No centro do palco, prestes a começar seu ilusionismo, o mágico mostra as mãos. Movimenta-as cadenciadamente para mostrar que não segura qualquer objeto. Depois, introduz uma das mãos no bolso do paletó, retira um pano colorido e o desloca no ar de modo a atrair a atenção da plateia. Começa, então, a enrolá-lo, a espremê-lo e, subitamente, um pombo sai voando de entre suas mãos. A plateia atônita se pergunta como a ave apareceu ali. Os mais argutos e inquietos prestaram atenção em todos os movimentos para identificar o momento em que a ave foi introduzida. Mas, o mágico confundiu a todos. Fez com que olhassem para onde ele queria e não para onde as ações, que realmente importavam, aconteciam. Eis a essência da mágica, fazer com que não se atente ao que é primordial.
Atônitos estivemos todos com o ocorrido na boate em Santa Maria. Ver tantas vidas ceifadas em um único evento foi assustador. Fez-nos pensar na fragilidade da vida e em como podemos deixar este mundo rapidamente. A imprensa se apressou em fornecer informações, relatar fatos, apresentar os envolvidos. Vimos as inadequações físicas da boate, o revestimento inflamável, o alvará vencido, o show pirotécnico da banda, o excesso de lotação, a restrição de saída feita pelos seguranças. Enfim, os vários fatores que contribuíram para a tragédia. Tudo mostrado em repetições infindáveis por dias longos e intermináveis. Vimos o choro, a angústia, o desespero de familiares, amigos, colegas de classe, professores e de toda a cidade. Sim, Santa Maria sofreu coletivamente e seu pesar se estendeu por todo o país. Vislumbramos jovens auxiliando os bombeiros a abrir com marretadas a incendiada casa de shows e mães, que sofriam sua perda, consolando os amigos do filho. Exemplos de superação e força, pois sempre há aqueles que mesmo nas horas mais difíceis conseguem ser fonte de apoio e segurança para outros.
Passado o primeiro impacto começaram os questionamentos sobre os responsáveis pelo incidente, as punições devidas e as ações que poderiam ser tomadas. Neste lastro de ações preventivas, prefeituras e governos de vários locais do Brasil estão mandando averiguar as boates. Mas o problema está só nas boates? Apenas casas de show correm risco de incêndio? Não, é claro que não! A preocupação deve recair sobre todo e qualquer ambiente em que um grande contingente de pessoas estiver agregado. Olhamos para as boates, em virtude do que ocorreu em Santa Maria, e esquecemos-nos de outros espaços que estão continuamente repletos de pessoas! Os mesmos problemas podem ocorrer em ginásios, comércios, locais de trabalho, igrejas, hospitais, teatros, cinemas, escolas... Sim, escolas! Aquelas onde deixamos nossos filhos na expectativa de que estejam protegidos! Quais destes ambientes apresentam os mesmos problemas da boate de Santa Maria? Quais têm mais de uma saída? Das construções que têm dois ou mais andares, quais possuem escada de incêndio? Ou a única saída é a escada central onde muitas vezes se afixam materiais facilmente inflamáveis como cartazes de cartolina ou de isopor? Quais têm extintores em quantidade suficiente, funcionando e com gente capacitada para utilizá-los? Quais fazem treinamento para situações de emergência, de modo que as pessoas saibam como se portar em caso de fatalidade?
Estamos tão impressionados com o pano sacudido em nossa frente que não conseguimos perceber os outros movimentos que estão ocorrendo. É necessário que vejamos o ocorrido em câmera lenta, para que possamos desvendar a ilusão e enxergar o que realmente importa. Não apenas as boates possuem riscos! Não é incêndio o único problema! Toda e qualquer congregação humana em local fechado é um risco e, por isso, todos os ambientes coletivos devem ser inspecionados. Todos!
Por último, há algo que sempre me intriga. Não é interessante que quando uma catástrofe ocorre, surge um monte de gente que parecia saber que o desastre era iminente? Ora, se era tão evidente assim, por que não foi evitado? Por que estas pessoas não se prontificaram em alertar os responsáveis? E por que quando alguns tentam alertar dos riscos são tratados como malucos, chatos de plantão ou "pessoas contra o progresso"? Avaliar as coisas depois de acontecidas nos permite enxergar tudo com uma clareza que no desenrolar da situação é impossível ou pelo menos deveras difícil. Temos, então, que fazer estudos das possíveis causalidades, estabelecer leis que normatizem formas de tratar a situação, implantar órgãos que fiquem responsáveis por uma fiscalização rígida e estabelecer punições para aqueles que infrinjam as determinações. É o que podemos fazer porque não há como adivinhar quando uma fatalidade ocorrerá. Nem sendo mágico!
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