
Costumo evitar
temas religiosos, não por temer ser parcial (a neutralidade não existe nem
mesmo na Suíça), mas sim por conhecer o desconforto - facilmente transformado
em hostilidade - que acomete a maioria das pessoas diante desses assuntos.
Parece que falar sobre fé se tornou uma daquelas coisas aporrinhadoras e
insignificantes, apesar de 90% da população brasileira (de acordo com dados do
IBGE) ainda professarem algum tipo de credo. Contudo, com a recente eleição do
Pastor-deputado Marcos Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos
e Minorias, tomo a inclinação de expressar alguns pontos de vista na tentativa
de entrever as proporções do problema da "intolerância reversa" que
temos agora em mãos.
Não conheço bem
este Pastor. Nunca assisti a nenhuma de suas pregações, não sei de seu
discurso. Durante muito tempo, Feliciano foi para mim apenas aquela figura
estranha que alisava os cabelos com química e usava lentes de contato
coloridas. Daí soube que, em 2011, fora eleito deputado federal em São Paulo
pelo Partido Social Cristão (PSC).
Tenho para mim
que muito da essência cristã se perde no momento em que pregadores e outros
irmãos enveredam-se pela política. É difícil não corromper a si mesmo e, por
tabela, aparentemente manchar também o evangelho. Entretanto, por outro lado,
também não acho saudável a alienação em relação a tais assuntos. Mas, enfim, o
que me causa mais incômodo agora não é própria a eleição do Pastor, nem as
trapalhadas que vem cometendo ao tentar se livrar das acusações de preconceito,
mas sim a questão: Até que ponto são válidas as manifestações contra ele?
Atitudes extremistas já beiram a intolerância outrora apontada no homem.
Lembram da história do cisco no olho do outro e a trave no seu próprio? Os
revoltados além da dose não levam em conta alguns fatores.
O homem diz-se
cristão. Um cristão tenta seguir ensinamentos de Jesus, contidos na Bíblia.
Segundo o Livro, o amor deve ser a maior atitude do crente, e falar de Cristo a
outras pessoas, sua principal tarefa. Se alguém, através dessas palavras, passa
a acreditar em Jesus como seu salvador, amando-o e deixando para trás velhas
práticas mundanas que conduzem ao que Deus determina como "pecado", a
alma desse indivíduo estará livre do inferno. E, ainda segundo a Bíblia, vão
para o inferno os que não se arrependerem de práticas como: imoralidade,
idolatria, adultério, homossexualismo/sodomia, bebedice, etc. (Ler 1 Coríntios,
capítulo 6).
Então Marco
Feliciano fez algum comentário sobre os homossexuais serem pecadores. Vê-se
que, segundo a ideologia cristã, é isso mesmo. Homossexualismo não é entendido
como orientação natural, mas como escolha, comportamento. Então urge falar a
respeito dos perigos de se ir para o inferno. E essa preocupação com a alma
alheia me parece muito mais humana do que a indiferença disfarçada de
tolerância.
Ademais, até
onde sei, nenhum evangélico já teve por hábito queimar pessoas na fogueira.
Também não sacrificam crianças ou animais, nem despejam o sangue deles em
encruzilhadas. Não creem que um bebê que nasça com alguma deficiência física ou
mental esteja pagando pelo erro de um parente, tornando-os assim um estigma do
mal familiar reencarnado. Evangélicos não seguem essas doutrinas. E isso já os
torna bem humanos, penso eu.
Chamaram o
deputado ainda de "racista", devido a um comentário infeliz no
Twitter. Afirmou que os africanos eram descendentes de um ancestral que fora
amaldiçoado por Noé. Não sei se existe argumento teológico nisso, mas a própria
Teologia está impregnada de teorias "conspiratórias" e outras
hipóteses difíceis de engolir... Eu não daria tanta importância a um
posicionamento tal, sobretudo se lançado numa rede social. Que legitimidade há?
Vã dor de cabeça para quem quer começar uma guerra pautada em contrassensos ou
frivolidades jogados irrefletidamente na internet.
Nessa história
toda, a verdade é que não lamento especificamente pela temporada de caça que
Marco Feliciano enfrenta. Lamento por todos os evangélicos do Brasil, que,
apesar de terem o professar de sua fé assegurado, lidam dia após dia com o
pesadelo da antirreligiosidade (que parece só se acionar de forma tão agressiva
em relação a eles), bastante motivado pelos discursos midiáticos. Novidade,
pessoal: Isso sim é ser intolerante.
Está cada vez
mais difícil viver neste planeta. Inexiste a segurança de expressar pensamentos
e a chance de ser corrigido com bondade. Parece só haver agora espaço para a
perseguição de ideias. E acrescento: Marco Feliciano, como evangélico, deve
conhecer as pressões que sofrem as classes marginalizadas no Brasil. É como ter
a lepra de antigamente. E eu me pergunto: Pode um leproso condenar outros
leprosos por padecerem do mesmo mal? (Uso aqui a lepra em sentido figurado.
Deus me guarde da patrulha dos politicamente corretos que faltaram à aula de
metáfora!).
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