ofuscante do brilhantismo.
Intelectualidade perversa! Filtra e seleciona aqueles que são dignos ou não de determinados conhecimentos, segredos, prazeres... Está encarnada não só na dogmática classe cult de um coletivo - seja ela composta por críticos de arte, cinema, literatura, música, culinária, por universitários, doutores, ou até mesmo jornalistas -, mas sim manifesta-se em todo aquele que escarnece e menospreza o outro, simplesmente por julgá-lo inculto, insabido, insosso.
Essa intelectualidade perversa, muito mais do que a intolerância (que é apenas um dos aspectos do comportamento daqueles que se julgam mais conhecedores, e, portanto, mais virtuosos que os outros), é o que faz com que o ser humano pare de ouvir o alheio. E, não ouvindo mais, extingue-se o diálogo. Sem diálogo, o que resta? Restam as torres de marfim. No alto dessas torres, trancafiam-se os brilhantes. E de que adianta, então, todo o poderio de suas massas cinzentas, se transformam a criticidade, tão natural a eles, numa espécie de "cabresto da segregação", não sendo mais capazes nem ao menos de reconhecer a própria pequenez?
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