Português “miguxo”
Meus leitores provavelmente conhecem
a história evolutiva do "você". Se não, um breve resumo: tudo começou
com o pronome de tratamento "vossa mercê", que, com o tempo e o poder
da economia linguística, reduziu-se a "vosmecê", e este para o nosso
conhecido "você", cuja trajetória já aponta para outro uso, bem mais
informal e equivalente à pessoalidade do “tu”, o "cê". A menos que
nosso criativo povo encontre uma nova forma de fazer palavras sem sílaba, acho
que as mudanças acabam aí. Mas... Espere! Parece que isso já até conseguimos
(pelo menos na escrita), afinal, nosso "vc" está aí para provar que o
brasileiro já não precisa de vogais.
Uso a história do "você"
para introduzir o assunto da matéria dessa semana. Estava procurando uma pauta
interessante, há alguns dias, quando alguém me sugeriu: "Por que não falas
sobre o 'miguxês'?". Essa mesma fonte me disse que lera recentemente sobre
o assunto em um livro da escola e que achou bastante
interessante. Interessei-me também, sobretudo porque pensava que a praga
do tal "miguxês" já havia sido remediada e esquecida pelos antigos
usuários e também pelos livros didáticos. Entretanto, ao que parece, o assunto
ainda dá pano pra manga, e o risco linguístico permanece.
Para quem não sabe, o "miguxês"
é um forma de comunicação, quase uma espécie de dialeto cibernético, que nasceu
no berço da linguagem telegráfica característica da internet. Além das
clássicas abreviações (como o "para" tornando-se "p/" ou
simplesmente "p", e o nosso já citado "você" tornando-se
"vc"), o miguxês apresenta formas muito criativas e bastante
afetadas, eu diria, para recriar palavras...
O próprio termo, "miguxês", vem de "miguxa" ou
"miguxo", uma forma carinhosa que alguns internautas encontravam para
se referir a seus amigos. Sobretudo usado por garotas à época de sua invenção
(que culminou com o ápice do uso de salas de bate-papo e programas como o MSN),
e hoje bastante hostilizado pelos internautas que amadureceram seus hábitos
linguísticos, o miguxês também era capaz de transformar todas as palavras numa
confusão quase indecifrável de letras maiúsculas e minúsculas, fazendo brotar
"x" em todos os contextos possíveis. "Nós nos amamos", por
exemplo, em miguxês seria dito "nOiX nUx AmAmUxXx". Profundo, não?
Só mais um fenômeno cibernético
interessante de se observar. E não havia problema nenhum no uso desse dialeto
por determinadas tribos da internet... Até os jovens esquecerem os limites do
virtual e tornarem a comunicação aqui no mundo real bem mais complicada. Quando
sistemas tão fechados e alternativos passam a não mais se restringem ao
universo dos computadores e ao contexto informal dos bate-papos, os usuários
podem arranjar muitos problemas para sua própria formação educacional e
apresentação social aqui no mundo real e burocrático do dia a dia. Chega-se a
um ponto em que já não conseguimos discernir a forma certa de nos portar ao
escrever qualquer coisa.
Para onde caminha a nossa língua escrita? Penso que não podemos
esquecer os limites de cada contexto. O clássico exemplo: ninguém vai de terno
à praia. É preciso se adequar. Não que seja necessária uma gramática
irrepreensível – do ponto de vista normativo – quando se está conversando com
os amigos em uma rede social ou bate-papo. Mas não se pode também usar-se do português
“miguxo” indistintamente. E o pior é que, nos dias de hoje, tão impregnados
pelos hábitos cibernéticos, todos nós cometemos deslizes mais frequentemente do
que deveríamos. É preciso estar atento.
Se, ao final dos esforços para conter
esse dadaísmo nocivo da linguagem – ou como resultante de nenhum esforço ou
acuro reais –, persistimos nessa língua escrita atrofiada, será que as regras
dobrarão seus joelhos ante a pressão dos usos informais cibernéticos e da tal
economia linguística? Bom, não sei se seríamos capazes de absorver tão
facilmente ou pacificamente essas formas novas de comunicação em todos os
contextos. Contudo, de uma coisa tenho certeza: se o miguxês nos contaminar de
vez, mudo-me na hora para Portugal ou para a Galiza!
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